Hydro dá lições de moral ambiental, mas é julgada na Holanda por poluir o Pará

A Norsk Hydro, gigante multinacional sediada na Noruega – um país que frequentemente se coloca como exemplo global em sustentabilidade e faz questão de repreender nações que negligenciam o meio ambiente e as mudanças climáticas –, está no olho do furacão de uma polêmica que expõe uma contradição gritante. Por meio de sua subsidiária Alunorte, a empresa é acusada de contaminar o ar e os rios da região de Barcarena, a menos de 50 quilômetros de Belém, capital do Pará, praticando no Brasil exatamente o que condena em outros lugares.

Nesta quarta-feira (12), a Justiça Holandesa realizou uma audiência em Roterdã para julgar os impactos ambientais causados pela Hydro desde 2002 nas cidades paraenses de Barcarena e Abaetetuba, em um processo que pode marcar um ponto de virada na luta das comunidades locais por justiça.

A ação, movida pela Cainquiama (Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia), representa cerca de 11 mil pessoas afetadas pela poluição decorrente das atividades de mineração da Hydro no Pará. Durante a audiência, os juízes ouviram tanto os moradores prejudicados quanto a defesa da empresa norueguesa.

Agora, a Corte de Roterdã analisará os argumentos apresentados, as provas coletadas e os pareceres de especialistas antes de emitir uma sentença, prevista para ser anunciada no dia 24 de setembro, próximo. O processo tramita na Holanda devido às operações subsidiárias da Hydro no país europeu, mas o foco está nos danos causados no coração da Amazônia brasileira.

No Pará, a Norsk Hydro opera a extração de bauxita na mina Paragominas, no sudeste do estado, e mantém em Barcarena uma refinaria que transforma o minério em alumínio. Um mineroduto de 246 quilômetros conecta as duas unidades, atravessando sete municípios e deixando um rastro de preocupações ambientais.

A ação judicial, que inclui nove indivíduos além da Cainquiama, busca indenização por danos morais e materiais causados às famílias expostas aos resíduos tóxicos gerados pelo processamento de alumínio – a principal atividade da empresa na região.

O grito das comunidades: “Queremos salvar vidas

Maria do Socorro, presidente da Cainquiama, é uma das vozes mais contundentes na luta contra os impactos da Hydro. “A comunidade está sem tratamento médico há anos, e o rio está muito contaminado. Queremos que a justiça de Roterdã olhe pelo meu povo e nos ajude a salvar vidas”, declarou ela ao iniciar o processo.

As comunidades tradicionais de Barcarena e Abaetetuba, representadas pelo escritório internacional Pogust Goodhead em parceria com os escritórios Ismael Moraes Advocacia (Brasil) e Lemstra van der Korst (Holanda), vivem na sombra de uma indústria que, segundo os moradores, transformou rios e ar em ameaças à saúde e à sobrevivência.

Caroline Narvaez Leite, diretora jurídica do Pogust Goodhead, explica que a responsabilidade recai sobre a Norsk Hydro por controlar majoritariamente a Alunorte. “Os autores buscam indenização pelos danos sofridos, mas uma eventual condenação pode ir além: queremos pressionar a empresa a cessar a poluição e mitigar décadas de devastação ambiental”, afirma a advogada.

A ação não é apenas sobre reparação financeira, mas também sobre o futuro de uma região que convive com os efeitos tóxicos de uma gigante que se vende como modelo de sustentabilidade.

A defesa da Hydro: negação e relatórios contestados

A Norsk Hydro, por sua vez, rejeita as acusações com veemência. Em posicionamento oficial, o grupo norueguês afirmou que “nega as alegações com base em argumentos jurídicos e técnicos apresentados à Corte de Roterdã”. Segundo a empresa, relatórios baseados em “análises extensivas de dados ambientais e de saúde” provariam que os danos alegados são infundados.

A Hydro cita, por exemplo, documentos oficiais de 2018 que, segundo ela, confirmam que não houve transbordo de resíduos de bauxita ou impactos significativos causados pela Alunorte. A narrativa da empresa, no entanto, contrasta com uma série de episódios ambientais registrados ao longo das últimas duas décadas no Pará.

Uma história de poluição recorrente

Os problemas da Hydro no Pará não são novidade. Desde 2002, a região de Barcarena acumula incidentes que expõem falhas graves no manejo de resíduos industriais. Em 2002, um derramamento de 100 quilos de coque – um pó preto derivado do petróleo – formou uma mancha de dois quilômetros no Rio Pará.

No ano seguinte, vazamentos de lama vermelha, rica em sílicas, ferro e óxidos de titânio, tingiram o Rio Murucupi de vermelho, matando peixes e levando a empresa a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Pará. Ainda em 2003, um tanque de soda cáustica se rompeu, poluindo novamente o Rio Pará com uma substância corrosiva.

Os episódios se repetiram: em 2004, uma “chuva de fuligem” cobriu Vila do Conde, causando problemas respiratórios; em 2005, outro vazamento de soda cáustica voltou a atingir o Rio Pará; e, em 2009, mais lama vermelha contaminou o Murucupi. Em 2014, a própria Hydro admitiu um vazamento de material cáustico em seu relatório anual.

O caso mais grave veio em 2018, quando um vazamento significativo de lama vermelha da Alunorte poluíram rios e mananciais, expondo moradores a riscos ambientais e de saúde que persistem até hoje.

Noruega sob escrutínio: lições de moral em xeque

Enquanto a Noruega se orgulha de sua reputação ambiental, a atuação da Norsk Hydro no Pará levanta um questionamento incômodo: como um país que critica a negligência climática de outros pode permitir que uma de suas maiores empresas deixe um legado de poluição em terras amazônicas?

