“Terrorismo, sabotagem, crime”: 8 vezes em que Gleisi atacou o mercado

A escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) para comandar a Secretaria de Relações Institucionais foi mal recebida pelo mercado financeiro, fez o dólar disparar a R$ 5,91 no dia do anúncio e trouxe à tona preocupações dos agentes econômicos relacionadas a uma possível guinada à esquerda do governo na segunda metade do mandato.

Gleisi, que toma posse nesta segunda-feira (10/3) e passará a responder pela articulação política do governo Lula com o Congresso Nacional, é vista com ceticismo e até temor por amplas parcelas do mercado – que classificam a petista como “radical” e crítica contumaz de medidas consideradas positivas por economistas mais ortodoxos, analistas, empresários e investidores.

Desde a posse de Lula para seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, em janeiro de 2023, Gleisi tem vocalizado algumas das críticas mais contundentes de setores da esquerda e do PT ao aumento da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central (BC), a medidas de corte de gastos adotadas ou simplesmente cogitadas pelo governo e até mesmo ao arcabouço fiscal – uma das principais bandeiras da gestão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Gleisi ocupa a presidência nacional do PT desde 2017 e está deixando o posto para assumir o cargo no primeiro escalão do governo.

Em linhas gerais, o mercado teme que a proximidade entre Gleisi e Lula desequilibre o jogo de forças, dentro do governo, em benefício da ala mais “desenvolvimentista” e menos “fiscalista”. Em tese, isso enfraqueceria Haddad no cabo de guerra entre aqueles que defendem o ajuste das contas públicas e os que são favoráveis a uma política fiscal expansionista, com incentivos ao consumo, mais investimentos e gastos públicos.

A reportagem do Metrópoles fez um levantamento que reuniu declarações de Gleisi Hoffmann entre 2023 e 2025, já durante o governo Lula, nas quais a presidente do PT e agora ministra das Relações Institucionais fez duras críticas a alguns dos princípios mais caros aos agentes do mercado. Confira.

10 de abril de 2023

Pouco mais de 3 meses depois de Lula tomar posse como presidente da República pela terceira vez, Gleisi Hoffmann manifestou preocupação com a proposta de arcabouço fiscal apresentada pela equipe econômica liderada por Fernando Haddad como alternativa ao teto de gastos. Na época, o novo marco fiscal ainda estava em fase de debates e não havia sido aprovado pelo Congresso.

Durante uma reunião do Diretório Nacional do PT, a presidente do partido alertou para o risco de que o arcabouço pudesse inibir o crescimento econômico do Brasil e dificultasse o projeto político representado por Lula.

Na reunião do PT, Gleisi ainda propôs um convite a Haddad para que o ministro da Fazenda explicasse aos correligionários os detalhes da proposta. Economistas alinhados à visão econômica mais heterodoxa defendida por Gleisi também seriam chamados. A partir dali, se desenhava um aparente antagonismo entre a presidente do PT e o ministro da Fazenda.

16 de abril de 2024

Já no segundo ano de governo, Gleisi defendeu publicamente a decisão de mudar as metas de superávit primário, empurrando o chamado “déficit zero” – defendido pelo mercado – de 2024 para 2025. A alteração foi incluída no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, divulgado na véspera. No mesmo documento, o governo estipulou um aumento do salário mínimo maior do que as estimativas iniciais dos indicadores de reajuste real, o que também gerou apreensão no mercado.

Em entrevista à GloboNews, Gleisi defendeu a medida, disse que a meta fiscal já havia sido alterada “várias vezes” por outros governos e que não havia razão para uma reação negativa dos investidores. “Não há nenhum problema que isso traga. O mercado estava avisado. Não tem por que o mercado ficar questionando o governo”, afirmou a presidente do PT. “O próprio mercado dizia que seria impossível ou difícil chegar à meta [de déficit] zero, difícil chegar a 0,5% de superávit. O Boletim Focus está dizendo que a previsão deles é de 0,6% de déficit no ano que vem. Então, por que o mercado fica nessa tensão? Isso estava acertado.”

