Posse de Trump inaugura era do populismo empresarial

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O dono da Amazon, Jeff Bezos; Mark Zuckerberg, criador da Meta; o CEO do TikTok, Shou Chew – que, aliás, mal foi banido, voltou a operar nos EUA graças, segundo ele mesmo, a Donald Trump –; o CEO do Google, Sundar Pichai, além, é claro, de Elon Musk e seus parças Peter Thiel e David Sacks, e o fundador do Netscape e investidor Marc Andreessen. Os homens que comandam as Big Techs estarão em peso nos disputados assentos da cerimônia de posse de Donald Trump nesta segunda-feira. 

Dividirão, todo sorrisos, as fileiras com nomes como Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana que endureceu o combate à imigração; o político francês Éric Zemmour, que propaga a teoria da “grande substituição”, segundo a qual a imigração seria um plano globalista para substituir a Europa branca por imigrantes, em especial muçulmanos; o belga Tom Van Grieken, do partido de extrema direita Vlaams Belang; Tino Chrupalla, líder do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), um negacionista da covid e da história da derrota alemã na Segunda Guerra; o britânico Nigel Farage, do UKIP, crítico ácido da União Europeia; e o presidente argentino Javier Milei. Além do nosso arroz de festa de direita, Eduardo Bolsonaro, e de Michele Bolsonaro. 

Com a volta de Trump à Casa Branca, entramos em uma nova era, a do populismo empresarial. O termo, que devo à jornalista venezuelana Luz Mely Reyes, resume bem o novo estágio que supera o populismo digital, aquele em que líderes populistas se utilizavam das redes para chegar ao poder, manipular a opinião pública e criar falsas realidades. Agora, a realidade paralela está no poder e a classe empresarial está embebida dela, torcendo para que nenhum menino desavisado aponte para seus CEOs naquele banco e grite: “O fascismo está nu”. 

Não se trata apenas de líderes empresariais que sempre se arvoram em defensores da democracia e dos direitos, dividindo espaço com extremistas e aplaudindo um discurso que ressaltará a imaginária fraude nas eleições de 2020 e prometerá vingança, garantirá que os imigrantes são o mal da nação e serão deportados em massa, e que o mundo é dos machos e fortes. Boa parte dos CEOs está se enrolando na bandeira MAGA como modo de demonstrar que acreditam que a nova era chegou – como disse Mark Zuckerberg, um “ponto de virada cultural”. 

Entraram na guerrilha cultural nada menos do que McDonald’s, Ford, Walmart, Harley-Davidson, Boeing, além das empresas de tecnologia Amazon, Microsoft, Zoom e Meta, que recentemente anunciaram o fechamento dos seus programas de diversidade. Essas corporações sabem que não basta aplaudir o novo governo Trump, é preciso vestir a camisa para fugir de eventual retaliação – afinal, ou se está do lado do trumpismo, ou se está contra ele. 

É uma novidade que os motores da nação mais capitalista do mundo tenham decidido que é preciso deixar de lado a postura “profissional”, “neutra”, para avançar seus negócios. Lembremos: durante o primeiro governo Trump, foi muitas vezes a pressão sobre o empresariado que ajudou a criar resistência a suas práticas autoritárias. Muitas empresas adotaram políticas opostas ao que o governo pregava durante a covid, mandando os funcionários para casa. Depois dos protestos pela morte de George Floyd, criaram programas de diversidade e pró-LGBTQIA+. Foi durante a era Trump que uma iniciativa como o Sleeping Giants conseguiu realizar boicotes a empresas que anunciavam em canais desinformativos. E foram as Big Techs que calaram Trump depois da derrota eleitoral de 2020, ao criar o expediente de “desplataformização” do presidente quando este começou a espalhar fake news sobre fraudes nas urnas. 

Tudo isso foi por água abaixo agora. O que poderia ser definido como uma certa resistência empresarial em prol da civilidade ficou no espelho retrovisor. 