A sentença da Justiça Holandesa, em setembro próximo, não será apenas um veredicto sobre a Hydro, mas também um teste para a credibilidade do discurso ambiental norueguês. Para as comunidades de Barcarena e Abaetetuba, é uma questão de sobrevivência – e de exigir que a multinacional pratique, enfim, o que a Noruega tanto prega.

Tradução para o inglês

Hydro Gives Environmental Morality Lessons but Is on Trial in the Netherlands for Polluting Pará

Norsk Hydro, the multinational giant based in Norway—a country that often positions itself as a global example of sustainability and makes a point of reprimanding nations that neglect the environment and climate change—is at the center of a controversy that exposes a glaring contradiction. Through its subsidiary Alunorte, the company is accused of contaminating the air and rivers in the Barcarena region, less than 50 kilometers from Belém, the capital of Pará, practicing in Brazil exactly what it condemns elsewhere.

On Wednesday (12), the Dutch Judiciary held a hearing in Rotterdam to judge the environmental impacts caused by Hydro since 2002 in the Pará cities of Barcarena and Abaetetuba, in a case that could mark a turning point in the local communities’ fight for justice.

The lawsuit, filed by Cainquiama (Association of Caboclos, Indigenous, and Quilombolas of the Amazon), represents around 11,000 people affected by the pollution resulting from Hydro’s mining activities in Pará. During the hearing, the judges listened to both the harmed residents and the defense presented by the Norwegian company.

Now, the Rotterdam Court will analyze the presented arguments, collected evidence, and expert opinions before issuing a verdict, expected to be announced on September 24. The case is being tried in the Netherlands due to Hydro’s subsidiary operations in the European country, but the focus remains on the damage caused in the heart of the Brazilian Amazon.

In Pará, Norsk Hydro operates bauxite extraction at the Paragominas mine in the state’s southeast and maintains a refinery in Barcarena that transforms the ore into aluminum. A 246-kilometer pipeline connects the two units, crossing seven municipalities and leaving a trail of environmental concerns.

The lawsuit, which includes nine individuals in addition to Cainquiama, seeks compensation for moral and material damages suffered by families exposed to the toxic waste generated by aluminum processing—the company’s main activity in the region.

The communities’ outcry: “We want to save lives”

Maria do Socorro, president of Cainquiama, is one of the most outspoken voices in the fight against Hydro’s impacts. “The community has been without medical treatment for years, and the river is heavily contaminated. We want the Rotterdam court to look out for our people and help us save lives,” she declared as the lawsuit was initiated.

The traditional communities of Barcarena and Abaetetuba, represented by the international law firm Pogust Goodhead in partnership with Ismael Moraes Advocacia (Brazil) and Lemstra van der Korst (Netherlands), live in the shadow of an industry that, according to residents, has turned the rivers and air into threats to health and survival.

Caroline Narvaez Leite, legal director of Pogust Goodhead, explains that responsibility falls on Norsk Hydro for being the majority controller of Alunorte. “The plaintiffs seek compensation for the suffered damages, but a potential conviction could go further: we want to pressure the company to stop polluting and mitigate decades of environmental devastation,” says the attorney.

The lawsuit is not just about financial reparations but also about the future of a region that continues to suffer from the toxic effects of a corporation that sells itself as a model of sustainability.

Hydro’s defense: denial and contested reports

Norsk Hydro, in turn, vehemently denies the allegations. In an official statement, the Norwegian group stated that it “rejects the claims based on legal and technical arguments presented to the Rotterdam Court.” According to the company, reports based on “extensive analyses of environmental and health data” would prove that the alleged damages are unfounded.

Hydro cites, for example, official 2018 documents that, according to the company, confirm there was no bauxite residue overflow or significant impacts caused by Alunorte. However, the company’s narrative contrasts with a series of environmental incidents recorded over the past two decades in Pará.

A history of recurring pollution

Hydro’s problems in Pará are not new. Since 2002, the Barcarena region has accumulated incidents exposing severe failures in handling industrial waste. In 2002, a spill of 100 kilograms of coke—a black powder derived from petroleum—created a two-kilometer stain in the Pará River.

The following year, leaks of red mud, rich in silica, iron, and titanium oxides, turned the Murucupi River red, killing fish and leading the company to sign an Adjustment of Conduct Agreement with the Pará Public Prosecutor’s Office. Also in 2003, a caustic soda tank ruptured, once again polluting the Pará River with a corrosive substance.

The incidents continued: in 2004, a “soot rain” covered Vila do Conde, causing respiratory problems; in 2005, another caustic soda spill hit the Pará River again; and in 2009, more red mud contaminated the Murucupi River. In 2014, Hydro itself admitted a caustic material leak in its annual report.

The most serious case came in 2018 when a significant red mud leak from Alunorte polluted rivers and water sources, exposing residents to environmental and health risks that persist to this day.

Norway under scrutiny: morality lessons in question

While Norway prides itself on its environmental reputation, Norsk Hydro’s actions in Pará raise an uncomfortable question: how can a country that criticizes other nations for climate negligence allow one of its largest companies to leave a legacy of pollution in the Amazon?

The Dutch Judiciary’s ruling in September will not only be a verdict on Hydro but also a test of the credibility of Norway’s environmental discourse. For the communities of Barcarena and Abaetetuba, it is a matter of survival—and of demanding that the multinational finally practice what Norway so adamantly preaches.

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