Na mesma entrevista, Gleisi criticou o então presidente do BC, Roberto Campos Neto, que havia feito ressalvas à mudança da meta e chamado atenção para a necessidade de as âncoras fiscal e monetária caminharem “juntas”. “O presidente do BC não tem que ficar falando de política fiscal. Ele mesmo disse que não tinha que falar”, afirmou a deputada, que classificou as declarações de Campos Neto como um “desserviço” ao país.

19 de agosto de 2024

Em outra entrevista, desta vez ao jornal O Estado de S. Paulo, Gleisi voltou a fazer objeções ao arcabouço fiscal e criticou a proposta de desvinculação do pagamento das aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) da política de aumento real do salário mínimo.

“Entre mexer na vinculação do salário mínimo e mudar o arcabouço, tem de mudar o arcabouço. Simples assim”, resumiu Gleisi. Na entrevista, a deputada petista disse que “a economia só está crescendo por causa da renda, alavancada pelo Estado brasileiro”, citando o aumento do Bolsa Família e a desoneração do Imposto de Renda (IR) para quem ganha dois salários mínimos.

As declarações de Gleisi foram interpretadas como uma resposta à ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), que havia defendido a revisão das vinculações do salário mínimo a pagamentos como Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e abono salarial.

Ainda na entrevista ao Estadão, Gleisi criticou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelecia a autonomia financeira e orçamentária do BC, em tramitação no Congresso – o texto não contou com o apoio do governo e não obteve grande avanço no Legislativo até o momento. A PEC transformaria o BC, uma autarquia federal com orçamento vinculado à União, em empresa pública com total autonomia financeira e orçamentária, sob supervisão do Congresso.

“Eu espero que não haja nenhuma negociação e que essa PEC não prospere. Acho até uma coisa engraçada, vinda do Campos Neto”, afirmou Glesi, novamente voltando sua artilharia ao então presidente do BC. “O arauto do fiscalismo, que impõe juros pesadíssimos ao Brasil, quer livrar a instituição que ele preside do ajuste fiscal. Se aprovada essa PEC, lá vão poder ganhar mais e gastar mais. E o resto do Orçamento, como fica? Pode desvincular o salário mínimo da Previdência, cortar universidade, e não tem problema? É uma contradição, um absurdo”, concluiu.

4 de novembro de 2024

O embate entre Gleisi e Haddad ganhou novamente os holofotes no fim de 2024, em meio a acaloradas discussões no governo Lula sobre a extensão do pacote de corte de gastos necessário para ajustar as contas públicas – que o ministro da Fazenda anunciaria no fim de novembro.

Em publicação no X (antigo Twitter), a presidente do PT criticou o que chamou de “pressão na mídia por cortes nos investimentos do governo e nas políticas públicas para o povo”. “Só que o único descontrole na economia não é nos gastos do governo, mas nos juros estratosféricos que fazem crescer a dívida pública e já provocam recorde de recuperações judiciais das empresas, apesar do crescimento da economia”, escreveu Gleisi.

“É uma chantagem aberta dos mercados financeiros, que criam expectativas falsas e irrealizáveis, manipulando o câmbio, a bolsa e as decisões do BC. Apostam contra o país e os ‘analistas’ na mídia ainda lhes dão razão”, completou a deputada, subindo o tom contra o mercado.

Dois dias depois da mensagem publicada por Gleisi, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, ainda comandado por Roberto Campos Neto, aumentou a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, de 10,75% para 11,25% ao ano. Na noite de 27 de novembro, em um pronunciamento em rede nacional de TV, Haddad anunciou as primeiras medidas do pacote fiscal e afirmou que o governo economizaria R$ 70 bilhões em 2 anos.

6 de novembro de 2024

O novo aumento da taxa básica de juros indignou Gleisi, que voltou às redes sociais para criticar a decisão do BC. Em uma mensagem curta, direta e dura, a presidente nacional do PT acusou a autoridade monetária de sabotar o Brasil. “Copom mantém a sabotagem à economia do país e eleva ainda mais os juros estratosféricos. Irresponsabilidade total com um país que precisa e quer continuar crescendo”, escreveu.

