Homem que nunca fumou desabafa sobre câncer: “Confundiram com gripe”

A vida do analista de sistemas Mário de Souza, hoje com 66 anos, sempre foi associada ao cuidado com a saúde. Até 2019, o morador de Itu, em São Paulo, era campeão de tênis amador e praticava regularmente natação e mergulho.

Menos de três anos depois, porém, ele recebeu dos médicos o prognóstico de que não viveria mais de seis meses. Tudo por conta de um câncer de pulmão que silenciosamente se desenvolvia, mesmo sem ele nunca ter fumado na vida.

Os primeiros sintomas

Os sintomas do câncer começaram em meados de 2019. “Não sentia falta de ar, nem nada parecido. Mas, aos poucos, comecei a sentir uma espécie de caroço na garganta, uma coceira e pigarro que não passavam. Logo depois, comecei a tossir de forma persistente”, lembra.

Mário procurou médicos na tentativa de entender o que estava acontecendo com seu corpo, mas eles o tranquilizavam sem procurar mais detalhadamente as possíveis causas. “Eles diziam que era uma gripe, que eu deveria descansar”, conta.

Conforme os meses passaram, porém, os sintomas não desapareceram. Depois de muita insistência, os médicos fizeram exames de imagem no analista de sistemas. A tomografia revelou uma mancha no pulmão e Mário foi encaminhado com urgência para um pneumologista.

11 imagens

No fim do século 20, o câncer de pulmão se tornou uma das principais causas de morte evitáveis no mundo

O tabagismo é a principal causa. Cerca de 85% dos casos diagnosticados estão associados ao consumo de derivados de tabaco
A mortalidade entre fumantes é cerca de 15 vezes maior do que entre pessoas que nunca fumaram, enquanto entre ex-fumantes é cerca de quatro vezes maior
A exposição à poluição do ar, infecções pulmonares de repetição, doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema pulmonar e bronquite crônica), fatores genéticos e história familiar de câncer de pulmão também favorecem o desenvolvimento desse tipo de câncer
Outros fatores de risco são: exposição ocupacional a agentes químicos ou físicos, água potável contendo arsênico, altas doses de suplementos de betacaroteno em fumantes e ex-fumantes
1 de 11

O câncer de pulmão é o segundo mais comum em homens e mulheres no Brasil. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), cerca de 13% de todos os casos novos são nos órgãos

Getty Images

2 de 11

No fim do século 20, o câncer de pulmão se tornou uma das principais causas de morte evitáveis no mundo

Getty Images

3 de 11

O tabagismo é a principal causa. Cerca de 85% dos casos diagnosticados estão associados ao consumo de derivados de tabaco

Getty Images

4 de 11

A mortalidade entre fumantes é cerca de 15 vezes maior do que entre pessoas que nunca fumaram, enquanto entre ex-fumantes é cerca de quatro vezes maior

Getty Images

5 de 11

A exposição à poluição do ar, infecções pulmonares de repetição, doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema pulmonar e bronquite crônica), fatores genéticos e história familiar de câncer de pulmão também favorecem o desenvolvimento desse tipo de câncer

Getty Images

6 de 11

Outros fatores de risco são: exposição ocupacional a agentes químicos ou físicos, água potável contendo arsênico, altas doses de suplementos de betacaroteno em fumantes e ex-fumantes

Getty Images

7 de 11

Os sintomas geralmente não ocorrem até que o câncer esteja avançado. Porém, pessoas no estágio inicial da doença já podem apresentar tosse persistente, escarro com sangue, dor no peito, pneumonia recorrente, cansaço extremo, rouquidão persistente, piora da falta de ar, diminuição do apetite e dificuldade em engolir

Getty Images

8 de 11

O diagnóstico do câncer no pulmão é feito com a avaliação dos sinais e sintomas apresentados, o histórico de saúde familiar e o resultado de exames específicos, como a radiografia do tórax, tomografia computadorizada e biópsia do tecido pulmonar

Getty Images

9 de 11

Para aqueles com doença localizada no pulmão e nos linfonodos, o tratamento é feito com radioterapia e quimioterapia ao mesmo tempo

Getty Images

10 de 11

Em pacientes que apresentam metástases a distância, o tratamento é com quimioterapia ou, em casos selecionados, com medicação baseada em terapia-alvo

Getty Images

11 de 11

A cirurgia, quando possível, consiste na retirada do tumor com uma margem de segurança, além da remoção dos linfonodos próximos ao pulmão e localizados no mediastino. É o tratamento de escolha por proporcionar melhores resultados e controle da doença

Getty Images

O choque do diagnóstico

O especialista confirmou o que Mário temia: câncer nos dois pulmões, com metástase nos linfonodos. “Por isso dizem que o câncer de pulmão traz uma morte silenciosa. Eu sempre me cuidei, praticava esportes e não tinha histórico familiar de câncer. Como isso poderia estar acontecendo comigo?”, indaga.

