Jardim Pantanal tem ação de “povo pelo povo” e medo de novas enchentes

São Paulo — Nuvens carregadas, trovões e animais peçonhentos assombraram moradores do Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, ao longo da última semana, marcada pelo maior alagamento em ao menos uma década e meia. A água começou a baixar na quinta-feira (6/2), cinco dias após o temporal, que trouxe consigo também uma corrente de solidariedade, ou o “povo pelo povo”, “nós por nós mesmos”, como eles próprios contam sobre as formas de saciar a fome e tentar se reerguer.

O Jardim Pantanal é vizinho do leito do Tietê e, em alguns pontos, difícil é saber onde termina o rio e começa o bairro, mesmo quando as águas baixam um pouco. A sensação ao caminhar por suas vielas é de que tudo é alagável, onde a água mina por tampões de esgoto e até a última sexta (7/2) havia ruas inundadas pela tempestade do dia 1º.

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Moradores separam roupas no Jardim Pantanal, em São Paulo

Grupo ajuda moradores vítimas do alagamento no Jardim Pantanal, em São Paulo
Moradora recebe marmita no Jardim Pantanal, em São Paulo
Córrego no Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo
Mulher passa ao lado e bíblia deixada no chão, no Jardim Pantanal, em São Paulo
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Jardim Pantanal com Rio Tietê ao fundo, na zona leste de São Paulo

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Moradores separam roupas no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Grupo ajuda moradores vítimas do alagamento no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Moradora recebe marmita no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Córrego no Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo

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Mulher passa ao lado e bíblia deixada no chão, no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Moradores formam fila por alimento no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Rua Beira-Rio, no Jardim Pantanal, em São Paulo

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A gestora ambiental Raquel Almeida, do Movimento Brasil Popular, ajuda moradores vítimas do alagamento no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Rua do Jardim Pantanal, em São Paulo

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Homem limpa casa no Jardim Pantanal, em São Paulo

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A dona de casa Angélica dos Santos, 19 anos, e o filho Benjamin

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Rua do Jardim Pantanal ao lado do Rio Tietê, na zona leste de São Paulo

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A enfermeira Vania Silva, em casa, no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Rua alagada no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Grupo ajuda moradores vítimas do alagamento no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Grupo ajuda moradores vítimas do alagamento no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Rua alagada no Jardim Pantanal, em São Paulo

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Grupo ajuda moradores vítimas do alagamento no Jardim Pantanal, em São Paulo

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A movimentação para ajudar quem perdeu tudo ou sentia fome partiu de vários pontos do próprio bairro. Líder comunitária, Sônia Guimarães, da Associação Pró-Lar do Jardim, conta um pouco do que viu nos últimos dias. “Foi muito difícil. Muita lama, muita água, muita fome, entendeu?”, disse, enquanto distribuía marmitas na última sexta.

Uma das beneficiadas com o alimento foi a costureira Antonia Rocha dos Santos, 64 anos, que perdeu uma semana de trabalho e buscou uma marmita para si própria e para o marido. “A gente não conseguiu sair, porque a água estava muito alta”, disse, afirmando também que pede a Deus para que não chova, quando as nuvens começam a cercar o Jardim Pantanal.

Grande parte da população é evangélica, como fica evidente ao passar de pouco em pouco em frente às inúmeras igrejas e ao ouvir louvores em tantas vozes diferentes, vindas de equipamentos que sobreviveram ao dilúvio. Irmãos de fé também se ajudaram em meio ao caos.

Houve também um grupo que percorreu de forma persistente as vielas distribuindo água e comida ao longo da última semana. São rapazes da parte seca do bairro, que estavam na segunda-feira em um barco e, na sexta, permaneciam com a distribuição. Encontraram até um casal a quem atenderam por gratidão. Alguns deles foram cuidados por eles, quando crianças.

Moradores reclamam da falta de ajuda da prefeitura e criticaram também o fato de uma multidão ter sido dispersada com balas de borracha e bombas na última semana, quando buscava realizar um cadastro para receberem algum benefício.

Também houve ajuda de fora, como no caso de integrantes do Movimento Brasil Popular, que montaram cozinha comunitária e, na próxima semana, já devem partir para ações de higienização das casas.

