Quando o aquecimento de 1,5 °C do planeta deixa sua cidade até 7 °C mais quente

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A tempestade bizarra que caiu em São Paulo na sexta-feira passada (24), um dia antes do aniversário da cidade, inundando estação de metrô, desabando teto de shopping e alagando ponto turístico –, evento que inaugurou o sistema de alerta da Defesa Civil – serviu como aquela lembrança incômoda de que a mudança do clima veio para ficar e ninguém está a salvo enquanto as cidades não se prepararem e se adaptarem para o pior. 

Um pior, aliás, que já parece se repetir mês a mês, para onde quer que a gente olhe. É essa a mensagem que passa também uma nota técnica recém-lançada por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que resume o estado do clima no Brasil no ano passado, o mais quente do registro histórico. O relatório, obtido com exclusividade pela coluna, mostra que os impactos sentidos no país em decorrência de o planeta ter ultrapassado, em média, 1,5 °C de aquecimento em 2024 se estenderam por todo o território, em diversos formatos e áreas.

Não foi outro dia que estávamos quase todos em São Paulo sem luz. E depois de novo, e de novo? Em 12 de outubro, uma tempestade, com ventos acima de 107 km/h, deixou 11 mortos, fechou os dois principais aeroportos da cidade e causou um apagão que deixou 2,1 milhões de pessoas sem energia na região metropolitana. No dia 23 de outubro, nova tempestade com ventos fortes deixou 72 mil pessoas sem energia elétrica. Entre 23 e 25 daquele mês, mais três pessoas morreram em decorrência desses eventos. Em 2 de novembro, 70 mil ficaram sem energia, descreve a nota técnica.

Cortesias de um planeta mais quente.

É normal ouvir gente questionando para que tanta preocupação com uma elevação aparentemente tão pequena do termômetro. A nota técnica do Cemaden deixa bem claro o que isso significa. Para ficar só no quesito temperatura, o aquecimento de 1,5 °C da Terra significou ondas de calor que trouxeram temperaturas de 7 °C acima do normal em cidades como Belo Horizonte e Brasília, de 6 °C em Manaus (imagina um lugar quente ficando muito mais quente). No dia 23 de setembro, Cuiabá registrou 43,1 °C.

Os impactos foram muito além do calorão. O ano, que ficou mais marcado pela tragédia das inundações no Rio Grande do Sul e pelas queimadas e seca que atingiram a Amazônia e o Pantanal, teve desastres e alterações do começo ao fim, de um extremo ao outro, como prega o manual do aquecimento global.

Teve ondas de calor em série – mas também algumas de frio (apesar de o inverno ter sido o segundo mais quente desde 1961); teve enchentes, deslizamentos de terra e secas de norte a sul, de leste a oeste; rios chegando ao menor nível dos registros históricos; prejuízos que vão da perda agrícola à de infraestrutura, ao transporte que encareceu, ao abalo no abastecimento de energia (que também ficou mais caro), a escolas fechadas, com impacto direto na educação e na saúde mental. E, claro, perda de vidas.

A Amazônia, fortemente impactada pelas secas e queimadas no segundo semestre, viu, entre fevereiro e março, o Acre sofrendo com chuvas intensas e inundações. O rio Branco chegou a 17,89 metros no dia 6 de março, o segundo nível mais alto desde que os registros começaram, em 1971. Chuvas fortes afetaram também o Espírito Santo e o Rio de Janeiro.

Houve recorde de alertas de desastres emitidos pelo Cemaden: 3.620. O número alto se justifica, em parte, pela inclusão de 95 novos municípios que passaram a ser monitorados pelo Cemaden, mas, de acordo com a nota técnica, “o principal fator que contribuiu para esse crescimento foi a intensificação dos eventos extremos de chuvas, particularmente nos meses de janeiro a março e de outubro a dezembro”. 

Fora desses períodos, que correspondem à estação chuvosa no Sudeste e Sul do país, se destacam, claro, os meses de abril e maio, quando ocorreu o desastre do Rio Grande do Sul, que, sob todos os ângulos, foi a maior tragédia do país no ano passado. É onde ocorreu a maior parte das mortes e dos danos e prejuízos do ano passado.

De acordo com a nota do Cemaden, cerca de 1 milhão de pessoas foram diretamente afetadas por todos os eventos extremos que ocorreram no Brasil no ano passado – 83% delas, porém, estavam no Rio Grande do Sul: 183 morreram, 27 ainda estão desaparecidas, mais de 18 mil foram feridas, mais de 121 mil, desabrigadas e mais de 834 mil, desalojadas. 

Os danos materiais, como perda de casas e destruição de infraestrutura, tiveram custo estimado em R$ 11 bilhões no estado. Os prejuízos econômicos, porém, que incluem custos públicos (à saúde pública, abastecimento de água, energia e limpeza urbana) e privados (à agricultura, pecuária, indústria, comércio e serviços, por exemplo), foram de cerca de R$ 9,6 bilhões no estado – números que, alerta o próprio Cemaden, podem estar subestimados porque foram informados pelos municípios gaúchos nos estágios iniciais dos eventos.

A nota cita um levantamento posterior, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que estimou os prejuízos no RS de mais de R$ 13 bilhões.

Apesar de os eventos de chuva trazerem, em geral, prejuízos muito marcantes, chama atenção no documento que o país tem ficado, na verdade, cada vez mais seco, como mostra o gráfico abaixo. 

“A partir da década de 1990, as condições de seca se tornaram mais frequentes e severas, culminando em um período mais crítico nos últimos anos. A seca mais intensa aparece em 2024”, informam os pesquisadores. 

O reflexo disso foram as queimadas sem precedentes. Outro levantamento, divulgado pelo MapBiomas na semana passada, mostrou que mais de 30,8 milhões de hectares, a maior parte deles de florestas, foram queimados no Brasil no ano passado – uma área maior que a Itália e 79% superior à área queimada em 2023. O CNM estimou também os prejuízos da seca: mais de R$ 1 bilhão somente nos primeiros sete meses de 2024. Entre 2013 e 2023, as perdas haviam sido de cerca de R$ 2,2 bilhões na região Norte.

São números e dados que se acumulam, nos provando, sem descanso, que estamos rumando para um cenário muito difícil de existência. Seja onde a gente estiver. E, como bem diz um meme que se espalha nas redes sociais em momentos como o de sexta-feira passada, a culpa não é da chuva, não é da seca. É de governante que não está agindo, para ontem, para nos proteger, seja reduzindo emissões de gases de efeito estufa, seja adaptando nossas cidades.

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