A paixão brasileira invade os perfis bem-comportados mundo afora

Fazia tempo que não éramos tão brasileiros quanto nesses dias de “Ainda Estou Aqui”. Uma onda gigante de brasilidade inunda a “ilha continental”, como disse Fernanda Torres ao se referir esse imenso país insulado pela língua portuguesa. A exaltação inesperada e surpreendente tem nos revelado, um pouco mais, a nós mesmos e ao mundo.

Nossa paixão desbragada levou o jornal francês “Le Monde” a vir a público reclamar da invasão brasileira a seus perfis. Teve de apagar 21.600 comentários ofensivos de brasileiros quando, em média, apaga uns 700 por dia. Tudo porque o crítico de cinema Jacques Mandelbaum ousou não gostar de “Ainda Estou Aqui” e chamou de “monocórdica” a atuação de Fernanda Torres.

A brasileirada não deixou barato: foi logo acusando os franceses de não tomarem banho. Teve um comentarista que fez um passo a passo do que se deve fazer debaixo do chuveiro. Dizendo ele, só depois de cumprida todas as etapas da higiene pessoal diária, o crítico francês poderia falar mal do filme brasileiro.

A invasão do perfil do Oscar foi com igual fervor. O anúncio dos indicados teve mais de 100 mil comentários, quando a média dificilmente passa de mil: “Pra cima, Fernanda Torres”, ou em caixa alta: “Proibido roubar da mesma família duas vezes” ou ainda “Festão no Bar do seu Chalita”. E dá-lhe bandeirinha do Brasil.

No perfil do Golden Globes, a exaltação não foi menor: nas fotos das cinco indicadas ao prêmio de Melhor Atriz, categoria Drama, se as outras quatro tiveram algumas centenas de likes e algumas dezenas de comentários, Fernanda Torres teve milhares. Anunciada a vencedora, o post com a foto da brasileira teve, só de comentários, mais de 28 mil. Demi Moore, vencedora do prêmio de Melhor Atriz categoria Comédia, teve meros 198 comentários.

Dias atrás, Fernanda Torres correu para publicar um vídeo pedindo encarecida e carinhosamente que os hates deixassem em paz a atriz espanhola Sofía Gascón, também indicada ao prêmio de melhor atriz por sua performance em “Emilia Pérez”.

Fernanda teve de contar que Sofía, numa festa em Los Angeles, quando viu a brasileira meio perdida no meio de tantas celebridades holliywoodianas, a pegou pela mão e a levou para as rodinhas dos megafamosos. E como uma mãe bem brasileira, fez um pedido: “Não vamos tratar ninguém mal e criar uma coisa que é um contra o outro, pelo amor de Deus!”. E termina o vídeo fazendo um coraçãozinho com as duas mãos.

Coração – é esse o órgão do corpo humano que mais nos representa, nós, os brasileiros. O que não quer dizer que tudo que vem do coração é amor, é sentimento bom, nada disso. “A inimizade pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado, escreveu Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”. Para concluir que nós, os brasileiros, não sabemos distinguir o que é da esfera pública e o que é da esfera privada.

Somos fortemente movidos pelo coração, pelo impulso das paixões. “Ainda Estou Aqui” e especialmente Fernanda Torres passou a ser assunto familiar e, sendo assim, com ela ninguém pode mexer. “Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”, a frase que diz tanto de nós. E a propósito de coração exacerbado, o Carnaval 2025 será de “Ainda Estou Aqui”, com ou sem Oscar. Em São Paulo, o bloco “A vida presta” já está na rua com foliãs e foliões fantasiados de … Fernanda Torres

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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