Há alguma lógica nessa loucura (por Roberto Brant)

O novo governo americano está empreendendo uma acelerada dissolução da ordem política e econômica internacional sob a qual estivemos vivendo deste o fim da Segunda Guerra e que nos parecia até agora como uma ordem natural. Os métodos e os estilos de Trump surpreenderam a própria oposição interna nos Estados Unidos e até agora estão avançando com pouca resistência das instituições destinadas a conter e limitar os excessos dos poderes constitucionais. Há quem veja na ação do Presidente americano traços de um comportamento próximo da loucura, recurso de que tem se valido muitos líderes através da história, sempre que pretendem intimidar ou assustar os seus rivais, de que foram exemplos o ex-Presidente Nixon durante a guerra do Vietnam e o Premiê Kruschev, quando da crise dos misseis soviéticos instalados em Cuba.

Mas atrás das palavras e dos gestos impulsivos, às vezes desmentidos e logo após reafirmados, numa dança de passos desconcertantes, há muitas coisas que derivam de uma lógica bem construída. Enquanto o governo nos confunde com os seus movimentos erráticos, temos o recurso de acessar as ideias de alguns de seus intelectuais associados que trazem clareza ao debate. Dois artigos publicados nestes últimos dias jogam muita luz sobre o que está na mente do governo. Se colocados em prática vão promover uma mudança radical na ordem econômica internacional e afetar muito a vida do Brasil, embora aparentemente o governo e o Parlamento brasileiro não pareçam incomodados.

O primeiro artigo foi publicado no New York Times e é de autoria de Robert Lighthizer, Representante do Comércio no primeiro governo Trump e autor de diversos livros sobre o tema. O autor afirma que os Estados Unidos são vítimas das regras do comércio internacional, que resultam em grandes superávits para países como a China e a Alemanha e grandes déficits para os americanos. Os números parecem lhe dar razão: a China obteve em 2024 um superávit de um trilhão de dólares, enquanto os Estados Unidos incorreram em um déficit de 918 bilhões de dólares. A razão é apenas aparente, pois o que isto significa é simplesmente que os americanos consumem muito mais do que produzem, ao contrário da China e da Alemanha.

A solução que ele sugere, e que parece estar implícita nos movimentos do governo, é a criação de um novo regime de comércio no qual coexistam duas camadas de países. Os países amigos e parceiros dos Estados Unidos (ou será os que se conformam com o princípio da América em primeiro lugar?) formariam um grupo que praticaria entre si tarifas comerciais baixas, com o compromisso de manter no médio prazo o equilíbrio dos respectivos balanços de pagamento. Os demais formariam um segundo grupo, sobre o qual o primeiro grupo aplicaria altas tarifas e outras ferramentas para impedir a formação de superávits sistemáticos. ´Será o fim do livre comércio, que para ele não existe de fato, e da globalização como a conhecemos. Em que grupo estaria o Brasil nesta nova ordem?

O outro artigo, na Foreign Affairs, vai até mais longe em priorizar a primazia americana. Seus autores são Geoffrey Getz e Emily Kilcrease, ambos com passagem no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional. Eles propõem que a segurança econômica seja o princípio organizador da ordem econômica internacional e que o comércio seja regulado por acordos bilaterais ou regionais que promovam a segurança nacional dos países envolvidos e assegurem a coordenação entre eles para enfrentar seus rivais, especialmente a China.

Este é um pequeno sumário das ideias em formação no entorno do governo Trump e que estão destinadas a encontrar reação e resistência da maior parte dos países. São ideias disruptivas que não devem ser subestimadas, dado o tamanho e o poder dos Estados Unidos e a natureza da atual liderança do país. Já passou da hora de nos preocuparmos com tudo isto e principalmente nos prepararmos para as pressões que se abaterão sobre nós. Será que nesta hora teremos um país unido ou até mesmo  nisso continuaremos divididos?

 

Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso

Adicionar aos favoritos o Link permanente.