Em outro tuíte, Gleisi afirmou que “a nota do Copom para ‘explicar’ a nova alta dos juros é puro terrorismo de mercado” e “chega a projetar uma taxa Selic de 14,5% se não houver ‘mudanças estruturais’ no Orçamento”. A petista, então, disse que é “uma indecência usar esse tipo de chantagem, ameaçando até com disparada do câmbio, para tentar impedir o governo de investir no crescimento e executar as políticas que atendem o povo”.

28 de novembro de 2024

A escalada do dólar, que causou alvoroço no mercado e acendeu o alerta no governo no fim do ano passado, não passou incólume para Gleisi Hoffmann. Um dia depois de a moeda norte-americana ter disparado a R$ 5,98 – até então o maior valor nominal da história –, a presidente do partido de Lula voltou a disparar ataques ao chefe da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, um de seus alvos preferenciais. “BC de Campos Neto não fez nada para conter a especulação desencadeada desde ontem que já levou o dólar a R$ 6”, escreveu Gleisi em sua conta no X.

“A Fazenda já esclareceu que a isenção de IR até R$ 5 mil será vinculada à nova alíquota para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, sem prejuízo para a arrecadação. Era obrigação da ‘autoridade monetária’ intervir no mercado contra a especulação desde seu previsível início, com leilões de swap, exigência de depósitos à vista e outros instrumentos que existem para isso. É um crime contra o país”, completou.

10 de dezembro de 2024

A cruzada de Gleisi contra a política monetária levada a cabo pelo BC continuou até o fim do mandato de Campos Neto à frente da autarquia, em dezembro do ano passado. Às vésperas da última reunião do Copom sob a gestão do então presidente, a deputada do PT falou em “terrorismo” praticado pelo órgão. “Na véspera do último Copom presidido por Campos Neto, aumenta o terrorismo para elevar ainda mais a indecente taxa de juros. O PIB cresce acima das previsões, emprego e renda também, arrecadação em alta, inflação dentro dos limites de uma meta exageradamente rigorosa, boas reservas, mas na mídia só se fala em ‘risco fiscal’”, escreveu no X.

“Todos sabem que juros maiores, neste momento, só vão pressionar a dívida pública e comprometer a atividade econômica, mas os especuladores e seus porta-vozes não estão nem aí para o país. Desenham o cenário que favorece o pior, para encerrar o ciclo do terrorismo de Campos Neto, a serviço do mercado”, complementou Gleisi. No dia seguinte, o Copom anunciou novo aumento dos juros básicos, desta vez em 1 ponto percentual, para 12,25% ao ano.

29 de janeiro de 2025

Nem mesmo a despedida de Campos Neto do BC serviu para amenizar as críticas de Gleisi à política monetária. Depois da primeira reunião do Copom sob o comando de Gabriel Galípolo, indicado por Lula para a presidência da autoridade monetária, a petista voltou às redes sociais para criticar o novo aumento de 1 ponto percentual da Selic, que passou de 12,25% para 13,25% ao ano.

“O novo aumento da taxa básica de juros, já determinado desde dezembro pela direção anterior do Banco Central e anunciado hoje, é péssimo para o país e não encontra qualquer explicação nos fundamentos da economia real. Vai tornar mais cara a conta da dívida pública, sufocar as famílias endividadas, restringir o acesso ao crédito e o crescimento da atividade econômica”, escreveu Gleisi no X.

Na longa mensagem, Gleisi afirmou ainda que “o comunicado do BC sobre inflação de 2024 comprova a relevância muito maior da taxa de câmbio sobre a variação ligeiramente acima da meta do ano, do que pelo crescimento da economia e do emprego, sempre punidos com a elevação indiscriminada dos juros”.

No fim do texto, Gleisi mudou o tom e isentou o novo presidente do BC das críticas. “Neste momento sabemos que não resta muita alternativa ao novo presidente do BC, Gabriel Galípolo. Restam desafios para reposicionar as expectativas do mercado e a orientação da instituição que dirige”, concluiu.

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