A gestora ambiental Raquel Almeida, 27 anos, esteve presente junto com o movimento. “Aqui no Jardim Pantanal, a gente vem desde o ano passado com curso de agentes populares de alimentação e, agora, com agentes populares de saúde. Desde a semana passada, a gente voltou para a construção dessa cozinha emergencial, para responder a essa chamada urgente, do desastre que aconteceu com a chuva.”

Medo da chuva

A dona de casa Angélica dos Santos, 19 anos, tem dois filhos, um deles o pequeno Benjamin, de apenas 5 meses. O temporal do dia 1º deixou traumatizada a moradora de uma das últimas ruas do Jardim Pantanal, à beira do Tietê. Agora, ela vive com medo da chuva.

“Foi um pesadelo total. Todo dia acordava e olhava para ver se a água tinha baixado. Eu tenho cachorros e nem eles estão aqui”, disse. “Ontem mesmo [quinta-feira], choveu e ficamos com medo de encher de novo”.

O medo de Angélica é ainda maior porque amamenta o filho. “As pessoas trouxeram marmita e galão de água. Mas, cesta básica não consegui pegar por causa da água, porque não consegui sair. Ele mama e estava perigoso demais, com cobra. Aqui mesmo, apareceu uma cobra, então para sair na água estava difícil”, disse.

Angélica chegou ao Jardim Pantanal com 9 anos, junto com os pais. Dez anos depois, sonha em deixar o local e reconstruir a vida longe das águas imundas da enchente.

Também dona de casa, Cleide Araújo, 38 anos, veio da Bahia para São Paulo há dez anos em busca de oportunidade na vida. No dia 1º, a chuva foi uma dura pancada no sonho, mas ela segue resiliente, enquanto coloca colchões e roupas para secar. É trabalhar e começar tudo do zero de novo. É trabalhar”, disse.

O que chateia e logo é demonstrado numa rápida conversa e ver como os pequenos são afetados pelo alagamento, já que ela mora a menos de 50 metros do que é o leito normal do Tietê. “Foi horrível. As crianças ficaram doentes, ainda estão, por causa da água. Deu vírus”.

A enfermeira Vania Aparecida da Silva, 37 anos, mora com o marido e quatro crianças em uma casa na rua que leva o nome do Tietê. Até a sexta, ainda havia ao menos um palmo de água dentro da cozinha, enquanto ela tentava limpar o que era possível. O emprego também teve uma pausa na semana de terror que viveu por causa da inundação. “Não consegui trabalhar. Vou voltar amanhã para ver o que vai ser feito”, disse.

Vânia herdou dos pais o local onde hoje mora e, apesar das dificuldades, não pretende sair de lá. O sonho dela é que houvesse alguma solução de engenharia para o seu problema, algo que pudesse manter as casas a salvo durante os temporais.

O que diz a prefeitura

A Prefeitura de São Paulo afirma que segue concentrando esforços em medidas emergenciais no Jardim Pantanal e região.

“O atendimento à população acontece em diversos pontos da comunidade. Atualmente, há 57 pessoas acolhidas. Desde o fim de semana, foram entregues 43.870 refeições, entre cafés da manhã, almoços e jantares, 5.614 cestas básicas e 16.112 copos de água, entre outros itens. Até o momento, 1.424 famílias receberam o cartão emergencial no valor de R$ 1.000. A Defesa Civil está fazendo busca ativa nas ruas atingidas para eventualmente cadastrar novas famílias para o benefício”, afirma, em nota.

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) diz que, no caso mencionado, houve uma tentativa de invasão da Escola Municipal de Ensino Fundamental Mururés por moradores. “Os agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) foram alvo dos manifestantes e atuaram empregando equipamentos de menor potencial ofensivo para controle da situação. Cabe ressaltar que desde o início do atendimento da Prefeitura à população no Jardim Pantanal esse foi o único episódio em que houve necessidade de intervenção da Guarda”, diz, em nota.

A prefeitura afirma que estuda três alternativas para solucionar alagamentos que há décadas afetam os moradores do Jardim Pantanal, uma das regiões mais complexas da cidade por estar abaixo do nível do Rio Tietê e sofrer com ocupação irregular.

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