Presidente da COP 30 não vê contradição entre petróleo na Foz do Amazonas e agenda ambiental de Lula

A pouco mais de 10 meses de sediar a trigésima Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), em Belém, o diplomata nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidir o evento, André Correa do Lago, se prepara para enfrentar um cenário adverso.

O clima global continua a dar mostras de que eventos extremos tendem a se multiplicar, países ricos hesitam em destinar recursos para combater os efeitos da mudança climática em países em desenvolvimento e os Estados Unidos, maior economia do mundo e segundo maior poluidor do planeta, anunciaram a sua saída do Acordo de Paris, principal conjunto de regras para evitar uma catástrofe climática.

Mas não é só no cenário externo que ele terá de enfrentar questões delicadas.

Correa do Lago terá de lidar, internamente, com o que ambientalistas avaliam ser uma enorme contradição brasileira: tentar se lançar como liderança climática global ao mesmo tempo em que defende a exploração de petróleo em áreas sensíveis como a Foz do Amazonas.

Em entrevista à BBC News Brasil, Correa do Lago negou que busca pelo Brasil de novas áreas de exploração de petróleo que incluem a Foz do Amazonas seja contraditório.

“Não acho que seja uma contradição. Se você pegar qualquer país do mundo, eles estão fazendo coisas com vistas a chegar à meta de neutralidade de emissões”, disse o embaixador em entrevista à BBC News Brasil.

A Foz do Amazonas é uma área no Oceano Atlântico a aproximadamente 400 quilômetros da Costa do Amapá. Ela é cobiçada pela Petrobras, que tenta autorização junto aos órgãos ambientais brasileiros para fazer perfurações de caráter exploratório e saber se a região tem ou não campos de petróleo economicamente viáveis.

Ela fica numa região conhecida como Margem Equatorial, que vai do Rio Grande do Norte até o Amapá e onde se estima que haja significativos campos de petróleo e gás natural.

Ambientalistas se posicionam contra a iniciativa liderada pela Petrobras e pelo Ministério das Minas e Energia alegando que são altos os riscos ambientais para uma região tão ecologicamente sensível e próxima da Amazônia em caso de vazamento.

Eles argumentam, também, que em meio à emergência climática causada, em grande parte, pelas emissões geradas por combustíveis fósseis, abrir novas áreas de exploração de petróleo seria danoso ao clima global.

A empresa precisa de uma licença ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vem se manifestando pessoalmente contra a exploração de petróleo na região, mas disse que a decisão sobre o assunto será técnica e não política. Em entrevista recente, o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, disse que o Ibama poderia dar uma resposta sobre o pedido ainda neste semestre.

Para o diplomata, no entanto, países como o Brasil deverão continuar a explorar o petróleo ou outros combustíveis fósseis durante o processo de transição energética.

A posição de Correa do Lago é semelhante à do presidente Lula que, na quarta-feira (5/2) voltou a defender a exploração de petróleo na Margem Equatorial durante uma entrevista a rádios de Minas Gerais.

“Queremos o petróleo, porque ele ainda vai existir muito tempo. Temos que utilizar o petróleo para fazer a nossa transição energética, que vai precisar de muito dinheiro”, disse Lula.

Em entrevista à BBC News Brasil, Correa do Lago disse acreditar que saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris pode prejudicar a meta de conseguir um fluxo de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 em financiamento ao combate à mudança global em países em desenvolvimento além de poder causar danos ao clima do planeta.

“Se a maior economia do mundo não está orientada especificamente para o combate à mudança no clima, isso tem uma influência no mundo inteiro”, disse.

Ele também defendeu a escolha de Belém como sede da COP 30, apesar de o Pará liderar, por nove anos consecutivos, o ranking brasileiro do desmatamento.

“Nós estamos convidando o mundo para vir para o centro do nosso maior problema”, disse.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil – Os países em desenvolvimento defendem uma meta de US$ 1,3 trilhão de dólares por ano até 2035 em recursos para combater as mudanças climáticas. Os países ricos defendem US$ 300 bilhões. Qual é a meta que o Brasil vai perseguir na COP 30?

