O Putin americano (por Felipe Sampaio)

Nenhuma decisão de Donald Trump pode ser analisada puramente pelo ponto de vista da política tradicional. As avaliações recentes de especialistas renomados abordam suas consequências, considerando possíveis enfoques – ora neoliberais, ora conservadores, ou ainda motivados por pensamentos de ultradireita. Contudo, no caso de Trump, a exemplo do que acontece com o russo Vladmir Putin, é preciso levar em conta a hipótese de que suas motivações têm caráter particular – leia-se, seus negócios privados.

Barak Obama já havia feito um desabafo sobre esse mesmo perfil de Putin no documentário The Final Year (2017, Prime Video), que retrata os bastidores da política internacional americana durante o último ano de governo do democrata. Em certo momento, Obama fala francamente que cometeu o erro elementar de tratar Putin como um estadista que agia em favor dos interesses nacionais da Rússia, porque custou a entender que o presidente russo não passava de um magnata de índole duvidosa e ascensão obscura, obcecado por dinheiro e poder, para quem a presidência era apenas um meio.

Ainda em The Final Year, Obama e Hilary Clinton expressavam seu temor com um primeiro mandato de Trump, que se mostrava, então, um desqualificado para a missão de governar os EUA. Naquele momento Obama repetia, em relação a Trump, o mesmo erro que cometera em relação a Putin. Agora, no segundo mandato de Trump, Obama já deve estar percebendo que o republicano está colocando em prática as mesmas atitudes que sempre adotou em seus negócios questionáveis.

Os propósitos reais de Trump estão registrados no filme O Aprendiz (2024, Prime Video) e no antigo documentário Trump: Quem É Ele (1991, Prime Video). Chega a ser assustador testemunhar aquele mesmo protagonista pilotando os recursos insuperáveis da maior potência econômica e militar da nossa época. Basta observar, por exemplo, que Trump nomeou como mediador para o Oriente Médio um colega empresário do ramo imobiliário e agora estamos vendo os governos dos EUA e de Israel falando despudoradamente em expulsar os moradores de Gaza para reconstruir a região com projetos imobiliários fantasiosos.

Não custa lembrar que Trump não é apenas uma celebridade vendedora de ilusões midiáticas. Seu sobe e desce como empresário baseou-se, como vocês poderão comprovar no filme e no documentário mencionados acima, em comportamentos delituosos, alvo de ações judiciais, relacionados com corrupção, estelionato, propaganda enganosa, blefes, sonegação, chantagens, extorsão e até mesmo proximidades mal explicadas com negócios da máfia e prostituição. Muitos deles coordenados pelo seu advogado (e guru do mal) Roy Cohn.

Dessa vez, os interesses privados de Donald Trump vêm turbinados pelo seu ministério composto por mais de uma dezena de bilionários em postos estratégicos, como Elon Musk e outros, cujas medidas iniciais já enfrentam reações no judiciário, Congresso, sociedade civil, imprensa, aliados internacionais e até mesmo no seu próprio Partido Republicano.

Nesse sentido, Trump não é simplesmente o representante de uma tendência mundial extremista de direita (antes fosse). Não é à toa que a líder da direita francesa Marine Le Pen se recusa a ser comparada ou associada a ele e seu semelhantes. Trata-se, na verdade, de uma rede de negociantes compulsivos, composta por figuras como Putin, Bolsonaro, Netanyahu, acompanhados por seguidores deslumbrados, como Javier Milei.

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em grandes empresas e no terceiro setor; chefiou a assessoria especial do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; é chefe de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.

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