Sonho americano virou pesadelo: deportados querem recomeço no Brasil

O Brasil recebeu, em 2025, 199 brasileiros deportados dos Estados Unidos, distribuídos em dois voos, com 88 e 111 pessoas.

Para entender como está sendo a retomada da vida no país, o Metrópoles ouviu dois desses brasileiros. Ambos desembarcaram no Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte (MG).

As histórias descrevem a frustração com o sonho americano, bem como o desejo de um recomeço na terra natal. Um nova tentativa de ir para os EUA, ainda que legalmente, está descartada por ambos.

O mineiro de Governador Valadares João Vitor Batista, de 26 anos, permaneceu nos Estados Unidos durante um período curto, mas o suficiente para traumatizá-lo. Agora, o jovem pretende realizar o sonho de uma vida melhor no Brasil após juntar dinheiro nos EUA.

João Vitor deixou Rio de Janeiro, onde morava, em 3 de janeiro deste ano. O ocorrido o afetou emocionalmente.

“Às vezes eu acordo achando que ainda estou lá. Eu estou sonhando muito com a situação lá, dentro de presídio. Do meu dia a dia, nem lembro. Mas, às vezes, eu durmo e acordo como se eu estivesse lá. Aí cai a ficha de que acabou”, conta.

João Vitor retornou para o Rio, onde mora com o namorado. Agora, ele tem planos de se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no segundo semestre. O curso mais desejado por ele é medicina veterinária. Para garantir o sustento financeiro, a ideia é trabalhar como motorista de aplicativo.

O jovem ainda não matou saudades da família, que reside em Minas Gerais. No entanto, a passagem está comprada e deve ser utilizada na próxima semana. Por enquanto, João Vitor aproveita os dias para se recompor. “Tenho descansado para regularizar meu sono. Também estou comendo bastante, para recuperar o peso que perdi. Dou valor às pequenas coisas”, relata.

O sonho de uma vida melhor existe, mas não tem mais qualquer ligação com os Estados Unidos. Perguntado se retornaria ao país para trabalhar, ainda que tivesse uma documentação, João Vitor respondeu que não tem interesse. “Deve ter americanos bem educados, mas eu não tive essa experiência. Eu tive uma experiência extremamente horrível”, desabafa.

Goiano diz que ainda digere a situação

O gesto do goiano César Diego, de 39 anos, de beijar o chão do aeroporto de Confins (MG), ganhou projeção nacional. Natural de Jaraguá (GO) e morador da turística Caldas Novas (GO), famosa pelas águas termais, o corretor de imóveis expressou sua frustração com a expectativa de uma nova vida nos Estados Unidos.

A primeira semana em solo nacional para César se resume a estar “digerindo” a experiência. “A gente foi com aquela confiaça de que ia ficar, teve um gasto, e ainda estou digerindo a situação”, explica.

César conta que a família e os amigos o receberam “de braços abertos”. A maior preocupação, no momento, são as dívidas resultantes de alguns empréstimos feitos para custear passagens e hospedagem da extensa travessia. Por outro lado, a pretensão é retomar a carreira de corretor de imóveis.

A viagem de Confins para Caldas Novas foi feita de ônibus e custeada por ele mesmo. Com pressa de ver a família, acabou dispensando a ajuda do governo brasileiro, que arcaria com as despesas referentes à hospedagem e à viagem de ônibus.

Casado e pai de dois filhos, de 2 e 10 anos, César buscava uma vida melhor para toda a família ao lado de outros parentes que vivem nos Estados Unidos. Havia, inclusive, uma promessa de emprego como auxiliar de cozinha, com plano de promoção para cozinheiro, a segunda profissão dele.

O goiano embarcou com um primo para os Estados Unidos em 1º de agosto de 2024. A primeira parada foi no Panamá, mas, no trajeto, eles passaram por Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e México.

Depois disso, veio a travessia, encerrada quando ele se entregou aos agentes norte-americanos. A esperança era pedir asilo e conseguir uma documentação de permanência.

César conta que, preso, a chance de ficar legalizado até veio, mas não foi concretizada, porque ele não conseguiu efetuar, no prazo determinado, o pagamento de uma fiança de US$ 5 mil, algo em torno de R$ 32 mil na época.

Além da retomada da carreira profissional no Brasil, César adotou como missão dizer que a travessia ilegal “não vale a pena”. “Eu vi muita história triste. Tem muita agressão. Graças a Deus, nós fomos guardados. Mas, para quem eu puder falar, eu vou falar.  Não vale a pena, de verdade”, pontua.

Agora, César mantém a confiança em dias melhores no Brasil. “Uma cabeça estendida, uma coisa para mudar e, com Deus na frente, tudo vai dar certo”, resume.

Os deportados pelos EUA que chegaram ao Brasil relataram hostilidades por parte dos americanos. A situação mais crítica aconteceu no primeiro voo, que pousou em Manaus. Ao desembarcarem acorrentados, eles relataram terem sofrido agressões psicológicas e físicas. O fato levou o Brasil a pedir explicações aos EUA e criar uma comissão para tratar do assunto.

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