André Corrêa do Lago – Houve uma decisão do Brasil e do Azerbaijão (país que sediou a COP 29) de apresentar um mapa do caminho para se passar dos US$ 300 bilhões para US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. Temos um mandato para procurar maneiras de como chegar a esse valor, que é uma coisa enorme. Vamos ter um grupo de economistas muito sólido apoiando a gente e vamos ter uma atuação muito importante do ministro da Fazenda (Fernando Haddad) e do presidente do Banco Central (Gabriel Galípolo). Não podemos achar que vamos resolver o problema do clima com fundos específicos a esse segmento. Precisamos botar o clima no centro de todos os investimentos e de todos os fluxos financeiros.

BBC News Brasil – Mas entre os US$ 300 bilhões e os US$ 1,3 trilhão, qual é o número que o Brasil vai perseguir?

Corrêa do Lago – Vamos perseguir US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. Mas a gente tem que compreender que esse valor não vai ser o valor de um fundo […] Hoje, com o conhecimento científico que temos e a urgência climática, nos demos conta de que temos que ampliar muito mais esse esforço.

BBC News Brasil – Ficou mais difícil atingir essa meta com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris?

Corrêa do Lago – Naturalmente, fica mais difícil. Os Estados Unidos, dependendo do seu governo, têm uma disposição diferente de contribuir para contribuir com fundos, empréstimos ou doações a países em desenvolvimento. Vimos, recentemente, decisões do governo norte-americano sobre o congelamento de recursos para o terceiro setor, por exemplo.

BBC News Brasil – Os Estados Unidos anunciaram a saída do Acordo de Paris e, ao mesmo tempo, Donald Trump foi eleito prometendo ampliar a produção de petróleo. Quanto o comportamento dos Estados Unidos compromete o futuro do clima no planeta?

Corrêa do Lago – As decisões dos Estados Unidos têm vários impactos. Se a maior economia do mundo não está orientada especificamente para o combate à mudança no clima, isso tem uma influência no mundo inteiro. Em segundo lugar, se os Estados Unidos acreditam em prorrogar essa transição energética que nós sabemos que é necessária, isso também tem influência. Mas é importante lembrar que os Estados Unidos não são apenas o governo norte-americano. Os Estados Unidos têm universidades, cientistas e empresas extraordinárias e também têm governos locais e estaduais que têm demonstrado um enorme empenho no combate à mudança do clima. Temos que ver de que maneira os Estados Unidos vão interpretar qual é o seu interesse nacional e se ele precisa levar em conta a mudança do clima. No momento, aqueles que são céticos quanto ao interesse econômico de combater a mudança do clima estão à frente.

Donald Trump usando terno azul marinho com cortinas amarelas no fundo

Getty Images – Donald Trump anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris entre seus primeiros atos após assumir o governo do país pela segunda vez

BBC News Brasil – As medidas anunciadas pelo governo até agora colocam em risco o futuro climático do planeta?

Corrêa do Lago – Eu não sou cientista, mas acho que está muito claro, da parte da ciência, que nós temos poucos anos para reverter tendências que ainda permitem que os combustíveis fósseis tenham um papel maior nessa transição energética.

BBC News Brasil – Sem os Estados Unidos no Acordo de Paris, o que Brasil pretende fazer para que a COP 30 não fracasse? Quais são as medidas que já estão sendo adotadas neste momento?

Corrêa do Lago – Temos uma situação muito similar ao que aconteceu com o Protocolo de Kyoto [nota da redação: o Protocolo de Kyoto foi o primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, firmado em 1997]. Ele foi negociado com os americanos, mas no momento em que acabou a negociação, o Senado dos Estados Unidos disse que não ia ratificá-lo. A partir de então, trabalhamos no Protocolo de Kyoto durante anos sem os Estados Unidos. Depois, constatamos que era importantíssimo que os Estados Unidos voltassem às negociações sobre clima. Por isso foi criado o Acordo de Paris, com as condições necessárias para que os Estados Unidos pudessem voltar. […] A grande diferença entre o que aconteceu em Kyoto e agora é a urgência climática. A necessidade de acelerarmos a ação contra a mudança climática é o nosso grande desafio ao mesmo tempo em que temos um ator tão relevante se desengajando.

Fachada da sede da Petrobras feita em concreto e com os letreiros em letras verdes

Getty Images – Petrobras tenta a liberação do Ibama para iniciar perfurações exploratórias em áreas na Foz do Amazonas

BBC News Brasil – Mas, do ponto de vista prático, o que o Brasil pretende fazer considerando esse cenário?

