Treta jurídica: advogado ligado a réu por homicídio paga hotel a jurados

O julgamento de um assassinato brutal ocorrido nas proximidades do município goiano de Padre Bernardo, no Entorno do Distrito Federal, precisou ser paralisado após problemas técnicos e uma polêmica envolvendo jurados na última segunda-feira (10/2). A defesa do jovem acusado por homicídio propôs pagar a hospedagem do júri em um hotel. No entanto, conforme o Metrópoles descobriu, os valores saíram das contas de um outro advogado com vínculos políticos na região.

O principal réu é Wallisson Gonçalves dos Reis. Ele é filho de Genivaldo Gonçalves dos Reis e Rosângela Gonçalves dos Reis, ex-prefeitos de Mimoso de Goiás, cidade vizinha ao município de Padre Bernardo, que ainda exercem forte influência nos territórios goianos. Além da acusação pelo assassinato, o homem é suspeito de estar ligado a outros crimes na localidade.

O julgamento foi realizado na Câmara de Vereadores de Padre Bernardo (GO) devido a reformas no prédio do fórum. Segundo a defesa dos acusados, o local não possuía estrutura adequada para o julgamento, incluindo equipamentos eletrônicos, cela e salas especiais para testemunhas e jurados.

Com o fim do primeiro dia da sessão, foi indicado que os membros do júri dormissem em uma escola pública. A falta de acomodações adequadas causou insatisfação entre os jurados, gerando um risco de dissolução do conselho de sentença.

Os advogados de defesa do filho dos políticos expressaram publicamente o desejo de pagar o hotel dos jurados. Porém, o dinheiro veio, na verdade, da conta de um advogado que presta serviços à prefeitura de Mimoso de Goiás.

O Metrópoles apurou que o juiz, na manhã da terça-feira (11/2), decidiu dissolver o conselho de sentença e o júri após ouvir manifestações do Ministério Público de Goiás (MPGO) e da defesa. Novos jurados devem ser escolhidos de forma aleatória a fim de evitar qualquer quebra de imparcialidade e mal-entendido. O MPGO vai realizar apurações para entender os fatos em relação aos pagamentos.

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) confirmou que quedas de energia impediram a gravação do depoimento de uma das testemunhas, impossibilitando a continuidade do julgamento, que foi remarcado para o dia 27 de março. “Apesar dos problemas ocorridos, esclarecemos que tanto os integrantes do Ministério Público quanto da defesa tiveram postura bastante colaborativa”, apontou o TJGO.

Acusado faz parte de família que controla a cidade

Os vínculos dos gestores do município goiano com a defesa do réu se estendem também à gestão do município em 2025. O atual prefeito de Mimoso de Goiás, Rafael Bruno Moreira de Ataides, é primo do acusado por assassinato e, consequentemente, sobrinho do ex-prefeito.

Além do parentesco, o ex-prefeito Genivaldo Gonçalves dos Reis também aparece, atualmente, como secretário de administração de Mimoso de Goiás. A família ainda ocupa mais um espaço importante dentro do município. Juarez Gonçalves dos Reis, irmão do antigo gestor da cidade, controla a secretaria de saúde do local.

Outro tópico que merece atenção é que advogado que pagou a hospedagem dos jurados, além de ser prestador de serviços à prefeitura de Mimoso de Goiás, seria irmão de outro secretário no município. Além disso, ele trabalhou junto à administração da cidade durante as gestões anteriores.

Esclarecimentos da defesa

De acordo com a defesa de Wallisson Gonçalves dos Reis, os advogados solicitaram a dissolução do conselho de sentença, no dia seguinte à polêmica da hospedagem, devido a problemas técnicos de áudio e falta de estrutura. O advogado relatou que houve várias quedas de energia e falhas nos equipamentos de captação de áudio e vídeo durante o julgamento.

O pedido de cancelamento do julgamento foi aceito pelo juiz e teve um parecer favorável do promotor responsável pelo caso. Na visão da defesa, não houve quebra de imparcialidade, pois os jurados não chegaram a nenhuma decisão.

Manifestação da Prefeitura de Mimoso

Procurada, a Prefeitura de Mimoso de Goiás (GO) confirmou que o atual administrador da cidade é primo do réu por homicídio, apontando que a informação sobre o parentesco é um “fato público e notório”.

A administração municipal alegou que o advogado responsável pelo pagamento da hospedagem do primo do prefeito apenas tem um “contrato de assessoria jurídica” com a cidade e, no momento, não ocupa nenhum cargo como servidor. A prefeitura ressaltou que não vai opinar sobre atos pessoais ou profissionais ou de processos do citado advogado fora das cláusulas contratuais.

Em relação à paralisação do julgamento, o município informou que não possui posicionamento, sendo o processo da inteira responsabilidade da Justiça Pública da Comarca de Padre Bernardo (GO).

“Esclarecemos que não existe nenhum envolvimento de servidores do município de Mimoso de Goiás, nem mesmo da prefeitura, no julgamento, ou atos envolvendo o caso, muito menos em pagamento de hospedagem de corpo de jurados da Comarca de Padre Bernardo”, finalizou a administração municipal.

O Metrópoles também enviou mensagens, por meio de redes sociais, para Genivaldo Gonçalves dos Reis e Rosângela Gonçalves dos Reis, antigos prefeitos da cidade goiana e pais do acusado. Não houve resposta até o fechamento desta matéria. O espaço será atualizado se houver eventual manifestação.

Em nota publicada em novembro do ano passado, os ex-prefeitos repudiaram veementemente as “informações caluniosas” que associam o filho ao tráfico de drogas e insinuam que a família utiliza influência política para interferir em processos judiciais. “Desafio qualquer autoridade competente a apresentar provas de que, em algum momento, interferi nas investigações”, disseram. Eles alegam que, durante os mandatos, sempre atuaram com ética e compromisso com a população.

“Reitero que sou um homem íntegro e honesto, que jamais usou ou usará influência política para benefícios pessoais. […] Confio na Justiça e na inocência do meu filho”, finaliza a nota.

Por vezes, a reportagem tentou entrar em contato com os antigos jurados. A maioria das chamadas não chegou a ser atendida e, quando foram realizadas, as pessoas optaram por desligar assim que a situação começou a ser explicada. O hotel também não atendeu às tentativas de contato.

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