Fortalecer a fiscalização é forma eficaz de coibir o crime organizado

O mercado ilícito no Brasil, impulsionado pelo crime organizado, movimenta cerca de R$ 146,8 bilhões anualmente. O montante faturado com a comercialização ilegal de produtos como combustíveis e lubrificantes, bebidas, ouro e tabaco equivale a mais de três vezes o orçamento anual do Ministério da Educação (MEC), segundo dados estimados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

As informações estão no estudo intitulado Follow the products – rastreamento de produtos e enfrentamento ao crime organizado no Brasil. A publicação aponta os impactos nos setores econômicos em relação às práticas associadas ao contrabando, falsificação, adulteração, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro de organizações criminosas.

Para debater sobre o assunto e levantar possíveis soluções para essa problemática que tem crescido nos últimos anos no país, o portal Metrópoles promoveu, nessa quarta-feira (12/2), o talk Economia e Criminalidade: desafios para o crescimento do Brasil.

O evento ocorreu no mezanino da Torre de TV, em Brasília (DF), e contou com a presença de especialistas no assunto e autoridades de fiscalização e segurança pública. A conversa, também transmitida ao vivo pelo YouTube, foi mediada pelo jornalista Deivid Souza, além da apresentação de Vanessa Oliveira. 

Na ocasião, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes reforçou o impacto do crime organizado na economia de países latino-americanos, além de destacar a importância de políticas integradas para combater essa prática no território nacional.

Fotografia colorida mostrando o ministro Gilmar Mendes-Metrópoles

“Dados publicados recentemente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em 2024 dizem que o impacto econômico direto da criminalidade representa 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) atualmente na América Latina. O equivalente a 80% dos orçamentos públicos da educação e o dobro de gastos da assistência social.”

Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal

Para o magistrado, o enfrentamento eficaz do crime organizado depende fundamentalmente da capacidade de identificação e desarticulação das estruturas econômicas dessas organizações. Para isso, é necessário ter uma atuação unificada e intergovernamental.

Gilmar ainda apontou a relevância da atuação do Supremo Tribunal Federal como uma instância articuladora de soluções estruturantes para o combate ao crime organizado. E acredita que o país tem capacidade para enfrentar e acabar com esse sistema que movimenta o mercado ilegal. 

Combate à criminalidade 

Para Mário Luiz Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública, só há uma saída para o enfrentamento eficaz da criminalidade organizada: é um Estado absolutamente organizado. Sarrubbo citou a PEC da Segurança Pública, apresentada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, como um caminho para esse trabalho articulado. 

Sarrubbo ainda apontou outros trabalhos desenvolvidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública e que seguem nessa linha de integração de forças, como a Renocrim – Rede Nacional de Combate às Organizações Criminosas – e a Rede Recupera, que trabalha na desestruturação econômica desses grupos ilegais. 

Para ele, um dos grandes problemas enfrentados no país está no combate à prática de lavagem de dinheiro que integra vários setores da economia, como o setor de combustíveis, responsáveis pela maior arrecadação para as organizações criminosas. 

Conforme o estudo publicado pelo FBSP, o mercado ilegal de combustíveis movimenta cerca de 13 bilhões de litros por ano no Brasil. Representando 8,7% do mercado total, ou seja, o equivalente a três semanas de abastecimento para mais de 500 milhões de carros. 

Atuação da segurança pública 

De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Instituto Atlas e Bloomberg, o setor da Segurança Pública é uma das grandes preocupações da população, apontado por 57,8% dos entrevistados. Diante desse cenário, fica evidente a importância de uma atuação assertiva para o combate à criminalidade. 

O dado foi abordado pelo Secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar. O secretário reforçou ainda a atenção no combate ao tráfico de drogas e armas nas fronteiras, além de desenvolver ações para coibir a criminalidade ambiental e a lavagem de dinheiro.

Representante da força de Segurança Pública do Distrito Federal, Sandro Avelar destacou os avanços nesse setor na capital federal. “Em 2012, Brasília estava entre as 50 cidades mais violentas do mundo. O índice de homicídios a cada 100 mil habitantes estava em 31, bem acima da média do Brasil que era de 27”, apontou. “Com a criação das áreas integradas de segurança pública, esse número caiu para 6,9 em 2024.”

Crime Organizado e Desafios Econômicos

Para um debate mais aprofundado sobre a atuação do Estado em relação ao crime organizado e a influência econômica, o evento ainda contou com a presença do Rodolpho Ramazzini, diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação; Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal; e Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Rodolpho Ramazzini, diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação; Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal; e o jornalista Deivid Souza

Durante a conversa, Emerson Kapaz ressaltou a dificuldade do enfrentamento ao crime organizado, principalmente no setor de combustíveis. “São 80 facções criminosas no Brasil, duas delas, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho (CV) ao nível nacional.  E nós estamos cada vez mais reféns desse poder.” 

