HÁ VINTE ANOS – A língua errada do povo, a língua certa do povo

Sempre que volto ao Recife tento resgatar expressões deliciosas conservadas na memória de alguns poucos que teimam em não deixar que elas desapareçam. “Aproxime-se para lá” é uma delas. Parece uma contradição ou um chiste. Mas não é. Significa: “Chege para cá, mas nem tanto”.

“Me inclua fora dessa” é uma contradição. Pode se aplicar aos petistas inconformados com os rumos do governo Lula, mas que mesmo assim não querem largá-lo.

“Nem tão pouco para mim” serve para responder a qualquer pergunta – sem respondê-la de forma direta e definitiva. Foi muito usada pelo escritor e teatrólogo Hermilo Borba Filho, e é mantida viva por sua viúva, a atriz e conhecedora profunda de cultura popular, Leda Alves.

“Inteligência sinônima” foi a expressão cunhada pelo Capitão Antônio Pereira, do Boi Misterioso de Afogados. O capitão já morreu. Na verdade, quando queria exaltar qualquer coisa, ele se valia de um adjetivo acompanhado da palavra sinônimo – que no entender dele, se prestava a acentuar a qualidade agregada pelo adjetivo.

“Aquela mulher é de uma fogosidade sinônima” queria dizer que ela era fogosa em excesso.

Algum dicionarista deveria se interessar por registrar a língua errada do povo, a língua certa do povo, como observou o poeta Manuel Bandeira.

 

(Publicado aqui em 6 de fevereiro de 2005)

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