O resultado da biópsia mostrou que ele tinha o câncer de pulmão de não pequenas células (CPNPC). Embora a doença seja muito associada ao tabagismo, cerca de 15% dos diagnósticos estão relacionados à genética do paciente, especialmente à mutação no gene RET, como era o caso de Mário.

Ele demorou a aceitar que a doença mostrasse tão poucos sinais já no estágio quatro, o mais avançado. A tosse leve e a sensação de pigarro seguiam como os únicos sintomas. O tumor, no entanto, era tão grande que não era possível realizar cirurgias ou fazer radioterapia com segurança.

As três primeiras linhas de tratamento

Em janeiro de 2021, Mário começou a fazer sessões de quimioterapia e continuou com a rotina de atividades. “Eu dirigia até São Paulo para o tratamento e, logo depois, ia jogar tênis. Não sentia sintomas fortes”, conta.

Mas em julho de 2021, exames mostraram que a quimioterapia já não surtia mais efeitos e ele passou para uma segunda linha de tratamento, ainda mais intensa, causando desgastes ao corpo. Até que, em janeiro de 2022, os medicamentos também pararam de demonstrar resultados.

“Nessa época, os efeitos da quimioterapia e da doença comprometiam muito meu estilo de vida. Já não praticava esportes e me sentia sempre muito cansado. Essa quimio me debilitou muito. Fui internado diversas vezes com acúmulos de líquido no pulmão e também com infecções nos rins e no pâncreas”, diz ele.

Assim, os médicos recorreram a uma nova quimioterapia semanal, a terceira linha de tratamento. Ela funcionou apenas até novembro de 2022. Foi quando o oncologista informou a Mário que as opções de tratamento estavam esgotadas.

“Estava tentando me preparar para a morte, então insisti para que meu médico me dissesse quanto tempo eu ainda tinha de vida. Ele estimou que eu não viveria mais do que seis meses”, lembra. A previsão era que Mário não passaria de agosto de 2023.

Uma nova esperança

Enquanto Mário lidava com o prognóstico assustador, o médico sugeriu uma última alternativa: que ele participasse dos testes de um novo medicamento, o selpercatinibe. Estudos inicias da farmacêutica Eli Lilly mostravam que o remédio funcionava bem com a mutação no gene RET.

Após o contato com o fabricante e com a Anvisa, Mário foi colocado no estudo. Ele conta que o efeito foi imediato. “Foi surpreendente. Em um mês, minha vida já era outra”. O tumor passou a apresentar sinais de estabilização, e o que parecia uma sentença de morte foi substituído por uma nova esperança.

“Comecei a viajar e fazer tudo o que sempre quis. Ir a Israel era um sonho que eu achei que nunca iria realizar. A primeira coisa que fiz, quando me senti um pouco melhor, foi ir para lá”, conta.

O tratamento não trouxe cura total, mas a qualidade de vida de Mário melhorou. “Ainda tenho limitações, mas hoje posso aproveitar o tempo que me foi dado”, afirma.

2 imagens

Assim que teve uma melhora em sua quarta linha de tratamento, Mário de Souza foi a Israel

1 de 2

Conhecer o país do Oriente Médio era sua viagem dos sonhos

Acervo pessoal

2 de 2

Assim que teve uma melhora em sua quarta linha de tratamento, Mário de Souza foi a Israel

Acervo pessoal

O câncer de pulmão

O câncer de pulmão é uma das principais causas de morte no mundo, e a maioria dos casos está associada ao tabagismo. Porém, Mário é um exemplo de que a doença pode atingir também pessoas que nunca fumaram.

“Existem outros fatores de risco que não incluem apenas o tabagismo. Ele está associado, por exemplo, à poluição do ar, histórico familiar e exposição a outros agentes cancerígenos, como o radônio”, explica o oncologista Guilherme Harada, coordenador da pesquisa clínica do Hospital Sírio-Libanês.

Em casos como o de Mário, em que o câncer é causado por uma mutação genética, tratamentos como o selpercatinibe têm se mostrado eficazes, pois atuam de forma direcionada. “Embora o câncer ainda seja uma doença agressiva, a medicina tem dado novas oportunidades de vida”, afirma Harada.

“Antes, os pacientes diagnosticados com câncer de pulmão em estágio avançado tinham uma sobrevida média de menos de um ano. Hoje, com terapias alvo e imunoterapia, pode ser superior a cinco anos”, conclui o oncologista. Uma consulta pública está aberta até 25 de fevereiro para incorporar, na rede privada de saúde, o selpercatinibe.

Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!

Adicionar aos favoritos o Link permanente.