“SP é ilha de esperança onde posso ser quem eu sou”, diz ativista LGBT

Helcio Beuclair tinha 24 anos quando decidiu seguir o conselho de um conterrâneo e embarcar num ônibus em direção a São Paulo. Era “questão de sobrevivência”, ele diria mais tarde.

Criado em uma família religiosa e conservadora do sul da Bahia, o jovem enfrentava uma depressão severa antes da viagem. Bissexual, sentia-se culpado por amar outros homens. Nas ruas, vivia com medo de se tornar alvo dos policiais que “davam esculachos” em casais gays que passeavam juntos por sua cidade.

“Do início da adolescência até a fase adulta, eu vivi escondido, negando quando era descoberto, enganando os outros para poder preservar aquilo que eu era.”

O casal gay e a viatura da PM

Foi para fugir de tudo isso que, em 2009, ele pegou suas coisas e partiu rumo a São Paulo. Uma cidade onde, segundo um amigo, poderia ser mais feliz.

“Quando eu cheguei aqui na Avenida Vieira de Carvalho, na região do [Largo do] Arouche, a primeira imagem que eu tive contato foi um casal gay, vindo de mãos dadas na calçada, e atrás deles uma viatura da Polícia Militar. Eles deram um beijo, a viatura passou, e nada aconteceu. Isso na minha cidade seria inimaginável. E em muitas cidades Brasil adentro, e em muitos países no mundo, isso também é inimaginável”, diz Helcio.

O jovem se encantou por São Paulo. Visitou baladas LGBTs, teve seu primeiro namoro público, conheceu e se apaixonou pela história do Largo do Arouche, bairro com forte relação com a comunidade LGBT no centro da capital paulista.

Mas também viveu dias difíceis. A cidade onde sentiu que podia expressar seu amor livremente foi, também, o lugar onde morou nas ruas quando faltou dinheiro para pagar o aluguel. E onde, anos atrás, Helcio foi hostilizado por um policial, que o mandou sair de uma praça porque ele “não queria viado ali”.

Preconceito e violência

Por essas e outras, o baiano não romantiza a relação com São Paulo. Sabe bem que, assim como em outros lugares do país, sua cidade atual também tem casos de preconceito e violência  – segundo o Instituto Pólis, mais de mil vítimas de homofobia e transfobia foram atendidas nos equipamentos públicos de saúde paulistanos entre 2015 e 2022.

Ainda assim, Helcio diz que não trocaria São Paulo por nenhuma outra cidade. Porque, para ele, a cidade são as pessoas que vivem nela  – e, nesse quesito, São Paulo transborda acolhimento. “Eu estive em ‘situação de calçada’ quando cheguei e quem me acolheu foram pessoas que moravam em São Paulo e foram acolhidas muito antes de mim.”

Helcio Beuclair, ativista LGBT, caminha pelo Largo do Arouche - Metrópoles
Helcio Beuclair, ativista LGBT, caminha pelo Largo do Arouche

Hoje, ele retribui esse acolhimento por meio do Coletivo Arouchianos. Cofundado por Helcio em 2016, o projeto entrega cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade, faz palestras sobre a importância do respeito à diversidade e reivindica mais políticas públicas para a comunidade LGBTQIAPN+.

O nome do coletivo é uma referência ao Largo do Arouche, local de ocupação histórica da população LGBT na cidade. Um dos principais objetivos do grupo é que o bairro seja reconhecido pelos órgãos de patrimônio como um bairro LGBT.

“Ilha de esperança”

Foi ali, nos bancos do Arouche, que Helcio aprendeu sobre a militância de gays, lésbicas e travestis pelos direitos da comunidade LGBT. “Exatamente por ter essa diversidade cultural, política, artística, econômica, São Paulo é uma terra fértil para que a gente consiga executar essas lutas”, diz ele.

“Tem muitas dores [em São Paulo], mas eu acho que, quando a gente põe na balança, poder ser quem sou, amar quem eu quero, viver como eu quero, as dores se tornam pequenas. São Paulo é uma ilha de esperança, uma das maiores e mais estruturadas, no país que persegue e mata LGBTs.”

A história de Helcio Beuclair integra a série comemorativa do aniversário de 471 anos de São Paulo. Confira todas as reportagens da edição especial:

  • São Paulo 471 anos: histórias da cidade mostram que existe amor em SP
  • “Existe muito amor na cidade, sim”, diz Criolo no aniversário de SP
  • Cartomante tira a sorte de SP e garante: “Tem amor, sim”
  • Do hall do prédio ao Farol: casais contam como se apaixonaram em SP
  • Artista baiano espalha amor em forma de lambe-lambe pelas ruas de SP

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