Nova gestão Trump favorece agro brasileiro, mas deve desvalorizar real

O retorno de Donald Trump ao comando dos Estados Unidos deverá trazer oportunidades para o agronegócio brasileiro. No entanto, a desvalorização do real perante ao dólar deverá se aprofundar em razão das políticas protecionistas que o republicano anunciou ter intenção de repetir — e intensificar — em sua segunda gestão.

Contexto

  • Moeda norte-americana fechou essa segunda-feira (20/1) em queda de 0,4%, a R$ 6,04, no primeiro pregão após a posse de Trump e após dois leilões de venda de dólar pelo Banco Central (BC). Essa foi a primeira intervenção no mercado de câmbio da nova gestão de Gabriel Galípolo na instituição.
  • Na semana passada, o dólar acumulou queda de 0,59%. Embora tenha registrado um recuo nesse período, encerrou a última sexta-feira (17/1) em leve alta de 0,2%, cotado a R$ 6,06.
  • Para o mercado financeiro, o dólar fechará o ano de 2025 cotado na casa dos R$ 6.
  • Não é apenas no Brasil: o dólar tem tido uma alta global nos últimos meses, especialmente nos países emergentes, mais sensíveis à volatidade. Uma das razões é a tarifação anunciada por Trump, que poderá ter como consequência uma elevação na inflação nos EUA, com repercussão mundial.

O maior protecionismo americano e a valorização do dólar são positivos para as exportações brasileiras, mas podem significar, a médio e longo prazos, crescimento dos juros e da inflação no Brasil.

Em meio à guerra comercial que os EUA travam com a China, Trump deverá restringir as importações do país asiático. Nesse cenário, o Brasil poderá ganhar competitividade no mercado americano, aumentando as exportações de commodities e produtos agrícolas.

“Para nós, é uma oportunidade. Quando essa rivalidade acontece entre os dois maiores exportadores do mundo [EUA e China], surge espaço para a indústria brasileira. Vejo como um cenário positivo para a gente exportar para um ou para outro”, afirmou o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Flávio Roscoe.

Impactos no Brasil

O ambiente de tensão no comércio internacional pode ter impactos mistos no Brasil, explicam analistas. “Enquanto o aumento de tarifas sobre produtos chineses pode criar oportunidades para o agronegócio brasileiro, um dólar fortalecido e a desvalorização do real tendem a pressionar a inflação e os custos das importações”, diz Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio.

Cada país deverá adotar políticas fiscais e cambiais sólidas para proteger sua economia. No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que sempre observa o cenário externo em suas decisões, se reúne na próxima semana para definir o patamar da taxa básica de juros, a Selic. Na última reunião de 2024, foram dados indicativos claros de ao menos duas novas altas de 1 ponto percentual da taxa.

Também em janeiro haverá a primeira reunião do Fomc (comitê correlato ao Copom), que pode interromper o ciclo de redução dos juros americanos, hoje na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano, e dificultar ainda mais a situação brasileira.

Dólar

Segundo Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, a possível reintrodução de tarifas de importação nos EUA trará implicações diretas na taxa de câmbio.

“Se Trump reintroduzir tarifas significativas, como sugerido, o dólar tende a se fortalecer devido à expectativa de uma economia mais isolacionista e protecionista. Isso, em turnos, poderia aumentar o custo das importações e pressionar outras moedas, inclusive o real brasileiro”, argumenta.

A política de tarifas de Trump não afeta somente o comércio e os preços das commodities, mas também desempenha papel crucial nas flutuações cambiais, afetando investidores que operam em múltiplas moedas e mercados globais.

O dólar tem tido trajetória de alta no Brasil já há alguns meses, superando a barreira dos R$ 6. “A apreciação do dólar frente ao real se deve, na maior parte, às expectativas de maiores juros na gestão Trump, especialmente pelo lado fiscal expansionista de seu governo, com os ambiciosos cortes de impostos”, explica José Alfaix, economista da Rio Bravo.

“O plano de Trump tem um viés bastante inflacionário, que deve ser combatido com maiores taxas de juros, aumentando a atratividade do dólar e dos ativos norte americanos frente aos pares emergentes. As políticas protecionistas, a expulsão dos imigrantes ilegais e os cortes significativos de impostos são medidas que devem trazer maiores pressões nos preços ao longo do mandato”, prossegue o economista.

EUA e Brasil

Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Em 2023, as exportações brasileiras ao território norte-americano somaram US$ 36,9 bilhões. No entanto, no ano passado, o saldo da balança comercial (total de exportações menos as importações) do Brasil com os EUA teve déficit de US$ 6,2 bilhões, o que significa que o Brasil comprou mais do que vendeu àquele país.

Sem comparecer à posse de Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cumprimentou o novo presidente dos Estados Unidos ainda nessa segunda. Em uma publicação nas redes sociais, o petista falou sobre as relações entre os dois países e manifestou o desejo de “seguir avançando em parcerias”.

Lula — que nunca teve uma relação próxima com Trump e chegou a declarar torcida pela adversária democrata Kamala Harris nas eleições presidenciais de 2024 — frisou os laços entra as duas nações em áreas como comércio, ciência, educação e cultura.

E completou: “Estou certo de que podemos seguir avançando nessas e outras parcerias. Desejo ao presidente Trump um mandato exitoso, que contribua para a prosperidade e o bem-estar do povo dos Estados Unidos e um mundo mais justo e pacífico”.

Em meados de dezembro, durante coletiva de imprensa realizada em Mar-a-Lago, Trump reclamou das tarifas impostas pelo Brasil e prometeu aplicar taxas semelhantes após reassumir a Casa Branca.

“A Índia taxa muito, o Brasil nos taxa muito. Se eles querem nos taxar, tudo bem, mas vamos taxá-los da mesma forma”, declarou Trump.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.