À margem equatorial (por Marcos Magalhães)

Vista de Macapá, onde estará nesta quarta-feira o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a foz do Amazonas parece um oceano de possibilidades. No resto do país, políticos da direita nacionalista à esquerda tradicional rimam Margem Equatorial com soberania nacional. Mas como explorar petróleo sem deixar à margem as pessoas e a natureza?

Lula deve reiterar nessa viagem sua posição favorável à pesquisa das prováveis jazidas de óleo e gás a 400 quilômetros da costa do Amapá. Se a Guiana, bem ali perto, já começa a enriquecer com suas descobertas, acredita o presidente, por que não tentar por aqui?

Assim como ele, políticos de diversos matizes acreditam estar diante de uma grande fonte de riqueza, capaz de colocar o Amapá no mapa da economia e de garantir ao Brasil mais algumas décadas de abundância de petróleo.

Se o consenso é tão amplo, por que então haveria resistência? Até agora os argumentos contrários têm sido recebidos como frutos do excesso de zelo. Afinal, a Petrobras tem décadas de experiência segura de extração de óleo em alto mar.

Tem mesmo. Poucas empresas no mundo são tão capazes como a Petrobras de atuar em águas profundas, por exemplo. Mas alguns importantes elementos, ambientais e sociais, precisam entrar nessa conta.

A grande distância entre a costa e as prováveis jazidas tem sido indicada como atenuante para o caso de um vazamento de óleo. Além disso, as correntes marinhas poderiam levar o óleo vazado para alto mar – e não para os manguezais da costa do Amapá, rico berço da biodiversidade local.

Mesmo que os argumentos estejam corretos, porém, será preciso criar uma ampla infraestrutura local para lidar com possíveis vazamentos. Como as distâncias são grandes e os territórios pouco povoados, a tarefa não será trivial.

Dentro de nove meses, a 340 quilômetros dali o Brasil receberá a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Cop-30), em Belém. Se até lá já tiver sido concedida a licença de pesquisa, o país pode se preparar para receber cobranças.

Como é, poderão argumentar, que o Brasil quer se apresentar ao mundo como líder ambiental e vai permitir a exploração de petróleo na foz do Amazonas?

Ou ainda: se o Brasil se orgulha de sua energia limpa, não seria uma contradição apostar em combustíveis fósseis que aquecem o planeta como nunca? Não seria melhor investir em energias renováveis, cuja pegada de carbono é muito mais reduzida?

Pois é, da direita à esquerda as respostas poderão ser duas. A primeira seria baseada no nacionalismo. O Brasil é um país soberano e não pode abrir mão de uma riqueza tão grande como parecem ser as jazidas amazônicas de petróleo.

A segunda resposta apostaria na palavra hipocrisia. Como é que países ricos, muitos deles produtores de petróleo ou grandes emissores de carbono, podem ditar regras a um país em desenvolvimento, como o Brasil?

O debate não vai ser muito pacífico. Com o inconveniente de coincidir com o momento em que o país será o anfitrião de uma conferência destinada exatamente a debater os perigos da mudança climática.

Ainda que a autorização saia logo, porém, a pesquisa leva tempo. A produção futura de petróleo, por sua vez, pode começar mesmo apenas dentro de quatro a cinco anos.

Se o Brasil ganha tempo nesse debate com a comunidade internacional, por outro lado também terá o período suficiente para se preparar para a futura exploração.

É pouco provável, diante do quase consenso no meio político favorável à utilização dos recursos da Margem Equatorial, que o governo desista de buscar esse petróleo.

Se for mesmo assim, as autoridades federais não poderão fazer menos do que montar um ambicioso programa de proteção do meio ambiente e das pessoas que vivem na região.

A montagem de infraestrutura de apoio para reduzir os efeitos de possíveis vazamentos seria apenas o primeiro passo. Os futuros royalties da exploração petrolífera precisam ser usados em detalhados projetos socioambientais.

Nos anos 1970 e 1980, a Amazônia recebeu grandes iniciativas, como o Projeto Jari, a hidrelétrica de Tucuruí e o Projeto Carajás. Todos grandes programas econômicos com pequenas preocupações locais.

Ao lado do Jari, por exemplo, floresceram atividades como a prostituição. Do lado de fora das cercas do Projeto Ferro Carajás não se viam sinais da riqueza dos minérios.

Para levar a energia de Tucuruí a usinas de alumínio no norte do Pará, aplicaram-se agentes químicos semelhantes aos usados no Vietnam, para abrir espaço às torres de transmissão.

Antes mesmo de começar a extrair petróleo, seria aconselhável apostar na formação de mão-de-obra local, para que a população do Amapá não seja apenas espectadora do processo. Educação profissional antecipada.

Quando os royalties começarem a chegar, eles poderiam ser parcialmente aplicados em iniciativas de apoio à economia verde e de proteção dos parques da região, além da instalação de projetos da energia solar por toda a Amazônia, para aposentar os velhos geradores a diesel.

Também poderia haver estímulo a um programa, já em andamento, de instalação de fibras óticas sob os grandes rios da região, para levar internet barata às populações ribeirinhas – abrindo a possibilidade, inclusive, de uso da telemedicina.

Falar em soberania nacional tem seu charme. Mas é bom lembrar que a Amazônia é um bioma ameaçado, onde vive muita gente pobre, sem acesso a bons serviços de saúde e educação, por exemplo.

Explorar petróleo na região traz riscos e controvérsias. Especialmente em tempos de desastres climáticos. Porém, se o Brasil vier a se preparar para esse momento, terá pela frente uma rara oportunidade de trazer a Amazônia para o século 21.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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