Prostitutas da Europa e Estados Unidos, todas na Belém de 1920

Por volta de 1910, findara a Belle Époque da Amazônia.

Começava a se distanciar no tempo o período de “quase meio século de ebulição e esplendor” de Belém e Manaus, como o denominou o jornalista Humberto Werneck no livro “O Santo Sujo”.

(O livro, vale a pena destacar, trata de Jayme Ovalle,um paraense genial, infelizmente, hoje, esquecido até por seus conterrâneos).

Ainda assim, no início da década seguinte daquele século, continuavam em Belém, as prostitutas estrangeiras atraídas à cidade pelos anos de fausto da nossa Belle Époque.

Prova disto está na mensagem do governador do Pará Antonino de Sousa Castro dirigida em 1921 aos membros da Assembleia Legislativa Estadual.

Em que, Sousa Castro prestou contas da sua gestão, no ano anterior.

Sem deixar de lamentar a derrocada, àquela altura, da economia paraense.

Disse ele:

–  Como sabeis, vem o Estado debatendo-se há cerca de duas décadas, em crises sucessivas, paroxismos de um estado crônico, caracterizado pelo regime mais ou menos deficitário das suas finanças. Fonte quase exclusiva das rendas do erário público, a indústria extrativa da borracha encheu-nos de riquezas, quando valendo ouro, como nos empobreceu e arruinou, quando nada valendo.

Na mensagem, o governador teve de citar as prostitutas que tinham vindo para o Pará, porque elas foram alcançadas pela administração estadual, ao buscarem licença oficial para exercerem suas atividades.

Era quando, a Polícia procedia às identificações oficiais delas como meretrizes.

E, elas recebiam uma caderneta do Serviço Médico Legal.

Na caderneta, constavam informações sobre sua origem racial, idade, seu estado civil, grau de instrução e naturalidade.

Informou o governador, na sua mensagem, que tinham sido examinadas, em 1920, pelo Instituto de Profilaxia, encarregado do controle de doenças venéreas no Estado, 20 prostitutas estrangeiras, junto com outras, 282, brasileiras,.

Dentre as estrangeiras, apenas três eram latino-americanas. Todas do Peru.

E, entre elas, uma única era norte-americana.

As demais estrangeiras provieram da Europa.

Seis russas. Duas austríacas. Duas espanholas. Duas italianas. Duas portuguesas.

Havia ainda, uma sérvia e uma romena.

Quanto às idades, nos cadastros daquele ano de 1920, oito tinham completado 35 anos ou mais.

As demais, pertenciam uma faixa etária compreendida entre 23 e 33 anos.

No quesito grau de instrução: as estrangeiras eram ligeiramente superiores às brasileiras. Um terço das brasileiras não sabiam ler, enquanto apenas um quarto das estrangeiras eram analfabetas.

O que aumentava as chances de as estrangeiras escaparem da marginalização social.

A situação desfavorável das brasileiras era ainda agravada pela cor de suas peles, numa sociedade afetada por preconceitos como a paraense da época.

As europeias eram todas brancas.

Entre as brasileiras, dois terços eram identificadas nas cadernetas como mestiças ou pretas.

Naquele período de crise econômica do Pará, um dado daquele cadastro mostrava o distanciamento da situação econômica das regiões Norte e Nordeste em relação ao Centro-Sul do país. 

No meio daquelas mulheres, havia uma única paulista e uma única carioca.

As demais ou eram paraenses – cerca de um terço -, ou nordestinas – sobretudo, cearenses.

Mas havia também, maranhenses, paraibanas e pernambucanas. 

E, em menor número, piauienses e rio-grandenses do norte.

Estas últimas em número igual ao das oriundas de outro Estado nortista, o Amazonas.

As brasileiras, como consequência da maior carga de preconceito social existente contra elas, não tinham a mesma facilidade para casar-se de que as estrangeiras usufruíam, mostravam os dados fornecidos pelo governador.

Apenas uma brasileira, em cada cinco, tinha marido. Já a metade das europeias eram casadas.

Curiosamente, no entanto, somente uma brasileira em cada grupo das 16 casadas enviuvara.

Enquanto entre as estrangeiras, a proporção, neste caso, era de uma viúva em cada grupo de 4 mulheres casadas.

De qualquer forma, mesmo entre as prostitutas estrangeiras, havia diferenças sociais.

As “polacas” eram prostitutas “pobres, quase sempre analfabetas e sem dote para um bom casamento”, diz Fábio Varsano, no artigo “Tráfico de escravas brancas: polacas no Brasil”, publicado na Revista Aventuras na História.

Muitas delas provieram do Leste Europeu – ele acrescenta.

Saíam de seus países ameaçadas por ondas de antissemitismo.

Sem perspectivas, acabavam recrutadas por gigolôs, nos meios dos quais, surpreendentemente, havia judeus.

Diferentemente delas, as “cocottes”, eram prostitutas de luxo desde os anos de 1800.

Se pareciam com cortesãs – as favoritas dos reis antigos que vivam com luxo -, afirma o jornalista Patrick de Carolis, no site do seu programa Gran Tour, apresentado na emissora francesa France 3.

Inteligentes e calculistas, viviam ostensivamente à custa de homens influentes, a quem, às vezes arruinavam, com gastos em roupas e joias, afirma Patrick.

Como aconteceu com o avô e o pai de Jayme Ovalle, respectivamente, Manuel e Mariano Ovalle.

Foi uma “cocotte” quem os arruinou, conta Humberto Werneck, na biografia do “Santo Sujo”.

Manuel enviuvara da mãe de seus filhos e decidiu se casar com uma notória “cocotte”.

