“Vivo sob tensão”: política imigratória de Trump assusta brasileiros

A comunidade brasileira nos Estados Unidos vive um cotidiano de temor com as primeiras medidas do novo presidente americano, Donald Trump. O líder republicano, que iniciou na semana passada seu segundo mandato, prometeu colocar em prática o projeto da maior expulsão de imigrantes da história do país. No estado do Massachusetts, no nordeste, internautas expressam tristeza e preocupação nas redes sociais após a detenção de um brasileiro em situação irregular pela polícia americana.

A notícia suscitou uma imensa comoção na comunidade brasileira de Massachusetts, onde vivem cerca de 350 mil cidadãos originários do Brasil. Uma blitz de agentes federais na cidade de Marlborough, na periferia de Boston, deteve no início desta semana o carioca Lucas dos Santos Amaral, dono da empresa de pintura New Color Concept. Segundo mídias locais, o brasileiro não tem passado criminal e a prisão foi feita pela polícia do serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês).

A operação ocorre dentro da nova política imigratória americana, que se acirrou desde a volta ao poder de Donald Trump, para quem pessoas sem documentos representam a principal ameaça à segurança do país. Nas primeiras horas após a posse do líder republicano, no último 20 de janeiro, ele assinou uma série de ações executivas que miram nos imigrantes ilegais, entre eles, milhares de brasileiros que vivem nos Estados Unidos.

No último sábado (24/1), um primeiro avião deixou o país e pousou em Manaus (AM), transportando os primeiros brasileiros expulsos durante a nova administração Trump. Um segundo voo para levar à força expatriados de volta ao Brasil está previsto para o dia 7 de fevereiro.

Sensação permanente de pânico

A situação exaspera a comunidade brasileira nos Estados Unidos. O faz-tudo Sebastian* descreve uma sensação permanente de “pânico” e “tensão” ao “trabalhar o dia todo como medo, como se eu fosse um fugitivo”. Morador da periferia de Boston, ele chegou aos Estados Unidos há cerca de três anos com o visto de turismo, que expirou há algum tempo, o que não o impede de trabalhar, alugar um apartamento e ter carteira de motorista. Diante do caso do brasileiro detido em Marlborough, ele contou à RFI que teme ter o mesmo destino.

“A gente corre o risco de uma hora ocorrer uma blitz ou você estar no supermercado – onde pode ocorrer uma operação para pegar alguém que a polícia esteja perseguindo – e acabar sobrando pra gente”, diz. “Está muito tenso, tem muita gente apavorada, alguns estão desistindo e voltando para o Brasil. A gente espera que essa onda passe logo, depois de oito dias de todas essas coisas acontecendo. Vamos ver quais serão as cenas do próximo capítulo.”

Sebastian descreve um medo generalizado entre os brasileiros em situação irregular.

“Muita gente não está saindo de casa, muitas famílias não estão mandando os filhos para as escolas, com medo de serem detidos. Mas vão fazer como? Nas escolas da minha região, 80% das crianças são filhos de imigrantes ilegais”, aponta. “Eu estou o tempo todo tomando cuidado no trânsito. Se soa uma sirene, eu já fico alerta”, reitera.

Por enquanto, Sebastian não pensa em voltar para o Brasil. “Já senti vontade de ir embora, mas me acalmei um pouco e vou ver no que dá. Como minha situação aqui é ‘sem status’, consultei um advogado e, se caso acontecer alguma coisa, tenho direito a responder [à Justiça] aqui. Meu caso é diferente de pessoas que vieram pela fronteira com o México, muitos têm ordem de deportação e já deveriam ter saído do país”, observa.

Para Heloisa Galvão, diretora do Grupo Mulher Brasileira, radicada em Massachusetts, “a perseguição aos imigrantes é uma meta do governo”. A jornalista e ativista carioca acredita que a nova administração tem o objetivo explícito de criar medo, pânico e isolamento, “de forma que a comunidade imigrante não levante a cabeça, não se una, não se organize, não tenha coragem de lutar pelos seus direitos e nem saiba quais são os seus direitos”. “Desta forma, não só o presidente [Trump], mas as as pessoas que trabalham com ele, têm o poder de controlar esse povo”, diz à RFI.