Problemática que está apresentada no estudo do FBSP, mencionando o mercado ilegal de combustíveis como um dos mecanismos que utilizam da adulteração, fraudes fiscais e empresas de fachada para ampliar fontes de receita e promover a lavagem de dinheiro. 

De acordo com Kapaz, essas organizações criminosas são ágeis e têm conseguido driblar os mecanismos de fiscalização do governo. Para ele, a parceria público-privada é fundamental.

Para além dos combustíveis, o mercado ilegal tem avançado em praticamente todo o setor produtivo. E a dificuldade de fiscalização é um dos grandes desafios para a retomada do poder econômico. 

“No último ano, nós perdemos quase meio trilhão de reais com contrabando, falsificação e sonegação fiscal no mercado de produtos. E grande parte disso está no crime organizado.”

Rodolpho Ramazzini, diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação

De acordo com Rodolpho Ramazzini, uma das alternativas para combater essa prática é utilizar uma tecnologia capaz de identificar a produção legal no país, rastreando o que é produzido e diferenciando do que é ilegal. 

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima ponderou ainda sobre o impacto dos grupos organizados nos crimes cibernéticos. 

“O Brasil passa por uma mudança muito sensível. Estamos vendo os crimes de violência de rua caindo, e crescendo os crimes virtuais e os golpes”, ressaltou.

“Por exemplo, o crime pode acontecer aqui em Brasília, mas o criminoso pode estar em qualquer lugar do país. O que dificulta a investigação. E para lidar com isso, precisamos mudar o tipo de investigação feita atualmente”, defendeu. 

A título de comparação, o estudo do FBSP traz um comparativo da receita das organizações criminosas com os crimes patrimoniais físicos e virtuais.

Se a partir de 2022 a receita estimada anual nos mercados de combustíveis, bebidas, cigarros e ouro chegou a aproximadamente R$ 146,8 bilhões, os crimes virtuais e os furtos de celulares geraram uma receita ainda maior, de R$ 186 bilhões para o crime, de julho de 2023 a julho de 2024 (FBSP e Instituto DataFolha, 2024).

Da rota do dinheiro à rota do produto

O Talk ainda trouxe para debate algumas estratégias para driblar o crime organizado por órgãos de fiscalização.

Como, por exemplo, a criação de um selo especial produzido pelo Inmetro, em parceria com a Casa da Moeda, que permite à população identificar se o produto é confiável ou não.

Essa medida foi apresentada pelo presidente do Inmetro, Márcio André Brito, em resposta ao crescente número de falsificação do selo já existente. De acordo com Brito, o projeto-piloto, que será lançado ainda no primeiro semestre deste ano, engloba três produtos: cilindro de gás, capacete e extintores.

“A população vai fazer a foto do selo e vai conversar com um atendente virtual. Dessa forma, é possível identificar se o produto é falsificado ou não”, antecipou o presidente do Inmetro. 

Para o setor de bebidas, o professor de Economia e Administração da Universidade de São Paulo José Roberto Savoia sugeriu a reativação do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) como uma solução eficiente para coibir o comércio ilegal. 

Implementado pela Receita Federal em 2008, o Sicobe rastreava em tempo real a produção de bebidas, reduzindo sonegação e contrabando, e gerando um aumento de 40% na arrecadação do setor. No primeiro ano de operação, foram R$ 4,5 bilhões adicionados aos cofres públicos. 

O sistema consolidou o Brasil como o terceiro maior produtor mundial de bebidas, fortalecendo a economia e mitigando riscos à saúde pública associados ao consumo de produtos do mercado ilícito.

Desde a desativação em 2016, fraudes e sonegação dispararam, gerando perdas fiscais de R$ 78 bilhões entre 2016 e 2022.

“Nós identificamos que o Sicobe produziu uma clareza sobre a produção e insumos no Brasil. E com a reativação, pode gerar uma recuperação de receita em R$ 15 bilhões”, pontuou Savoia.

Ex-delegado da Polícia Federal e ex-coordenador da Interpol no Brasil, Jorge Pontes comentou sobre o círculo vicioso que retroalimenta a cadeia do crime organizado.

“O crime organizado é atraído pelo mercado com baixa regulamentação. Ele vem em um ciclo, o primeiro é a sonegação, depois vem a pirataria e falsificação, seguido pelo contrabando e lavagem de dinheiro”, detalhou Pontes. 

Para ele, a falta de rastreabilidade desses produtos é um dos principais pontos que favorecem a prática criminosa. Pontes ainda alerta para a atuação desses grupos no meio político, na influência que eles têm na região onde atuam. 

Em consonância, ficou evidente a importância de uma estratégia mais elaborada e integrada para enfrentar essas organizações. Seja por leis e cooperação entre forças de segurança e agentes públicos-privados. 

Confira o talk Economia e Criminalidade: desafios para o crescimento do Brasilna íntegra abaixo: 

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