Ministra reúne com indígenas, Helder não dialoga e o impasse persiste

A capital paraense se tornou palco de uma disputa que evidencia tensões históricas e desafios contemporâneos na relação entre o governo e os povos indígenas. Na manhã desta segunda-feira (27), a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, chegou a Belém para dialogar com os cerca de 400 indígenas de 20 etnias que, há duas semanas, ocupam a sede da Secretaria Estadual de Educação (Seduc). O principal objetivo é mediar a crise desencadeada pela aprovação da lei estadual nº 10.820/2024, que altera o Sistema Modular de Ensino (Some) e seu equivalente para comunidades tradicionais, o Somei.

A mobilização reflete o esgotamento das comunidades indígenas diante do que descrevem como posturas “arrogantes” e “narcisistas” do governador Helder Barbalho (MDB). Seguindo essa narrativa, lideranças apontam a recusa do governador em participar de um diálogo direto com as lideranças indígenas, gesto que intensifica a percepção de distanciamento e descaso.

Representantes de ao menos 14 comunidades indígenas estão exigindo a revogação imediata da lei 10.820/2024. A normativa altera a estrutura do Some e Somei, criando condições que, segundo os manifestantes, inviabilizam o acesso pleno à educação nas aldeias. Embora o governo do estado insista que as aulas presenciais serão mantidas, lideranças indígenas denunciam que, na prática, a educação será deslocada para centros urbanos ou realizada por ensino à distância.

Auricélia Arapiuns, importante voz do Baixo Tapajós, enfatiza que a proposta não apenas desconsidera as realidades locais, mas também não foi objeto de consulta prévia com os povos impactados, uma violação ao direito de consulta livre, prévia e informada, garantido por convenções internacionais.

“Nós queremos uma lei que seja fruto de diálogo real, onde possamos ser consultados e participar da sua construção. É inadmissível que consigamos avançar com o Ministério da Educação e com o Ministério dos Povos Indígenas, mas não com o governo estadual”, declarou Auricélia.

Ela também criticou o formato imposto pelo governo de divisão por etnorregiões para compor grupos de trabalho: “Essa estrutura não contempla a diversidade dos povos e reforça uma visão centralizadora que não reflete nossa realidade”.

Reivindicações ampliadas

Além da revogação da lei, os manifestantes também pedem a exoneração do Secretário de Educação, Rossieli Soares, por considerá-lo insensível às demandas indígenas. Para os ocupantes, a continuidade de Soares no cargo simboliza a falta de compromisso do governo com soluções concretas para a crise.

“É uma crise educacional sem precedentes. Não estamos lutando apenas por infraestrutura, mas pelo respeito ao nosso modo de vida e pela manutenção de um sistema de ensino que nos valorize como povos indígenas”, afirmou uma liderança Munduruku presente na ocupação.

Em entrevista à TV Liberal, o governador Helder Barbalho reiterou que não há intenção de encerrar as aulas presenciais e afirmou que está trabalhando na criação de uma lei estadual que aperfeiçoe a educação indígena. Barbalho mencionou três encontros com lideranças indígenas e destacou avanços, como a previsão de concurso público para professores temporários do Somei.

Contudo, a postura do governador tem sido alvo de duras críticas. Para lideranças como Auricélia Arapiuns, “o que falta é vontade política para sentar com as lideranças e discutir medidas que respeitem as realidades locais”. A ausência de um encontro direto com os manifestantes reflete, segundo ela, uma tentativa de deslegitimar a mobilização.

Ocupação e resistência

Atualmente, a ocupação da Seduc envolve mais de 400 pessoas, incluindo representantes das etnias Wai-wai, Munduruku, Tembé, Xikrin, Tupinambá, Arapiun, Tapuya, Tapuia, Warau, Kumaruara, Borari, Maytapu, Jaraqui e Turiwara. Todos denunciam a atual situação como uma “crise na educação indígena”.

A ministra Sônia Guajajara, que se reúne com lideranças indígenas e representantes do governo, tenta mediar uma solução que evite o agravamento do conflito. Apesar disso, as negociações ainda não avançaram significativamente. Para os indígenas, o tempo está se esgotando, e o movimento segue determinado a não recuar até que suas demandas sejam atendidas.

O impasse atual revela um descompasso estrutural entre governo e comunidades indígenas. O movimento, que se consolida como um grito por dignidade e respeito, desafia o governador Helder Barbalho a abandonar posturas políticas que reforçam barreiras e a optar por um diálogo direto e respeitoso.

Contudo, a solução passa, necessariamente, pela construção de um sistema educacional que respeite as especificidades culturais dos povos indígenas e os coloque como protagonistas de suas próprias histórias.

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