Prisões da Polícia Federal por corrupção despencam quase 80% em 6 anos

São Paulo — As prisões por corrupção realizadas pela Polícia Federal despencaram 78% em seis anos, de acordo com dados da própria corporação obtidos pelo Metrópoles. Os mandados de prisão expedidos pela Justiça e cumpridos pela PF passaram de 607, em 2019, para apenas 136 no ano passado.

Após o desmantelamento da Operação Lava Jato e a reação por parte da classe política e do Judiciário, revisando procedimentos criminais, as prisões vêm vivendo declínio no Brasil. A recente série histórica mostra que as detenções registradas pela Coordenadoria de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da PF caíram pela metade logo em 2020, chegando a 350.

No período informado, o menor número de prisões aconteceu em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), com 94 casos de detenções preventivas e temporárias por corrupção e crimes similares. Se fossem considerados apenas os dois primeiros anos de cada gestão, porém, a administração do ex-presidente chegaria a 957, contra apenas 281 no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Especialistas consultados pelo Metrópoles e a própria PF atribuem a queda do número de encarceramento em casos de corrupção a limitações nas regras para as prisões ocorridas desde 2020. Naquele ano, por exemplo, apenas a Operação S.O.S prendeu 73 pessoas em uma ação de combate a desvios de recursos da saúde no Pará.

Hoje, esse cenário dificilmente se repetiria. A mais ruidosa operação contra a classe política do ano passado, a Overclean, prendeu 16 pessoas, segundo dados obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A ação investiga empresários e políticos ligados ao União Brasil — no caso, um dos presos é Marcos Moura, empresário conhecido como o Rei do Lixo.

Agora, a investigação tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Kassio Nunes Marques, porque foram identificados indícios contra o deputado Elmar Nascimento (União-BA).

Em contrapartida, as prisões por tráfico de drogas subiram na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor). Em 2019, foram 836 suspeitos de tráfico presos, contra 1.572 no ano passado, alta de 88%.


Histórico de prisões da PF por corrupção:

2024 — 136

2023 — 145

2022 — 94

2021 — 244

2020 — 350

2019 — 607


Efeito STF

Ao Metrópoles, a Dicor, chefiada pelo delegado Ricardo Saadi, afirmou que precedentes do STF restringiram as situações nas quais podem se decretadas prisões preventivas ou temporárias e que a corporação têm aumentado pedidos por medidas alternativas ao encarceramento provisório, como afastamento de cargo, proibição de sair do país e de falar com outros investigados e testemunhas.

O precedente citado pela PF diz respeito a duas ações movidas por partidos políticos. Uma delas envolveu uma parceria inusitada. Do PTB de Roberto Jefferson, ex-deputado que viria a ser preso em meio a um tiroteio contra agentes da própria PF e condenado a 9 anos de prisão por atos antidemocráticos, com o Grupo Tortura Nunca Mais, composto por ex-presos da ditadura militar.

A ação foi movida ainda em 2008, quando Jefferson já era o pivô do esquema do Mensalão. O Tortura Nunca mais entrou no processo como amicus curiae — do latim, amigo da causa. O caso foi julgado somente em 2022.

Naquele ano, o STF definiu que, para decretar uma prisão temporária, a Justiça precisa reconhecer que todos os requisitos para embasar a medida previstos no Código de Processo Penal precisam ter sido demonstrados pelas polícias e o Ministério Público em seu pedido. Antes, bastava que parte desses requisitos fossem apontados. Segundo a decisão, é preciso que o suspeito esteja cometendo o crime continuamente durante a investigação, que o delito seja violento ou que envolva grave ameaça, e que o crime investigado seja grave.

A diretoria da Polícia Federal também mencionou que mudanças no Código Penal aprovadas pelo Congresso Nacional em 2021, quando parlamentares desidrataram o pacote anticrime enviado pelo então ministro da Justiça e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e aprovaram uma série de medidas que favorecem investigados.

A PF reforça que não contesta os precedentes e as mudanças na legislação, mas passou a respeitar esses normativos deixando de pedir prisões em casos que antes dariam ensejo ao encarceramento.

Já delegados que atuam no combate à corrupção e já passaram pela cúpula da PF afirmam que esses precedentes do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm provocado um clima de insegurança para pedir prisões preventivas ou temporários de suspeitos.

Eles afirmam que a mudança constante de regras criou uma espécie de autocensura tanto em delegados quanto em magistrados para autorizar medidas mais duras contra investigados, mesmo em casos nos quais, segundo eles, essas medidas seriam necessárias.

A PF afirma que sua produtividade é melhor medida por meio da análise de indiciamentos, que são os relatórios finais de investigações que atribuem crimes a investigados e, portanto, concluem inquéritos.

Os números mostram que os indiciamentos na Coordenadoria de Combate à Corrupção aumentaram de 1.108, em 2019, para 4.256, em 2024, uma variação de 284%.

Quanto às medidas alternativas à prisão, a PF afirma que 189 investigados foram afastados de funções públicas e 55 alvos de operações foram proibidos de manter contatos com outros averiguados. A PF afirma que tem focado também o bloqueio de bens e de outros ativos para asfixiar células financeiras de organizações criminosas.

Esvaziamento

Delegados experimentados em grandes operações de combate à corrupção relataram ao Metrópoles que essa área tem sido esvaziada ao longo dos últimos anos. Na sede da PF, em Brasília, essa competência fica a cargo do Diretoria de Combate ao Crime Organizado (Dicor).

Os crimes atribuídos a quem tem foro perante os Tribunais Superiores — STF e STJ — são centralizados no Serviço de Inquéritos (Sinq). Delegados relatam que o setor encolheu significativamente desde o período das grandes investigações com base em delações como a da Odebrecht e da JBS.

A Dicor afirma que o número de inquéritos de competência do Sinq, aqueles referentes a autoridades com foro privilegiado, tem caído não apenas porque não há mais delações com número de citados semelhante àqueles da empreiteira baiana, mas porque o STF tem restringido ao longo dos últimos anos casos de foro privilegiado, o que deu ensejo ao envio de inquéritos para outras instâncias.

Os delegados ouvidos pela reportagem também mencionam que a PF tem sido fortemente consumida por operações deflagradas por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, como a que mirou os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Segundo essas mesmas fontes internas, a PF priorizou no atual governo Lula criar novas diretorias, como a relacionada a crimes na Amazônia e de cibercrimes, destacando delegados e agentes para esses setores. Mesmo assim, a PF afirma que não há falta de efetivo na área de corrupção da Dicor.

Ao Metrópoles, o criminalista Pierpaolo Bottini afirma que a entrada em vigor do pacote anticrime, em 2020, durante o governo Bolsonaro, impôs regras que influenciaram a queda das prisões por corrupção. “O pacote anticrime proibiu prisão preventiva baseada apenas em delação premiada. Depois, deixou mais claro que, para prender preventivamente alguém, não se pode usar uma decisão genérica”, diz afirma.

O advogado defende que a queda das prisões não necessariamente tem a ver com a diminuição do combate à corrupção. “Acho que não se deve olhar para o número de medidas cautelares, mas sim para o número de sentenças condenatórias. Porque a prisão preventiva, no fundo, não tem nada a ver com o crime cometido, mas sim com a possibilidade de destruição de provas”.

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