Nem Cabral, nem Porto Seguro: a verdadeira “descoberta” do Brasil

A fronteira do Pará com o Maranhão apareceu, há 18anos anos, como o local onde os portugueses desembarcaram, em 1498, no Brasil, numa pesquisa desenvolvida por Jorge Couto, o maior especialista de História do Brasil, em atividade, naquele momento, em Portugal.

O pesquisador português conseguiu provas e evidências de que era verdadeira a tese defendida, desde 1989, na França, por Serge Gruzinsky, do Centre Nationale de Recherches Scientifiques, e, na Espanha, por Juan Gil, da Universidade de Sevilha.

Segundo os dois pesquisadores, o Brasil teria sido “descoberto” em 1498, por Duarte Pacheco Pereira, o “Aquiles lusitano”, como o chamou Camões, no poema épico “Lusíadas”.

Pacheco foi um genial navegador, astrônomo e geógrafo.

Com sua pesquisa, Jorge Couto apresentou a mais consistente interpretação de um manuscrito intitulado “Esmeraldo de situ orbis” (Esmeraldo dos sítios da Terra), produzido por Duarte Pacheco, entre os anos de 1505 e 1508.

Nele, ficou registrado o relato que Pacheco fez ao rei de Portugal, Dom Manoel I, sobre as descobertas da expedição comandada por ele, em 1498.

Este documento permaneceu quase quatrocentos anos desconhecido porque a expedição, organizada secretamente – em plena disputa travada entre Portugal e Espanha pelo domínio de novas terras -, levara Pacheco até uma região, o Norte do Brasil, que pertencia aos espanhóis, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, assinado pelos dois países em 1494.

Pacheco, em “Esmeraldo” se refere à sua descoberta neste trecho:

“Bem-aventurado Príncipe, temos sabido e visto como no terceiro ano do vosso reinado do ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde nos Vossa Alteza mandou descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar oceano, onde é achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela, que se estende a setenta graus de ladeza (latitude) da linha equinocial contra o polo Ártico, e, posto que seja assaz fora, é grandemente povoada e do mesmo círculo equinocial torna outra vez e vai além em vinte e oito graus e meio de ladeza (latitude) contra o polo Antártico e tanto se dilata sua grandeza e corre com muita lonjura, que de uma parte nem da outra não foi visto nem sabido o fim e cabo dela”.

Estas informações contidas no relato de Pacheco permitiram a Jorge Couto demonstrar que Duarte Pacheco, depois de desembarcar na fronteira do Pará com o Maranhão, chegou à Ilha do Marajó, na foz do rio Amazonas.

Para interpretá-las, o pesquisador se muniu de um rico e amplo material colhido nas áreas de Cosmografia, de Cartografia, de Antropologia, de Arqueologia e de Etnologia.

Há 942 notas bibliográficas no livro em que ele divulgou a pesquisa.

Seu título: “A construção do Brasil”.

Um dos trabalhos utilizados por Couto foi realizado pela antropóloga norte-americana Anna Roosevelt.

Ela atuou no Pará, especialmente em Santarém e na Ilha do Marajó.

A divulgação da pesquisa de Couto, em 1997, ocorreu num instante em que portugueses e brasileiros se preparavam para, no ano 2000, comemorar os 500 anos da descoberta do Brasil.

Segundo a versão oficial desta descoberta, mantida até hoje nos livros escolares, ela teria acontecido quando a expedição de Pedro Álvares Cabral localizou, em 22 de abril de 1500, um terreno de 586 metros de altura, o Monte Pascal, a 62 quilômetros de Porto Seguro, na Bahia.

Como era inevitável, o livro de Jorge Couto provocou muito impacto entre os acadêmicos e os jornalistas.

Afinal, ele era o representante do Ministério da Cultura de Portugal, na Comissão Mista Luso-Brasileira para as Comemorações do Quinto Centenário do Descobrimento do Brasil.

Em nosso país, só uma publicação – a revista Isto É -, reservou nove páginas para a pesquisa.

Este espaço foi preenchido com um trabalho primoroso do jornalista Guilherme Evelin.

Seu texto começou assim:

“Esqueça tudo o que você aprendeu na escola sobre o descobrimento do Brasil”.

Antes de escrevê-lo, Guilherme se preparou.

Leu detidamente o livro de Jorge Couto, fez entrevistas no Centro de Estudos Históricos da Faculdade de Letras de Lisboa, na Universidade de São Paulo, na Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha do Brasil.

Além disto, teve contato com o trabalho de Joaquim Barradas, o maior biógrafo de Duarte Pacheco.

Com a segurança obtida em sua preparação, Guilherme mencionou no seu texto uma outra comprovação da consistência dos resultados da pesquisa de Jorge Couto.

Disse ele:

“Há relatos de navegadores espanhóis que teriam encontrado uma grande cruz na região da foz do Amazonas”.

Esta cruz, portanto, seria a primeira obra introduzida pelos portugueses na Amazônia, mais de cem anos antes de Francisco Frias de Mesquita, o engenheiro-mor do Brasil, ter levantado as fortalezas de São Felipe e Guaxanduba, no início dos anos de 1600, no Maranhão.

