Diretores de agências triplicam salário com viagens ao exterior

Diretores de agências reguladoras triplicam o próprio salário por meio de diárias recebidas durante viagens internacionais, o que inclui a realização de worskhops e cursos no exterior.

Conforme revelou a coluna, as 11 agências do país gastaram cerca de R$ 5,6 milhões no ano passado com passagens e diárias de seus diretores para a realização de missões no exterior. No total, eles fizeram 198 viagens internacionais em 2024 e chegaram a ficar até três meses fora do país.

A gastança ocorreu em meio a um ano de restrições orçamentárias. Em 2024 as agências reguladoras divulgaram uma nota conjunta criticando um corte de cerca de 20% e indicando risco ao funcionamento das atividades diante da restrição de verba.

As diárias pagas aos servidores têm como objetivo, essencialmente, ajudar no custeio das despesas com alimentação, locomoção e hospedagem durante a missão. O servidor, no entanto, usa o dinheiro recebido da maneira que preferir.

Então presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres foi o diretor que recebeu em 2024 o maior valor em diárias por missões fora do país: R$ 216,1 mil. Foram 12 viagens para Lisboa, Coimbra (Portugal), Havana (Cuba), Assunção (Paraguai), Washington, San Diego, Irvine, Silver Spring (Estados Unidos), Basiléia, Genebra (Suíça), Cidade do México (México), Nova Delhi (Índia) e Beijing (China).

Em uma dessas viagens realizadas aos Estados Unidos, em junho passado, Torres ganhou R$ 43,2 mil em diárias. Com isso, ele conseguiu triplicar o próprio salário de R$ 19.001,04 que recebia como diretor-presidente da Anvisa. Na ocasião, ele passou 22 dias entre San Diego, na Califórnia, e Washington participando de convenções e reuniões com autoridades internacionais.

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Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa, em audiência da CPI da Covid, no Senado, em maio de 2021

Entre 28 de setembro e 6 de outubro, Torres voltou aos Estados Unidos e ganhou R$ 20,4 mil em diárias. Em seguida, entre 10 e 27 de outubro, viajou a Nova Delhi, na Índia, e a Beijing, na China, e recebeu mais R$ 22,4 mil, novamente triplicando o salário do mês.

Diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Felipe Fernandes Queiroz foi o segundo diretor de agência reguladora que mais recebeu diárias por missões no exterior. Ele passou dois meses fora do país, embolsando R$ 132,4 mil.

No fim de agosto, Queiroz foi a Boston para participar de um workshop sobre “teoria e ferramentas do Projeto de Negociação de Harvard”. Ganhou R$ 20,4 mil em diárias, quase dobrando o próprio salário, de R$ 28.277,47.

A ANTT foi um dos órgãos que mais reclamou dos cortes do governo. A agência chegou a dizer, em nota, que os cortes do início de 2024 resultaram inclusive na demissão de “grande parte da mão de obra terceirizada”. A redução orçamentária foi objeto de reclamação da ANTT especialmente em agosto, após novo corte. Na ocasião, nota da agência indicou que a medida “[colocava] em risco o funcionamento das atividades” do órgão.

Terceiro no ranking, o diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Alexandre Freire recebeu R$ 103,6 mil em diárias de seis viagens internacionais no ano passado.

Em julho, recebeu R$ 20,3 mil para viajar a Cambridge, nos Estados Unidos, e participar de um evento de curso sobre inteligência artificial ofertado pela Harvard Kennedy School. Voltou à cidade em dezembro e ganhou mais R$ 21,6 mil para participar de um novo evento de capacitação para líderes emergentes. Freire já ganha R$ 18.630,13 como diretor da Anatel.

O que dizem as agências reguladoras

Anvisa

Em nota, a Anvisa explicou que realiza missões para participação de seus servidores em eventos de capacitação, visitas técnicas e institucionais, e representação em fóruns internacionais de organizações da qual a Anvisa participa, a exemplo do MDSAP, IMDRF, ICMRA, PIC/S, ICH, ICCR, dentre outros.

ANTT

A ANTT assegurou que todos os investimentos são planejados com responsabilidade fiscal e em conformidade com o orçamento público.

