TCU bloqueia R$ 6 bilhões do programa “Pé de Meia”, do governo Lula: irregularidades

O governo do presidente Lula (PT) manteve o Pé-de-Meia fora do Orçamento e o programa continua operando à margem das regras fiscais. Nesta quarta-feira, 22, o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu o pagamento dos recursos que tenham com o origem fundos privados e que não tenham passado pelo Orçamento. O Pé-de-Meia é uma bolsa paga a estudantes do ensino médio criada para incentivar a permanência dos jovens e adolescentes nos estudos. O programa envolveu uma operação complexa que somou R$ 12,1 bilhões em 2024. Desse valor, foram pagos R$ 5,6 bilhões diretamente aos estudantes. E R$ 6 bilhões foram bloqueados.

Para 2025, segundo o jornal “O Estado de São Paulo”, o governo programou um repasse de R$ 1 bilhão no Orçamento, ainda não aprovado no Congresso, para o fundo do Pé-de-Meia. O valor não é suficiente, o que aumenta a margem para o gasto paralelo, e ainda com um problema adicional: o Executivo pretende tirar recursos do Salário Educação, destinado à alimentação escolar, investimentos em escolas, transporte escolar e livros didáticos, para financiar a bolsa.

O Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou que não comenta processos em andamento no TCU, mas ressaltou a importância do Pé-de-Meia para os estudantes. O Ministério da Fazenda disse que “não há ilegalidade em fundos realizarem políticas públicas, pois eles existem para tanto”, mas não respondeu questionamentos adicionais sobre as manobras fiscais. O Ministério da Educação afirmou que todos os aportes foram aprovados pelo Congresso e cumpriram as normas orçamentárias vigentes.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na semana passada que o Pé-de-Meia estava “entrando” no Orçamento. “Eu disse que tanto o vale-gás quanto o Pé-de Meia seriam orçados de maneira a estarem dentro do Orçamento federal. Então, toda aquela questão do que estava dentro e do que estava fora está superada com a aprovação das medidas fiscais do ano passado”, afirmou.

“As mudanças que foram feitas na legislação vão nos permitir atender as recomendações feitas pelo TCU”, disse. O ministro se refere a uma alteração feita pelo governo no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) no âmbito do pacote de corte de gastos.

Segundo a Fazenda, o espaço aberto pela economia de despesas poderia ser ocupado pela bolsa do ensino médio. Como mostrou o Estadão, a mudança, no entanto, ainda não foi efetivada.

Como fica o Pé-de-Meia em 2025 e o que o TCU decidiu

O Pé-de-Meia foi criado em 2023. Naquele ano, o governo colocou R$ 6,1 bilhões do Orçamento da União no Fipem (Fundo de Custeio da Poupança de Incentivo à Permanência e Conclusão Escolar para Estudantes do Ensino Médio). O Fipem foi criado especificamente para o programa e é operado pela Caixa. O repasse da União para o fundo passou pelo Orçamento, mas ficou fora dos limites do arcabouço fiscal. A bolsa começou a ser paga aos estudantes em 2024.

Em 2024, o governo autorizou a transferência de outros R$ 6 bilhões do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC) para o Fundo do Pé-de-Meia. O FGEDUC é um fundo privado associado ao Fies do qual a União participa como cotista. Essa operação foi diferente da anterior: o recurso não passou pelo Orçamento, mas foi feita uma ligação direta entre os fundos.

No fim do ano, o Poder Executivo autorizou mais R$ 4 bilhões do Fundo Garantidor de Operações (FGO), usado no Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), outro fundo privado, para a mesma finalidade – também sem passar pelo Orçamento. Essa quantia não foi repassada efetivamente para o Pé-de-Meia até a divulgação mais recente dos extratos pela Caixa, em dezembro.

O uso dos fundos foi aprovado por lei no Congresso, mas os gastos em si não passaram pelo Orçamento, o que trouxe problema para as contas públicas, de acordo com especialistas. O governo fez os pagamentos sem se preocupar com o arcabouço fiscal, que limita o quanto a União pode gastar, e a meta de resultado primário, que é a conta final entre receitas e despesas, sem contas os juros da dívida.

“Se o custeio é feito por meio de recursos dos dois fundos, o FGO e o FGEDUC, para o Fipem, que é o fundo do Pé-de-Meia, ocorre uma opacificação dos gastos, que não ficam transparentes. A operação parafiscal é a ligação direta entre esses fundos. É um bypass (drible) no Orçamento”, diz o economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Camillo de Moraes Bassi.

Em setembro de 2024, o Estadão apontou a manobra do governo para turbinar gastos e aumentar o crédito por meio de fundos, incluindo o Pé-de-Meia. Em outubro, o portal UOL publicou que o governo federal pagou R$ 3 bilhões aos estudantes com o drible nas contas públicas, levando o TCU a entrar no assunto.

Após a sanção do programa, em janeiro de 2024, a Consultoria de Orçamento da Câmara classificou o desenho como irregular. Nota assinada pelos consultores Antônio Carvalho Júnior e Dayson Pereira de Almeida em maio diz que o repasse dos fundos para o Pé-de-Meia representa “afronta ao princípio constitucional orçamentário da universalidade, ao princípio da legalidade orçamentária e ao artigo 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal”, segundo os quais as despesas devem estar registradas no Orçamento e autorizadas por lei.

Além disso, segundo os técnicos, o modelo também provoca a “realização de despesas públicas à margem dos limites de gasto estabelecidos pelo arcabouço fiscal”. Para que a operação fosse regular, de acordo com eles, o governo precisaria resgatar recursos do FGO e do FGEDUC para só depois repassar o dinheiro para o fundo do Pé-de-Meia, registrando o recurso na Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovado pelo Congresso e submetido aos limites fiscais.

Há ainda outro problema apontado pela consultoria. Ao transferir recursos para o fundo do Pé-de-Meia em vez de transferir a bolsa diretamente para os estudantes, o governo cumpre a chamada regra de ouro das contas públicas de forma artificial. (Com informações do Estadão)

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