Heloisa explica que o Grupo Mulher Brasileira e outras organizações de apoio a imigrantes nos Estados Unidos estão realizando um imenso trabalho para orientar os expatriados.

“Queremos mostrar que todos têm direitos, que os direitos dos civis não foram erradicados, que não importa como a pessoa chegou aqui, ela continua sendo um ser humano”, diz. “Imigrante não é criminoso. Pesquisas mostram que imigrantes, de uma forma em geral, cometem muito menos crime do que a população local”, salienta.

Mobilização nas redes sociais

Nas redes sociais, brasileiros que vivem em Massachusetts prestam solidariedade a Lucas dos Santos Amaral. Em entrevista às mídias locais, a esposa dele, a cantora gospel Suyanne Boechat Amaral, afirma que a prisão foi aleatória. Segundo ela, o marido foi detido após sair para trabalhar, perto da residência do casal, em uma blitz onde policiais verificaram que Lucas está sem status imigratório. O carioca entrou nos Estados Unidos com visto de turista e permaneceu no país após o documento expirar.

A moradora de Marlborough também alega que o marido não tem antecedentes criminais e que a família paga seus impostos corretamente. O casal tem uma filha de três anos e Suyanne está grávida de um mês e meio.

A comunidade brasileira da região organiza uma coleta de dons para ajudar Suyanne a arcar com o processo pela permanência do marido. “Foi algo que mexeu com todo mundo”, diz Barbara, uma brasileira radicada nos Estados Unidos e amiga de Suyanne. “A gente tem o dever de ajudar essa família, porque aqui nos Estados Unidos, [contratar] advogado custa um rim”, diz.

“Tomem cuidado”

Em Boston, a brasileira Carolina também participa da campanha em apoio ao brasileiro detido. “Faça sua parte e tenha empatia porque isso poderia acontecer com qualquer um de nós”, diz em stories no Instagram. “Tomem cuidado. Não é uma brincadeira, o que está acontecendo é real e a gente precisa se resguardar o máximo.”

Aline, moradora de Northborough, na periferia de Boston, descreve em um post no Instagram “um clima muito pesado” e de “muito medo”. “Eu aconselho a você que está aqui de forma ilegal que ore não somente para a sua família, mas para todas as pessoas que podem estar sendo presas injustamente”, afirma.

Vários membros da comunidade brasileira em Massachusetts também expressam sua esperança de que a situação mude nos próximos dias. “Temos que continuar confiando enquanto a gente não tem nenhuma certeza. A gente vai continuar crendo que o melhor vai acontecer”, diz a brasileira Camyla no Instagram.

Melissa, outra brasileira radicada nos Estados Unidos, também alerta para algumas atitudes que pessoas em situação ilegal vêm tomando para tentar escapar de eventuais operações policiais, como não enviar os filhos para a escola ou não comparecer a convocações das autoridades. “Se você não vai na corte, você se ferrou de vez, porque aí você é um procurado da Justiça. Enquanto você está na corte, você tem direito de brigar. Você precisa procurar um advogado de imigração em uma hora dessas”, recomenda.

João, morador de Framingham, conhecida como a cidade mais brasileira dos Estados Unidos, relativiza. Em entrevista à RFI, ele afirma que o endurecimento da política imigratória americana é um hábito entre “novos governantes”. Segundo João, Trump também tem “um estilo diferente do [presidente] antecessor” e as notícias sobre deportações têm mais repercussão neste momento devido às redes sociais, “que hoje são muito vistas e algumas aproveitam para desinformar”.

Dados do ICE apontam que no primeiro mandato de Trump (2017-2020), o governo americano deportou cerca de 935 mil pessoas. Durante a administração democrata de Joe Biden, 545 mil imigrantes ilegais foram expulsos.

No entanto, no último governo, a quantidade de brasileiros deportados foi maior: 7.168. Na primeira administração Trump, 6.776 cidadãos originários do Brasil foram expulsos dos Estados Unidos.

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