Os franceses são uma inspiração (Por Miguel Esteves Cardoso)

É preciso admirar o espírito francês. Ao ler os jornais ingleses que fizeram troça do dilúvio que encharcou a abertura dos Jogos Olímpicos, ocorreu-me que os franceses mostraram ser ainda mais ingleses do que os ingleses, transformando um azar meteorológico num triunfo da vontade humana.

Os franceses sabiam que ia chover – e chover bem. Mas seguiram em frente. O que é um bocadinho de chuva, quando se trata de mostrar ao mundo a cidade mais maravilhosa que o mundo já viu?

É preciso admirar o espírito parisiense. Eles têm a atitude certa para com os turistas, mas os turistas vêm na mesma, porque os parisienses têm razão: é muito chato viver numa cidade invejada pelo mundo inteiro.

Paris tem enfrentado tantos azares e tantas tragédias, é diariamente confrontada com tantos problemas terríveis, que a atitude sensata teria sido fugir aos Jogos Olímpicos.

Como sempre, os velhos do Restelo, lá do Restelo de Paris, que não imagino como se chame, tinham razão, mas foram na mesma derrotados, e ainda bem que foram: não temos maneira de receber tanta gente, a cidade está pelas costuras, o trânsito está impossível, o policiamento é insuficiente, e os terroristas estão em pé de guerra. Não seria melhor deixarmo-nos estar?

.Todo o mundo ganha com a vaidade francesa. Os ideais franceses são cada vez mais importantes. E a maneira de viver dos franceses – e as exigências constantes que para eles são a única maneira de a defender – é um exemplo para o mundo.

Eles sabem. Sabem viver. Sabem amar. Sabem comer. Sabem discutir. Sabem manter as coisas de que gostam. E sabem barafustar. Não há espectáculo mais inspirador do que um francês a queixar-se: pode estar a queixar-se de uma coisa que só a ele diz respeito, mas queixa-se como se fosse em nome de toda a república.

Não se importam que o mundo se ria deles. São ridículos, mas são sérios. Rimo-nos, porque gostamos deles. E porque gostamos deles assim, sem tirar nem pôr.

Obrigado, França!

(Transcrito do jornal PÚBLICO)