Indignados, os filhos dele (tios de Jayme) deram ao irmão Mariano (pai do “Santo Sujo”), ainda adolescente, a missão de demover Manuel daquela intenção.

Então, Mariano, em nome de seus irmãos, apresentou ao pai um argumento que parecia capaz de selar a sorte do relacionamento dele com a “cocote”.

Todos eles, filhos de Manuel, tinham tido relações sexuais com a mulher.

Manuel, porém, não cedeu.

Manteve a decisão de se casar.

E expulsou Mariano de casa. 

(Ilustração: foto de uma “cocotte” encontrada por Patrick de Carolis)

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Translation:

Prostitutes from Europe and the States, all in Belém in 1920


Around 1910, the Belle Époque of the Amazon had come to an end.

The period of “almost half a century of turmoil and splendor” in Belém and Manaus was beginning to fade into the past, as journalist Humberto Werneck described it in his book O Santo Sujo.

(The book, it is worth noting, tells the story of Jayme Ovalle, a brilliant man from Pará, who, unfortunately, is now forgotten even by his fellow countrymen.)

Even so, at the beginning of the following decade, foreign prostitutes who had been drawn to the city during the prosperous years of our Belle Époque were still in Belém.

Evidence of this can be found in the 1921 address delivered by the governor of Pará, Antonino de Sousa Castro, to the members of the State Legislative Assembly.

In this address, Sousa Castro presented an account of his administration from the previous year.

Without failing to lament the downfall of Pará’s economy at that time, he stated:

“As you know, for about two decades, the state has been struggling through successive crises, the paroxysms of a chronic condition characterized by a more or less deficit-ridden financial regime. The rubber extraction industry, the state’s almost exclusive source of revenue, enriched us when it was worth its weight in gold, just as it impoverished and ruined us when it became worthless.”

In his address, the governor had to mention the prostitutes who had come to Pará, as they had fallen under the jurisdiction of the state administration when they sought official licenses to practice their trade.

At that time, the police carried out official identifications of these women as prostitutes.

They were issued a booklet by the Forensic Medical Service.

The booklet contained information on their racial origin, age, marital status, level of education, and place of birth.

The governor reported in his address that in 1920, the Institute of Prophylaxis, responsible for controlling venereal diseases in the state, had examined 20 foreign prostitutes along with 282 Brazilian ones.

Among the foreigners, only three were Latin American—all from Peru.

And among them, only one was North American.

The remaining foreigners came from Europe.

Six Russians. Two Austrians. Two Spaniards. Two Italians. Two Portuguese.

There was also one Serbian and one Romanian.

As for age, in the 1920 registry, eight were 35 years old or older.

The rest were between 23 and 33 years old.

Regarding education levels, foreign women were slightly more educated than Brazilian ones. One-third of the Brazilian prostitutes were illiterate, whereas only a quarter of the foreign women could not read.

This increased the chances of foreign women escaping social marginalization.

The unfavorable situation of Brazilian women was further exacerbated by the color of their skin in a society affected by racial prejudice, such as that of Pará at the time.

All the European women were white.

Among the Brazilian women, two-thirds were identified in the booklets as mixed-race or Black.

During that period of economic crisis in Pará, one piece of data from that registry highlighted the economic disparity between the North and Northeast regions and the Center-South of the country.

Among those women, there was only one from São Paulo and one from Rio de Janeiro.

The rest were either from Pará—about a third—or from the Northeast, especially Ceará.

But there were also women from Maranhão, Paraíba, and Pernambuco.

And in smaller numbers, from Piauí and Rio Grande do Norte.

These last two were present in equal numbers to those from another northern state, Amazonas.

Due to the greater social prejudice against them, Brazilian prostitutes did not have the same ease in marrying as their foreign counterparts, according to the governor’s data.

Only one in five Brazilian women was married, while half of the European women had husbands.

Curiously, however, only one in every 16 married Brazilian prostitutes was widowed.

Among the foreign women, on the other hand, one in every four married women was widowed.

Nevertheless, even among foreign prostitutes, there were social differences.

The polacas were “poor prostitutes, almost always illiterate and without a dowry for a good marriage,” as Fábio Varsano states in his article Tráfico de escravas brancas: polacas no Brasil, published in Revista Aventuras na História.

Many of them came from Eastern Europe, he adds.

They left their countries threatened by waves of anti-Semitism.

With no prospects, they ended up being recruited by pimps—among whom, surprisingly, there were Jews.

Unlike them, the cocottes were luxury prostitutes dating back to the 1800s.

They resembled courtesans—the favorites of ancient kings who lived in luxury—says journalist Patrick de Carolis on the website of his program Gran Tour, aired on the French channel France 3.

Intelligent and calculating, they openly lived off influential men, whom they sometimes ruined with their lavish spending on clothes and jewelry, Patrick states.

This was the case with the grandfather and father of Jayme Ovalle, Manuel and Mariano Ovalle, respectively.

It was a cocotte who ruined them, Humberto Werneck recounts in the biography of O Santo Sujo.

Manuel, after becoming a widower, decided to marry a notorious cocotte.

Outraged, his children (Jayme’s uncles) entrusted Mariano (Jayme’s father), still a teenager, with the task of persuading Manuel to abandon this idea.

So Mariano, on behalf of his siblings, presented his father with an argument that seemed capable of sealing the fate of his relationship with the cocotte.

All of Manuel’s sons had had sexual relations with the woman.

Manuel, however, did not back down.

He remained firm in his decision to marry.

And he expelled Mariano from the house.

  • Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.

(Illustration: A photo of a “cocotte” found by Patrick de Carolis.)

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