Desde a divulgação da pesquisa de Jorge Couto já se passaram quase duas décadas.

E, nenhuma iniciativa foi tomada, no Pará, para incorporá-la à História de nosso Estado.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Tradução para o inglês:

Neiter Cabral, nor Porto Seguro: the true “discovery” of Brazil

The border between Pará and Maranhão emerged, 18 years ago, as the location where the Portuguese landed in 1498 in Brazil, according to research conducted by Jorge Couto, the leading expert in Brazilian history at that time in Portugal.

The Portuguese researcher found proof and evidence supporting the thesis defended since 1989 in France by Serge Gruzinsky, from the Centre Nationale de Recherches Scientifiques, and in Spain by Juan Gil, from the University of Seville.

According to both researchers, Brazil was “discovered” in 1498 by Duarte Pacheco Pereira, the “Lusitanian Achilles,” as Camões called him in the epic poem The Lusiads.

Pacheco was a brilliant navigator, astronomer, and geographer.

Through his research, Jorge Couto presented the most consistent interpretation of a manuscript titled Esmeraldo de Situ Orbis (Esmeraldo of the Earth’s Sites), written by Duarte Pacheco between 1505 and 1508.

In it, Pacheco recorded his report to the King of Portugal, Dom Manuel I, about the discoveries of the expedition he commanded in 1498.

This document remained unknown for nearly four hundred years because the expedition—organized in secrecy amidst the fierce dispute between Portugal and Spain over new territories—had taken Pacheco to a region in northern Brazil that, according to the Treaty of Tordesillas signed by both countries in 1494, belonged to Spain.

Pacheco refers to his discovery in Esmeraldo in the following excerpt:

“Blessed Prince, we have learned and seen how in the third year of your reign, in the year of Our Lord 1498, Your Highness commanded us to explore the western part, going beyond the vastness of the ocean sea, where such a great mainland was found and navigated, with many large islands adjacent to it, extending seventy degrees in latitude from the equinoctial line toward the Arctic Pole, and, though it is far off, it is greatly populated, and from that same equinoctial circle, it turns again and extends beyond twenty-eight and a half degrees of latitude toward the Antarctic Pole, and its vastness stretches so greatly and runs so far that neither from one side nor the other has its end or limit been seen or known”.

The information in Pacheco’s report allowed Jorge Couto to demonstrate that Duarte Pacheco, after landing at the Pará-Maranhão border, reached Marajó Island, at the mouth of the Amazon River.

To interpret these findings, the researcher gathered a vast and rich collection of materials from Cosmography, Cartography, Anthropology, Archaeology, and Ethnology.

There are 942 bibliographic notes in the book where he published his research.

Its title: The Construction of Brazil.

One of the studies used by Couto was conducted by American anthropologist Anna Roosevelt.

She worked in Pará, particularly in Santarém and on Marajó Island.

Couto’s research was made public in 1997, at a time when Portuguese and Brazilians were preparing to celebrate the 500th anniversary of Brazil’s discovery in the year 2000.

According to the official version of this discovery, still maintained in school textbooks today, it took place when Pedro Álvares Cabral’s expedition spotted a 586-meter-high landform, Monte Pascoal, 62 kilometers from Porto Seguro in Bahia, on April 22, 1500.

As expected, Jorge Couto’s book caused a great impact among academics and journalists.

After all, he was the representative of Portugal’s Ministry of Culture on the Luso-Brazilian Joint Commission for the Commemoration of the Fifth Centenary of Brazil’s Discovery.

In Brazil, only one publication—Isto É magazine—dedicated nine pages to the research.

This space was filled with a masterful piece by journalist Guilherme Evelin.

His article began like this:

“Forget everything you learned in school about the discovery of Brazil”.

Before writing it, Guilherme prepared himself.

He carefully read Jorge Couto’s book, conducted interviews at the Center for Historical Studies of the Faculty of Letters in Lisbon, at the University of São Paulo, and at the Directorate of Historical and Cultural Heritage of the Brazilian Navy.

Additionally, he examined the work of Joaquim Barradas, the greatest biographer of Duarte Pacheco.

With the confidence gained from his research, Guilherme mentioned in his article yet another confirmation of the consistency of Jorge Couto’s findings.

He wrote:

“There are reports from Spanish navigators who claim to have found a large cross in the region of the Amazon River’s mouth”.

This cross, therefore, would be the first structure introduced by the Portuguese in the Amazon, more than a hundred years before Francisco Frias de Mesquita, Brazil’s chief engineer, built the São Felipe and Guaxanduba fortresses in Maranhão at the beginning of the 1600s.

Nearly two decades have passed since Jorge Couto’s research was published.

Yet, no initiative has been taken in Pará to incorporate it into the history of our state.

(Illustration: The First Cross in Brazil, painting by Pedro Peres, 1879.)

*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

The post Nem Cabral, nem Porto Seguro: a verdadeira “descoberta” do Brasil appeared first on Ver-o-Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.