A epopéia de paraenses na Belém-Brasília

Os paraenses há muito não se impressionam tanto com a implantação de grandes projetos de engenharia no seu Estado.

Afinal, eles conviveram com as execuções de obras como a macrodrenagem de Belém, a implantação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a montagem da infraestrutura da Vale do Rio Doce, em Carajás, entre outras obras deste porte.

Por isto, se torna difícil, hoje, avaliar o significado mais profundo, para eles, da abertura dos 2.100 quilômetros de estrada, concluída em 1959, ligando Belém a Brasília.

Os construtores da estrada foram submetidos a sacrifícios desumanos, o maior do qual foi a perda da vida do engenheiro responsável por aquela obra monumental, Bernardo Sayão.

Porém, também operários e engenheiros do Pará passaram por aquela dura experiência, pois à Construtora Gualo- Construções Civis e Rodoviária, uma empresa de Belém, coube abrir na mata virgem 300 quilômetros de estrada, entre Santa Maria, depois de Castanhal, até a fronteira com o Maranhão.

A empresa pertencia ao professor de Cálculo Infinitesimal, da antiga Escola de Engenharia do Pará – EEP, origem da Faculdade de Engenharia Civil, da UFPa,TeivelinoGuapindaia, e a seu sócio e ex-aluno Antônio Eugênio Pereira Lobo.

Para abrir aquele trecho da estrada, a Gualo contratou 4.000 trabalhadores que tinham de se encontrar com a frente de trabalho vinda de Goiás, sob o comando do próprio Sayão.

Um engenheiro da Gualo – Carlos – avançava na mata com os trabalhadores.

Outro – Fernando – se responsabilizava, em Belém, pelo apoio logístico para que não faltassem alimentos na frente de trabalho.

Carlos e Fernando eram filhos de Teivelino.

Tinham sido seus alunos na EEP.

Porém, já desde a adolescência, estavam habituados a acompanhar o pai.

Teivelino, em 1942, ocupava o cargo de Secretário de Obras de Belém, e, saí de casa às 6 horas da manhã, para fiscalizar obras como a de alargamento da Avenida Padre Eutíquio, entre as praças da Bandeira e de Batista Campos.

Os filhos iam com ele, durante suas férias escolares.

Mais tarde, os dois viram o pai, tornar-se diretor do Departamento de Estrada de Rodagem, projetar a atual Avenida Almirante Barroso, e, executar grande parte da sua pavimentação.

Carlos numa entrevista, lembrou a epopeia que viveu durante a construção da Belém-Brasília:

– Não existiam ainda as motos-serras. As árvores eram derrubadas a machadadas, e, depois empurradas por tratores. Havia samaumeiras com oito metros de diâmetros de raízes que tinham de ser dinamitadas. Os alimentos para os trabalhadores nós tínhamos de jogar de pequenos aviões, sem ver ninguém na mata, guiados apenas por fogueiras acesas pelos operários.

Foram estas aflições ligadas à precariedade dos equipamentos e a alimentos que preencheram o último dia de vida do engenheiro Bernardo Sayão: 15 de janeiro de 1959.

Ele já alcançara um trecho da estrada correspondente, atualmente, a Açailândia, no Maranhão. Faltavam apenas duas semanas para ocorrer o aguardado encontro das duas frentes de trabalho.

No livro de Lea Sayão, “Meu pai, Bernardo Sayão”, ela conta que o engenheiro se sentia nervoso.

Havia 48 horas que seus operários não se alimentavam adequadamente.

Sayão trabalhava numa barraca, quando uma árvore foi derrubada, com muito barulho e descontrole.

Por infelicidade, ela se inclinou na direção da barraca.

E esmagou-a, prendendo Sayão.

Sob ela, o engenheiro ficou com a cabeça, o braço e a perna esquerda fraturados.

Os operários conseguiram retirá-lo dali, mas não havia nenhum tipo de atendimento de emergência.

Quando conseguiram colocá-lo num helicóptero que, finalmente, chegou com alimentos, ele já estava em coma, e, logo, morreu.

A empresa de Teivelino e Lobo concluiu sua missão e continuou operando.

Seu catálogo de obras, incluiu o Edifício Gualo, na Avenida Presidente Vargas, em Belém; a Estrada Capanema-Bragança e parte da Bragança-Vizeu. E, 500 casas populares para a COHAB, em São Luís.

