Quanto mais próximo a lupa em Memórias Póstumas de Brás Cubas, mais encontro um universo dentro de outro universo


Quanto mais terei disposição para fazer novas descobertas na obra clássica Memórias
póstumas de Brás Cubas do nosso maior escritor brasileiro, Machado de Assis? Não tenho dúvidas que se eu ler mais uma vez, outras possibilidades e mistérios que só o “Bruxo do Cosme Velho” poderia ter produzido. E nem estou falando de Dom Casmurro, outra obra clássica que Machado nos atormenta até os dias atuais com a velha dúvida: “Capitu traiu ou não traiu”? Penso que quem nos traiu foi o próprio Machado, por nos deixar se digladiando até hoje sobre se Capitu traiu ou não e deixando aberto a muitas
interpretações. Mas vamos ao Memórias Póstumas.

O autor escreveu a obra no contexto da escravidão no Brasil Império. Então é recorrente e naturalizado algumas narrativas de Brás Cubas como quando ele fala de um conhecido seu que palestrava com “as escravas que batiam roupa onde se contava muitas anedotas, ditos, perguntas e um estalar de risadas, que ninguém podia ouvir, porque o lavadouro ficava muito longe de casa.

As pretas com uma tanga no ventre, a arregaçar lhes um palmo dos vestidos, umas dentro do tanque, outras fora inclinada sobre as peças de roupa, a batê-las, a ensaboá-las, a torcêlas, iam ouvindo e redarguindo”. Aqui além de falar das escravas domésticas, também revela uma necessidade que se estendeu até meados dos anos 80 aqui na nossa região oeste de Santa Catarina, quando as mulheres desciam com uma trouxa de roupa para lavar nas pedras na margem do rio. Lá batiam a roupa nas pedras e falavam sobre a vida de toda a vizinhança, ou seja, falavam sobre o mundo.

Me veio a interrogação de que será que a mulher do tempo presente vai lavar roupa junto com outras e fica falando sobre a vida de todo mundo e também reflete sobre o mundo atual? A resposta é não, obviamente, pois mesmo com uma tecnologia das máquinas de lavar, a mulher não tem esse tempo para refletir sobre o mundo. Ela programa a máquina e sai correndo fazer outras tarefas necessárias do mundo atual. O livro traz a possibilidade de sentir um pouco da atmosfera do período da escravidão a partir das revelações daquilo que Machado estava vendo ao seu redor.

E convenhamos, nada melhor que entrar na cabeça de uma pessoa que viveu
num século passado. É como olhar pelos olhos de quem viveu aquele tempo. É pensar a partir do que o autor do livro pensou. Nas memórias que são narradas por Brás Cubas encontramos sobre o tráfico negreiro, que era legal na época. Então talvez aqui seja possível revelar um pouco do que Machado de Assis pensava sobre a escravidão.

Na verdade, como qualquer outra pessoa, ele estava na sua narrativa utilizando os conceitos do seu tempo, ou seja, da naturalização da escravidão que era defendida fervorosamente pelas elites escravagistas e pelo governo imperial. Machado vivia numa atmosfera das altas rodas, pois era um intelectual que percorria entre a aristocracia.

Ele escrevia utilizando os conceitos aceitos legalmente nas relações sociais das elites intelectuais do Rio de Janeiro na época. Outra percepção que temos do período da escravidão no Brasil é quando Braz Cubas com ares de saudosismo ao voltar a sua cidade natal, constata uma sensação nova, não o efeito de sua pátria política, mas sim “do lugar da infância, a rua, a torre, o chafariz da esquina, o preto do ganho”. Os pretos ou escravos de ganho, no contexto do Brasil colonial e do Império, eram escravos obrigados por seus senhores a realizar algum tipo de trabalho nas ruas, levando para casa, ao fim do dia, uma soma de dinheiro previamente estipulada.

Mas se o defundo ao narrar suas memórias nos revela características da época, a morte não deixa de ser um tema que ele aborda com efervescência. Deixa a entender que falar da morte era entrar no campo do mistério, situação que persiste nos dias atuais. Machado usa seu personagem para falar como é libertador ser um defunto. Brás Cubas diz que “a franqueza é a primeira virtude de um defunto”. E mais, que na vida somos obrigados a se calar e vivemos sob o olhar da opinião dos outros e os contrastes de interesses de modo que vivemos a disfarçar nossas feridas e nossas dores.

Se isso não bastasse somos obrigados a impedir que nossos pensamentos conscientes se estendam ao mundo e sejam revelados. Talvez aqui possamos tirar mais uma lição de Machado de Assis: a lição de que vivemos e enxergamos a aparência e não a essência. Na morte isso não acontece, segundo Brás Cubas. Na morte há uma grande
diferença. Há desabafo, há liberdade de maneira que podemos “sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos, não há plateia”. Brás Cubas nos ensina que na morte não existe mais o olhar atento da opinião que nos pesa em vida.

Talvez até mesmo o olhar da reprovação ou da coerção. Ou como ele mesmo diz não há mais o “olhar agudo e judicial” que perde a virtude quando chegamos as cercanias da morte. Então, caro leitor/a, quando você ler Memórias Póstumas, vai mergulhar na cabeça de um ser que viveu e escreveu sobre outro tempo, que falou sobre a morte e a vida. Não deixe de mergulhar por este mistério. É libertador ler, escrever e falar sobre vida e morte. O livro que li para esta interpretação é o da edição comemorativa de 140 anos anotada e comentada.

Um abraço e obrigado pela paciência de ler minha análise sobre o clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas do brasileiro Machado de Assis. Até breve!

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