A agência esclareceu que as viagens para o exterior estão vinculadas às atividades do setor de transportes terrestres e que os intercâmbios visam capacitar o corpo técnico da ANTT em alto nível, em colaboração com entidades internacionais do setor.

“Essas experiências viabilizaram a implementação de projetos importantes no Brasil, como o Free Flow (Pedágio Eletrônico) e o HS-WIM (Pesagem em movimento). Além disso, o conhecimento adquirido internacionalmente contribuiu para avanços regulatórios e jurídicos significativos, incluindo a modernização e ampliação da sustentabilidade nos novos contratos de concessão, com novas matrizes de risco climático, cambial e de variação de insumos.”

“Durante os encontros, também são exploradas temáticas variadas, como sustentabilidade, transição energética, infraestrutura na economia global, disparidades e reequilíbrios contratuais, e concessões de serviços delegados”, prosseguiu.

A ANTT acrescentou que parte das viagens está associada ao desenvolvimento do Programa de Experiência Técnica Internacional (Peti).

“Além disso, diretores e servidores são frequentemente convidados para representar a Agência em premiações internacionais ou para atuar como palestrantes em eventos do setor, promovendo a troca de informações e o contato com especialistas”, finalizou.

Anatel

Em nota, a Anatel informou que a Lei nº 9.472/97 atribui ao órgão o papel de representar o Brasil em todos os foros internacionais de telecomunicações.

“Sendo assim, é imperativa a participação da Anatel em eventos internacionais para defender pontos de vista e sustentar a adoção de medidas consideradas tecnicamente adequadas pelo Brasil e, muitas vezes, também por seus parceiros regionais. A Anatel inclusive possui uma assessoria internacional para coordenação dessa atuação, que é bastante profícua em termos de resultados para o país”, complementou.

A Anatel acrescentou que, em relação aos esforços de contingenciamento orçamentário, foram executadas medidas ao longo do ano passado que resultaram na economia de R$ 20 milhões aos cofres públicos.

Antaq

A Antaq informou que realiza viagens internacionais com o objetivo de promover o intercâmbio de conhecimentos e realizar benchmarking com a finalidade de alinhar suas práticas regulatórias às melhores referências globais.

“A atividade marítima e portuária é, por natureza, internacional. Assim, a regulação do setor precisa refletir esse contexto”, afirmou, em nota.

O órgão acrescentou que cerca de 95% das exportações brasileiras passam pelos portos.

“Por essa razão, é essencial que as normas aplicadas no Brasil e os projetos de infraestrutura conduzidos pela agência estejam alinhados com os melhores padrões internacionais. Isso garante homogeneidade nas regulações, traz estabilidade para o comércio exterior e contribui para o desenvolvimento do setor aquaviário”, explicou.

“Importante também ressaltar que a agência se utiliza de missões internacionais para divulgar sua carteira de projetos, com o intuito de aumentar o número de interessados e, por conseguinte, a competitividade dos processos licitatórios por ela conduzidos”, prosseguiu.

ANP

A ANP afirmou que tem tomado uma série de medidas para reduzir os gastos da agência, de forma geral, diante do cenário de cortes orçamentários.

Especificamente com relação a gastos com viagens internacionais, destacam-se as seguintes ações:

  • Compra de passagens com a maior antecedência possível, visando à redução dos valores;
  • Definição de um número máximo de servidores que podem participar da missão/viagem internacional;
  • Redução de dias de estadia em viagens internacionais ao mínimo possível, a fim de reduzir os gastos com diárias;
  • Viagens em classe econômica, mesmo que o cargo faça jus à executiva;
  • Negociação de gratuidades em seminários e outros eventos internacionais.

Aneel

Em nota, a Aneel informou que “as missões citadas” servem para aprimorar a regulação da Agência, “propiciando a interação com as melhores práticas internacionais e contribuem para o favorecimento do intercâmbio de experiências com agentes reguladores de outros países, referências em regulação como o Brasil”.

Por fim, a Aneel ressalta que teve uma redução em 2024 de 42% nos gastos com viagens internacionais em relação a 2023. “Essa redução ocorreu, principalmente, devido à restrição de disponibilidade orçamentária para essa rubrica, orientação dada pela Diretoria Colegiada da Aneel para tal finalidade”.

ANA, Anac e ANM não se manifestaram. Os diretores da Ancine não realizaram viagens internacionais em 2024.

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