Corrêa do Lago – Muitas das soluções para a COP 30 não vão acontecer na negociação da COP 30 e sim na nossa participação nas demais estruturas de negociação que existem como o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) ou os Brics (grupo fundado por Brasil, Rússia, África do Sul, Índia e China e que abriga outras economias emergentes). Não podemos esquecer do setor privado norte-americano […] Ele não vai atuar necessariamente na mesma linha que o governo norte-americano.

BBC News Brasil – O que o Brasil pretende fazer para evitar um efeito dominó após a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris? O governo teme que isso aconteça?

Corrêa do Lago – Vários analistas têm mencionado a possibilidade de um efeito dominó, mas o que vimos quando os Estados Unidos saíram do Acordo de Kyoto é que isso não aconteceu. Também não vimos isso quando o presidente Trump anunciou a saída do Acordo de Paris pela primeira vez.

BBC News Brasil – Historicamente, países ricos vêm defendendo que os países em desenvolvimento se tornem doadores para fundos de financiamento ao combate à mudança do clima. Se essa proposta for apresentada na COP 30, qual será a posição do Brasil?

Corrêa do Lago – O Brasil acha que é totalmente errado considerar que a solução para o financiamento climático é substituir o papel que os países desenvolvidos assumiram em fornecer recursos financeiros para os países em desenvolvimento. Portanto, os países em desenvolvimento não podem ajudar os países desenvolvidos a cumprirem com suas obrigações. É exatamente o inverso do que a gente combinou.

Área de floresta amazônica desmatada

Getty Images – Área desmatada dentro da Terra Indígena Menkragnoti, no Pará; Estado é o campeão em desmatamento no Brasil desde 2006

BBC News Brasil – O governo Lula vai defender, na COP 30, a transição energética em relação aos combustíveis fósseis durante a COP 30?

Corrêa do Lago – O Brasil, como todos os outros países, assinou um compromisso que foi aprovado por consenso segundo o qual os países devem encontrar os seus caminhos para se afastarem dos fósseis […] Cada país vai ter um caminho diferente. Há países que são totalmente dependentes dos combustíveis fósseis em sua economia e há países que são bastante menos dependentes. As fórmulas têm que ser desenvolvidas por cada país.

BBC News Brasil – Mas não há uma contradição do governo Lula em tentar se colocar como uma liderança ambiental ao mesmo tempo em que defende o aumento da produção de petróleo em áreas inclusive em áreas sensíveis como, inclusive, a foz do Amazonas?

Corrêa do Lago – Não acho que seja uma contradição porque se você pegar qualquer país do mundo, eles estão fazendo coisas com vistas a chegar à meta de net zero (equilíbrio entre emissões e captura de gases do efeito estufa). Alguns países estabeleceram isso como meta em 2050, como o Brasil. Mas se você tomar como exemplo a Alemanha, ela parou de usar energia nuclear e voltou a usar carvão. Por que ela fez isso? Porque dentro do seu plano de transição, eles consideraram que, econômica e racionalmente, eles ainda tinham que usar carvão por alguns anos até conseguir engatar na transição com vistas à meta de net zero até 2050.

BBC News Brasil – Mas como o Brasil, na presidência da COP 30, vai trabalhar por metas mais ambiciosas de redução de emissões e por mais financiamento para combate à mudança climática se o país continua apostando em combustíveis fósseis?

Corrêa do Lago – Mas é preciso ver que o Brasil, como a maioria dos países, está se esforçando. As NDCs [Nota da redação: contribuições nacionalmente determinadas, as NDCs, são documentos elaborados pelos países indicando de que forma eles irão atingir suas metas de redução de emissões dos gases do efeito estufa] precisam cobrir toda a economia porque os países precisam ter flexibilidade para, caso não eles não estejam conseguindo cumprir sua meta numa área, possam cumprir em outra […] Essa fórmula pode incluir, como no caso da Alemanha, o carvão, ou energia nuclear, por exemplo […] Cada país tem que encontrar a sua fórmula. A grande ironia para alguns países em desenvolvimento é que quando fazem investimentos em petróleo, eles conseguem financiamento a baixo custo. Mas quando tentam financiamento para energias renováveis, ou eles não obtêm o financiamento ou os custos são mais altos.

