Magreza e elite: historiadoras contestam declaração de Maya Massafera

A influenciadora digital Maya Massafera gerou polêmica nas redes sociais ao associar a magreza a um padrão estético ligado à elite, diferenciando-o da preferência de pessoas de classes mais baixas por corpos “mais cheinhos”. Em uma série de respostas a seguidores no último domingo (23/2), ela defendeu a magreza como um gosto pessoal e citou a modelo Kate Moss para reforçar essa visão.

Maya Massafera, magreza - metrópoles
Maya Massafera

Entenda a polêmica de Maya Massafera

  • Maya Massafera gerou controvérsia ao associar a magreza à elite, ignorando fatores históricos e culturais. A fala foi criticada por reforçar visões elitistas sobre padrões de beleza.
  • Especialistas explicam que os ideais corporais variam ao longo do tempo, não sendo exclusivos da elite. A magreza extrema, por exemplo, foi tendência nos anos 1990, enquanto nos 2000 corpos mais curvilíneos dominaram a moda.
  • A manutenção da magreza está ligada a privilégios, como acesso a tratamentos estéticos e dietas especializadas, enquanto classes mais baixas enfrentam limitações econômicas que dificultam esse padrão.

“Gente rica ou francesa, ou que entende muito de moda, é apaixonada por magreza. Eu não estou nada magra para eles ou para brasileiros da elite. Agora, gente mais simples vai me achar magra. É normal, gente, desde que história é história. Fiz faculdade na maior faculdade de moda do mundo [o Istituto Marangoni]”, disse Maya Massafera em uma publicação no Instagram no último domingo (23/2).

A declaração da influenciadora repercutiu amplamente na web, e rapidamente levantou discussões sobre padrões de beleza e exclusão social. Alguns internautas apontaram, inclusive, que esse discurso reforça uma visão elitista e sem fundamento, ignorando contextos históricos e culturais que influenciam a construção dos padrões corporais.

Para Paula Silva, mestre em história da moda, é um erro associar a magreza à riqueza: “Mudar a estética é um mecanismo de diferenciação social desde a corte de Luiz XIV na França. Contudo, associar magreza à riqueza é uma armadilha das imagens. Primeiro, porque essa estética logo muda. Afinal, pouco tempo atrás, curvas sensuais conquistadas com exercícios físicos e procedimentos estéticos baseados em adicionar volume em áreas específicas do corpo eram a tendência do momento.”

Maya Massafera, magreza - metrópoles
Maya Massafera tem 44 anos

 

Maya Massafera, magreza - metrópoles
É uma mulher transsexual

Analisando a década de 1990, a magreza extrema representava um período de crise econômica, por exemplo, com a supermodelo Kate Moss no auge da beleza heroin chic (heroína chique, em tradução livre), enquanto nos anos 2000, com a ascensão de Gisele Bündchen e das Angels da Victoria’s Secret, a moda passou a valorizar corpos mais curvilíneos e sarados.

Ou seja, mudam-se os padrões, mas a lógica continua: sempre haverá um novo código corporal para diferenciar grupos sociais. Porém, a magreza não é algo estritamente da elite. Como nos últimos anos, quando procedimentos estéticos para adicionar volume ao corpo se tornaram populares, principalmente com figuras como Kim Kardashian em alta. Bastou isso se democratizar entre as camadas mais baixas da sociedade para a magreza voltar a ser “o novo ideal“.

Kate Moss jovem na passarela
Kate Moss

 

Gisele Bündchen na passarela da Victoria's Secreta da
Gisele Bündchen

 

Kim Kardashian
A socialite Kim Kardashian

A professora, pesquisadora e historiadora de moda Maria Cláudia faz outra crítica, porém, ligada à generalização da influenciadora: “Maya tem uma fala que eu acho muito tendenciosa, soltar informações assim, sem localização de espaço e tempo. Essa magreza extrema se tornou moda no século 20, antes disso, não, de modo nenhum”.

“Se você reparar nas mulheres importantes do renascimento italiano, é possível perceber que algumas delas não são tão magras, mas como elas estão com o corpo todo coberto, a gente não tem como saber se ela tem uma dobrinha na barriga, mas provavelmente tem sim”, completa.

Ela ressalta ainda outro fator relevante: o impacto da indústria e da mídia na construção desses padrões. “Esses meios de divulgação da moda colaboram para uma distorção de imagem entre mulheres. E isso, na minha opinião, piorou muito a partir do século XX, na década de 1920, 1930 em específico, porque é um período que as revistas de moda, como Vogue, já estavam em circulação e trabalharam muito com ilustração de um corpo esguio. Quando você compara essas ilustrações usadas com a fotografia, por exemplo, você vê que as pessoas têm corpos diferentes. Na década de 1930, isso vai se acentuar ainda mais, pois a moda eram os vestidos colados”.

Além das questões estéticas, a relação entre classe social e magreza passa, ainda, por fatores econômicos. “Pessoas ricas têm acesso a tratamentos estéticos, treinadores pessoais e dietas especializadas, o que facilita a manutenção de um corpo magro. Já quem passa horas no transporte público e tem pouco tempo para preparar refeições saudáveis acaba recorrendo a alimentos ultraprocessados, que são mais baratos e práticos”, acrescenta a pesquisadora.

Vogue - metrópoles
Capa da Vogue de 1928

 

Vogue - metrópoles
Capa da Vogue de 1929

A magreza também tem sido vista nos tapetes vermelhos

Neste começo de ano, várias premiações celebraram os melhores atores e atrizes do cinema e da televisão, mas foi no tapete vermelho que a atenção de parte do público se concentrou, com a magreza de personalidades como Demi Moore e Ariana Grande.

O fenômeno dessa silhueta esguia levantou discussões sobre a pressão estética enfrentada por mulheres em Hollywood na web. Nos últimos anos, o movimento body positivity (positividade corporal, em português) parecia ganhar espaço, promovendo a aceitação de diferentes tipos de corpos, porém, a ascensão do remédio Ozempic entre famosos — medicamento que ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue, mas que tem sido usado para emagrecimento ultimamente —, além da volta de um padrão de magreza extrema, indica um retrocesso nesse discurso.

Se, por um lado, o medicamento representa uma solução para algumas pessoas, por outro, ele pode reforçar a obsessão com a estética e afastar a sociedade de um ideal mais saudável e inclusivo. O que é até mesmo irônico, pois o filme A Substância, que Demi Morre estrela, faz uma crítica justamente a essa realidade.

Demi Moore no tapete vermelho do SAG Awards 2025 - Metrópoles
Demi Moore

 

bafta 2025 looks ariana grande - metrópoles
Ariana Grande

A polêmica envolvendo Maya Massafera reforça como essas questões ainda são sensíveis e refletem desigualdades sociais. No final, mais do que uma questão de gosto pessoal, a idealização da magreza é parte de um ciclo histórico que continuamente busca novas formas de exclusão social.

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