Teivelino continuou a lecionar na EEP até completar 34 anos de magistério.

Teve como alunos o engenheiro-escritor José Maria Azevedo Barbosa, o engenheiro-incorporador Judah Levy, o engenheiro-físico José Maria Bassalo. Ele morreu em 1970, aos 75 anos de idade.

Outro de seus alunos, o engenheiro-governador do Pará Fernando Guilhón, deu seu nome à Estação Rodoviária de Bragança.  

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Tradução para o Inglês:

The Epic Journey of the People of Pará on the Belém-Brasília Highway

The people of Pará have long ceased to be impressed by the implementation of major engineering projects in their state.

After all, they have witnessed the execution of works such as Belém’s macro-drainage system, the construction of the Tucuruí Hydroelectric Plant, the establishment of the infrastructure for Vale do Rio Doce in Carajás, among other large-scale projects.

For this reason, it is difficult today to fully grasp the deeper significance, for them, of the opening of the 2,100-kilometer highway, completed in 1959, connecting Belém to Brasília.

The builders of the highway endured inhumane hardships, the greatest of which was the loss of the lead engineer of that monumental project, Bernardo Sayão.

However, workers and engineers from Pará also went through that harsh experience. The company Gualo – Construções Civis e Rodoviária, a construction firm from Belém, was responsible for clearing 300 kilometers of road through the virgin forest, from Santa Maria, beyond Castanhal, to the border with Maranhão.

The company belonged to Teivelino Guapindaia, a professor of Infinitesimal Calculus at the former Pará School of Engineering (EEP), the precursor of the Civil Engineering Faculty at UFPa, and his partner and former student, Antônio Eugênio Pereira Lobo.

To clear that stretch of the road, Gualo hired 4,000 workers, who had to meet up with the workforce advancing from Goiás, under the command of Sayão himself.

One of Gualo’s engineers, Carlos, pushed forward into the forest alongside the workers.

Another, Fernando, was responsible for logistics in Belém, ensuring that food never ran out at the work front.

Carlos and Fernando were Teivelino’s sons.

They had been his students at EEP.

However, since adolescence, they had been accustomed to accompanying their father.

In 1942, Teivelino was the Secretary of Public Works in Belém and would leave home at 6 a.m. to supervise projects such as the widening of Avenida Padre Eutíquio, between Praça da Bandeira and Praça Batista Campos.

His sons would go with him during their school vacations.

Later, they saw their father become the director of the Department of Highways, design what is now Avenida Almirante Barroso, and execute much of its paving.

In an interview, Carlos recalled the epic experience he lived through during the construction of the Belém-Brasília highway:

“There were no chainsaws yet. Trees were felled with axes and then pushed aside by tractors. Some kapok trees had root diameters of up to eight meters and had to be blasted with dynamite. We had to drop food for the workers from small planes, without seeing anyone in the forest, guided only by bonfires lit by the laborers.”

These struggles, linked to the lack of equipment and food supplies, marked the last day in the life of engineer Bernardo Sayão: January 15, 1959.

By then, he had reached a section of the road that today corresponds to Açailândia, Maranhão. Only two weeks remained before the long-awaited meeting of the two work fronts.

In her book Meu pai, Bernardo Sayão (My Father, Bernardo Sayão), Lea Sayão recounts that the engineer was feeling anxious.

His workers had not eaten properly for 48 hours.

Sayão was working inside a tent when a tree was felled with great noise and loss of control.

Unfortunately, it leaned toward the tent.

It collapsed, trapping Sayão underneath.

The engineer suffered fractures to his head, arm, and left leg.

The workers managed to pull him out, but no emergency medical care was available.

By the time they finally placed him in a helicopter, which had arrived with supplies, he was already in a coma and soon passed away.

Teivelino and Lobo’s company completed its mission and continued its operations.

Its portfolio of projects included the Gualo Building on Avenida Presidente Vargas in Belém, the Capanema-Bragança Road, part of the Bragança-Viseu Road, and 500 affordable housing units for COHAB in São Luís.

Teivelino continued teaching at EEP until completing 34 years of service.

Among his students were engineer-writer José Maria Azevedo Barbosa, engineer-developer Judah Levy, and engineer-physicist José Maria Bassalo. He passed away in 1970 at the age of 75.

Another of his students, engineer and former governor of Pará, Fernando Guilhón, named the Bragança Bus Terminal in his honor.

Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.

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