BBC News Brasil – O governo Lula conseguiu uma redução significativa no desmatamento nos últimos dois anos. Ao mesmo tempo, houve aumento no volume de queimadas. O governo Lula ainda não criou a autoridade climática e a NDC do país foi razoavelmente criticada por ambientalistas por ser, supostamente, pouco ambiciosa. Esses pontos representam uma fraqueza da política ambiental do Brasil no momento em que o país vai presidir a COP 30?

Corrêa do Lago – A maioria dos analistas considerou que a NDC brasileira é realista e incorporou o patamar de elevação da temperatura global em até 1,5º Celsius como referência, que é uma das condições para a NDC ser considerada boa […] Sobre a autoridade climática, acho que a dimensão mais importante não é a burocrática ou declaratória. O que se procurou anunciar com o desejo de criar uma autoridade climática era tornar o combate à mudança do clima no Brasil mais efetivo. Se por um lado não houve a formalização da autoridade climática, por outro, houve muitos outros avanços. Considero muito mais impressionante o comprometimento do Ministério da Fazenda com essa agenda a partir do plano de transformação ecológica.

BBC News Brasil – Ambientalistas no Brasil avaliam que a bancada ruralista no Congresso Nacional defende projetos que podem levar ao desmatamento de áreas entre 8 milhões e 42 milhões de hectares. Em que medida a bancada ruralista, que faz oposição ao governo Lula, mas também tem integrantes que o apoiam, seria um obstáculo no combate às mudanças climáticas no Brasil?

Corrêa do Lago – Nós temos que fortalecer esse debate no Brasil com muita informação. Há muito conhecimento que está escapando a alguns setores econômicos do Brasil. A agricultura brasileira tem um padrão extraordinário do ponto de vista internacional, mas existem coisas que ainda são necessárias e, naturalmente, sempre há uma pequena porcentagem (de produtores) que pode não estar cumprindo a lei ou que pode melhorar as suas práticas […] A preparação da COP 30 vai ser uma grande ocasião de revelar o quanto nós estamos próximos e o quanto nós podemos fazer para atingir um nível de excelência em matéria de sustentabilidade.

BBC News Brasil – A COP 30 será realizada em Belém, capital do Pará. O Pará, por sua vez, lidera o ranking de desmatamento no Brasil desde 2006. Considerando isso, o Pará foi a melhor escolha para a COP 30?

Corrêa do Lago – Acho que sim. Há várias camadas de interpretação da resposta à sua pergunta. A primeira camada é que o Brasil está convidando o mundo para vir para a região onde há desmatamento cujo combate é a nossa principal missão. Nós estamos convidando o mundo para vir para o centro do nosso maior problema em mudança do clima. Isso é um ato político de transparência que, penso, poucos países no mundo fariam. Nós estamos convidando as pessoas a vir para a região que representa todos esses desafios para o Brasil. A COP 30 não é uma operação de relações públicas. Não vamos tapar o sol com a peneira.

BBC News Brasil – Nos últimos dias, surgiram notas e boatos de que a COP 30 poderia ser realizada fora de Belém ou ser dividida com outra cidade. Isso está previsto?

Corrêa do Lago – Essas notas não estão baseadas em nenhuma realidade que eu conheço. A Casa Civil está coordenando toda a parte de infraestrutura e organização física da COP. Eu estive recentemente em Belém e vi avanços incríveis.

BBC News Brasil – Mas, objetivamente, a COP 30 vai ser 100% em Belém?

Corrêa do Lago – Tudo indica que será e que será uma COP fantástica.

BBC News Brasil – Há reclamações sobre a falta de leitos disponíveis para as delegações e demais participantes. O que o governo vai fazer de efetivo para resolver esse problema?

Corrêa do Lago – A casa Civil tem várias alternativas e está avançando nessas alternativas […] O Brasil vai receber o mundo em Belém e é óbvio que há um interesse de que a COP seja reconhecida como uma COP que, ao mesmo tempo, respeite as condições de Belém e que traga melhoras […] Nós temos prazos apertados, mas não nos esqueçamos que a gente construiu Brasília em três anos e meio. Fonte: BBC News Brasil.

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