O calendário em modo eleição (por Gustavo Krause)

Os calendários são criações humanas para agrupar dias, meses, anos, séculos, milênios de modo a estabelecer uma métrica para quantificar o imensurável: a eternidade, a partir de peculiaridades históricas, dimensões culturais e celebrações religiosas das civilizações.

Existe, mundo afora, uma enorme variedade de calendários. Um número expressivo de nações que seguem o Calendário Gregoriano, solar e cristão, adotado pelo Papa Gregório XIII cujo primeiro dia foi 15 de outubro de 1582 (Bula Inter Gravissimas), de acordo com proposta elaborada por um eclético grupo de estudiosos.

Até então, seu antecessor era o Calendário Juliano, uma invocação ao delírio de imortalidade do Imperador Júlio César, à época “dono do mundo”. Dele, restou a herança etimológica do latim que nomeia, os meses do ano, e o significado de “calenda”, um “livro de registro”, que relata o cotidiano descrevendo o que se tornará passado histórico e uma base de permanente desafio para explorar as incertezas do futuro. A depender do objetivo, o simples armazenamento em nuvem resolve.

Com as vertiginosas inovações da revolução tecnológica das informações, emergiu uma obra monumental de autor Manuel Castels, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (São Paulo: Paz e Terra; SP, 1999) em três volumes: A Sociedade em Rede (I); o Poder da Identidade (II); Fim de Milênio (III).

Trata-se de uma contribuição notável e indispensável para o debate das transformações sociais do mundo contemporâneo movido, diz ele: “por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e do espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes” (O Poder da Identidade, p.17).

Entre outros, são livros marcantes Redes de Indignação e Esperança – Movimentos sociais na era da internet (Ed. Zahar, 2013), Ruptura: A crise da democracia liberal, (Ed. Zahar, 2018) em que o autor reforça a centralidade do conhecimento e da informação na construção do paradigma da instantaneidade no contexto das tendências conflitantes da globalização.

Ora, o que tem isso a ver com “o calendário modo eleição”? Tudo. A partir das relações interpessoais aos sistemas políticos, a sensação é de uma crise permanente por conta de mudanças vertiginosas. No seu sentido tradicional, os calendários seguem o ritual tradicional, movidos, no entanto, por interesses superpostos e, muitas vezes, conflitantes.

No caso da Política, o troféu da competição eleitoral é o voto. Natural. E o placar final define vencedores e vencidos na disputa do maior dos desejos humanos que é o Poder. Termina uma eleição e, pelo que se tem visto, outra eleição começa no dia seguinte à posse dos eleitos (2026 começou!). É da esssência do jogo democrático. No entanto, entram no jogo, de um lado, promessas, demandas sociais e, de outro, a escassez de recursos que impõe à tomado de decisões, escolhas e inevitáveis consequências.

Há quem defenda ardorosamente nesta renhida peleja que o feio é perder. Ou que se pode fazer “o diabo quando é hora de eleição”. Mas o jogo bruto pra valer e de modo fulminante ocorre na esfera virtual, na “sociedade em rede”, inspirada definição de Castels. Aparecem cientistas, marqueteiros, palpiteiros e jorram pesquisas avaliando gestão, supostos candidatos em múltiplos cenários e, toca horror, quando, eventualmente, a gestão não é bem avaliada. Ouve-se, então, o recorrente e estrondoso berreiro: “É a comunicação, estúpidos”!

E aí, se gasta uma energia enorme em agendas imediatistas, populistas, demagógicas que podem dar um empurrãozinho na avaliação da gestão, mas, com certeza, prejudicarão o caminho estratégico que nos levaria a um país mais justo. Este é o preço do curtoprazismo que negligencia a solução de problemas estruturais a médio e longo prazo.

A rigor, faltam calendários conjuntos no modo democracia fortalecida; modo redução da desigualdade social com foco na primeira infância, inclusão e emancipação dos mais vulneráveis; modo proteção dos biomas brasileiros; modo transição energética como nação líder na produção de energia renovável; modo apoio ao multilateralismo na política externa; e o modo educação, a prioridade das prioridades.

Por fim, escutar o clamor social das duas maiores expectativas populares: acesso à prestação decente do serviço de saúde e o enfrentamento da inflação que esvazia o bolso dos mais pobres. Aí entra o modo coragem política de equilibrar o orçamento fiscal para não legar às próximas gerações o fardo de uma dívida pública impagável.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

 

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