A relação entre as declarações de Lula e a alta do dólar

O que está ruim sempre pode piorar. É o que acontece com a comunicação do governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou que sua administração precisava aparecer mais na imprensa e utilizou um método consagrado: iniciar uma série de entrevistas exclusivas que repercutem em todos os veículos de mídia. Ontem, foi a vez do portal UOL. Desde que começou suas investidas na imprensa, o dólar saiu do patamar de R$ 5,36 e chegou a bater ontem R$ 5,52.

Em cada ocasião, Lula diz alguma coisa para aumentar a insegurança dos investidores com a sutileza de um elefante em loja de cristais. A pérola de quarta-feira, quando a discussão era sobre o equilíbrio fiscal, foi a seguinte: “O problema não é ter o que cortar, é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação”.

Foi o sinal para mais uma arrancada nas cotações da moeda americana. Afinal, a declaração do presidente pode ser tranquilamente interpretada da pior maneira possível – a de que o governo cogita aumentar impostos para obter mais recursos financeiros e não cortar gastos.

Lula ainda disse que a dívida pública brasileira não cresce “muito rápido” e fundamentou sua opinião utilizando dados municiados por sua equipe de economistas. “Na verdade, se você pegar a média dos países da OCDE, eles gastam sempre 113% do PIB. Se você pegar os Estados Unidos é 123% do PIB, a China, 183%, o Japão é 237%, a França é 112% e a Itália 137%. E o Brasil é, efetivamente, 74%, 76%. Hoje está em 76%”, disse.

A relação entre as declarações de Lula e a alta do dólar

Gasto do governo não é exatamente igual à dívida pública, mas vamos deixar de lado essa discussão. É verdade que a dívida pública brasileira representa hoje 76% do PIB (e o FMI avalia que chegará a 86% ao final do ano). Mas não podemos comparar o Brasil com países ricos como Estados Unidos, Japão ou França. Nessas nações ou temos índices de poupança doméstica muito maiores que os nossos ou instrumentos de financiamento com prazos bem mais dilatados e juros menores. Portanto, a comparação é indevida ou demagógica.

Lula deveria segurar a birra que tem em relação ao mercado financeiro e se policiar na hora de falar com a imprensa – ou simplesmente desistir de falar com os jornalistas por um tempo. Afinal, ele invariavelmente produz afirmações que mexem com as cotações do dólar. E, quando a moeda americana sobe, a inflação cresce. Já vimos esse filme no passado e morremos no final. A inflação é o pior dos tributos, mas pode ser evitado com bom senso e medidas ortodoxas.

Lula precisa entender que não governa apenas para sua militância e que tem a obrigação de oferecer ao país um índice mínimo de estabilidade. O presidente sabe o quanto os investidores são sensíveis e continua provocando polvorosa nos mercados. Talvez ele ache que isso prejudique apenas quem atua no mundo das finanças. Ocorre que um ambiente de insegurança, turbinado com altas constantes do dólar, acaba provocando retração de negócios. Em um ambiente desses, os empresários conseguem se virar. Mas os principais prejudicados são os trabalhadores, que têm seus vencimentos corroídos pela inflação ou seus empregos cancelados por uma eventual crise econômica.

Talvez esteja na hora de o presidente Lula encerrar esse ciclo de entrevistas. Sob pena de o dólar ultrapassar a barreira dos R$ 6,00.

*Coluna escrita por Aluizio Falcão Filho jornalista, articulista e publisher do portal Money Report, Aluizio Falcão Filho foi diretor de redação da revista Época e diretor editorial da Editora Globo, com passagens por veículos como Veja, Gazeta Mercantil, Forbes e a vice-presidência no Brasil da agência de publicidade Grey Worldwide;


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