Por um lado, acionistas conservadores estão pressionando empresas como Target, Apple e a rede de supermercados Costco a cancelar suas políticas de diversidade. Alguns deles, financiados por fundos cristãos, têm processado empresas que abraçam esses programas, alegando que trazem prejuízo aos acionistas. Segundo uma reportagem recente da Infomoney, há mais de meio trilhão de dólares investidos em fundos conservadores de nomes como “Inspire Investing” e “Cavaleiros de Colombo”, que buscam influenciar políticas corporativas para “honrar o Senhor com todos os seus recursos”.  

Mas não é só isso. Nessa nova roupagem do trumpismo, misturam-se interesses empresariais com interesses de governo, aliados a uma visão da sociedade que acredita que pesos e contrapesos não deveriam servir para os grandes capitalistas. Melhor dizendo, paira uma ideologia que acredita piamente que os ricos são ricos porque merecem, afinal souberam gerir suas empresas, e que o governo deve ser gerido como uma startup. 

Mistura-se o autoengano do bom-mocismo do Vale do Silício com a patifaria mais descarada de fraudadores em série como o próprio Donald Trump, que, aliás, sempre foi péssimo de negócios e já quebrou sei lá quantas vezes.  

Neste novo bololô ideológico, estão CEOs que se sentem frustrados pelos (tímidos) avanços regulatórios realizados pelo governo Biden em relação à inteligência artificial assim como aos processos abertos pelo Departamento de Justiça sob seu comando para penalizar as práticas anticompetitivas de empresas como Amazon e Google. 

Um acordo que foi “quebrado”, como explicou o bilionário investidor tech Marc Andreessen, antigo democrata e hoje conselheiro de Trump, ao New York Times. “Era algo que todos entendiam: você é um empreendedor, um capitalista, começa uma empresa, faz a empresa crescer e, se der certo, ganha muito dinheiro. E, então, a própria empresa é boa porque está trazendo nova tecnologia para o mundo, o que torna o mundo um lugar melhor.” 

Basicamente, a guinada à extrema direita ocorreu porque Andreessen passou a se perguntar por que capitalistas como ele, que fundaram tantas startups e conseguiram grandes lucros sem ter que prestar muitas contas a qualquer governo dentro ou fora dos EUA, estavam de repente sendo maltratados pelo governo e pela opinião pública. Eles deveriam ser deixados livres para “crescer rápido e quebrar as coisas”. Mesmo que “as coisas” sejam a democracia. 

A culpa deveria, portanto, ser da “cultura woke”. 

A coisa piora ainda um pouquinho mais quando se mergulha nos debates que estão ocorrendo entre os CEOs de Trump. Marc Andreessen é um dos que, assim como o vice-presidente JD Vance, têm dado ouvidos a um polemista de direita de nome Curtis Yarvin, que tambem figurou recentemente nas páginas do New York Times. Sua principal proposta? A democracia já não funciona. Os EUA deveriam ser geridos como uma espécie de monarquia, tendo um “CEO” com poder absoluto.

“O Franklin Roosevelt foi um ditador? Eu não sei. O que eu sei é que americanos de todas as vertentes basicamente reverenciam Roosevelt., e Roosevelt conduziu o New Deal como uma startup.”, disse ele. “Se você quiser chamar [George] Washington, [Abraham] Lincoln e Roosevelt de ‘ditadores’, essa palavra pejorativa… Eles eram basicamente CEOs nacionais e estavam dirigindo o governo como uma empresa, de cima para baixo.”

Os pesos e contrapesos próprios da democracia seriam, portanto, apenas obstáculos a serem demolidos. E, sob esse prisma, faz sentido que as relações de apoio político se transformem em meramente transacionais: ganha quem “cai nas graças” do CEO. 

A melhor síntese dessa nova era foi exposta pela cartunista Ann Telnaes, que fez para o Washington Post um desenho que mostrava os chefões das Big Techs enfileirando-se para entregar sacos de dinheiro a Donald Trump antes mesmo da posse. 

O desenho foi censurado pela empresa de Jeff Bezos, e ela se demitiu, completando, talvez, o que pode ser visto como uma icônica obra de arte performática, que conseguiu expor de maneira crua como funciona a nova era do populismo empresarial americano. 

Bem-vindos à nova era Trump.  

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