Bolsa, agro, indústria: o peso de tarifas dos EUA sobre aço e alumínio

O anúncio do presidente Donald Trump de que vai cobrar tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio para o país, feito na segunda-feira (10/2), já está provocando os primeiros efeitos sobre a expectativa dos investidores brasileiros.


Entenda

  • Segundo dados do Departamento do Comércio do governo norte-americano, cerca de 25% do aço e 50% do alumínio usados no país são importados. O Brasil é o segundo maior fornecedor dos EUA, atrás apenas do Canadá.
  • No acumulado de 2024, o Brasil vendeu pouco mais de 4 milhões de toneladas ao país, o que corresponde a 15,5% de tudo o que os EUA compraram de fora. De acordo com o governo norte-americano, o montante chegou a US$ 2,9 bilhões.
  • Embora não tenha como principal alvo o Brasil, mas a China, o “tarifaço” de Trump deve atingir duramente a siderurgia nacional, que terá de vender o excedente do produto para outros países, sob pena de diminuir a produção, em meio ao risco de redução de empregos.
  • Para a economia brasileira, como um todo, as tarifas impostas pelos EUA têm o potencial de reduzir a circulação de dólares no país, com a redução das vendas, o que pode levar a uma forte desvalorização do real frente ao dólar.

Bolsa

Em linhas gerais, as tarifas norte-americanas sobre aço e alumínio podem afetar de forma significativa as ações ligadas ao setor siderúrgico. Especialistas apontam uma tendência de que, inicialmente, o preço global do aço recue em meio ao excesso de oferta, para depois se reequilibrar.

Estimativas do Instituto Aço Brasil indicam que os EUA ficaram com cerca de 60% do volume de exportações de produtos siderúrgicos do Brasil no ano passado. O “tarifaço” deve impor dificuldades adicionais às empresas para que redirecionem suas exportações.

De acordo com analistas do mercado, as ações da Usiminas (USIM5) e da CSN (CSNA3) estão entre as que mais devem sofrer com o “tarifaço” de Trump por terem uma presença mais concentrada no mercado brasileiro.

Em última análise, as tarifas dos EUA sobre aço e alumínio podem reduzir a competitividade das companhias e diminuir as receitas advindas do mercado norte-americano.

“Temos a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votorantim, que deve sentir porque exporta bastante de sua produção e claramente os EUA são grandes consumidores. No setor de siderurgia, temos CSN e Usiminas. E quem mais sente é a Usiminas, que não tem uma grande diversificação de atuação, como tem a CSN”, explica Hugo Queiroz, sócio e diretor da L4 Capital.

Outra gigante do mercado brasileiro que pode sentir os impactos no curto prazo é a Vale (VALE3). A eventual diminuição na produção de aço no país pode reduzir a demanda interna por minério de ferro, o que seria prejudicial à Vale.

Umas das possíveis exceções à espiral negativa causada pelo “tarifaço” de Trump, observa Queiroz, é a Gerdau (GBBR4). Como a empresa produz aço dentro dos EUA, ela não deve ser taxada, o que poderia fomentar sua produção.

Além disso, com o provável aumento nos preços do aço nos EUA decorrente das novas tarifas, a Gerdau também seria beneficiada. “A Gerdau sente bem menos por causa de sua presença geográfica nos EUA, o que mitiga o impacto sobre ela”, diz Queiroz.

De acordo com Felipe Jordy, gerente de inteligência e estratégia da Biond Agro, “qualquer movimento de taxação, sem dúvida, impactará os prêmios e a Bolsa de Chicago, mas em proporções diferentes do que já vimos no passado”. “No caso do aço e do alumínio, essa taxação deve afetar a economia brasileira, especialmente nos estados onde estão as principais siderúrgicas do país”, observa.

Agro

O mercado também espera que o “tarifaço” anunciado pelo governo Trump cause impacto no agronegócio brasileiro. O aço é uma das principais matérias-primas da indústria de máquinas agrícolas no país.

Segundo dados do Instituto Aço Brasil, o país produziu 33,7 milhões de toneladas de aço bruto em 2024 e as exportações de aço brasileiro alcançaram 9,6 milhões de toneladas no período, o que correspondeu a US$ 7,7 bilhões.

Em relação ao mesmo período do ano anterior, houve redução de 18,1% e 21,9%, respectivamente.

O destino número 1 do aço nacional, no ano passado, foi justamente os EUA, com 5,8 milhões de toneladas – queda anual de 17,3% –, seguidos pela União Europeia (681 mil toneladas).

Segundo João Daronco, analista da Suno Research, os impactos no agronegócio devem ser “mais localizados em algumas empresas”. “Não deve impactar o setor como um todo. Algumas empresas que exportam mais para os EUA podem ser mais atingidas”, afirma.

“Brasil e EUA competem para ver quem é o maior exportador do mundo. À medida que os EUA tenham relações comerciais mais restritas, o Brasil pode conseguir substituí-los em alguns momentos, o que poderia abrir uma oportunidade para o país aprofundar suas relações comerciais com a China, por exemplo”, avalia Daronco, vendo efeitos potencialmente positivos para o setor.

Para Daronco, é necessário aguardar os desdobramentos do anúncio de Trump – e esperar se as taxas serão efetivamente implementadas. “Trump já havia feito anúncios antes sobre México e Canadá, e ele acabou voltando atrás. É muito cedo para avaliar de forma definitiva. Temos de entender se será, de fato, algo permanente ou se está sendo utilizado como barganha dos EUA para conseguirem alguma coisa”, pondera.

Hugo Queiroz também minimiza as consequências do “tarifaço” dos EUA para o setor agrícola brasileiro. “A maior parte do aço consumido nos equipamentos agrícolas é oriunda do Brasil. A gente quase não exporta esse maquinário”, afirma.

“Nesse caso, pode até beneficiar a produção interna por causa do preço. O excedente de oferta de aço pode até reduzir o preço internamente. Se você não puder exportar, vai destinar a produção para algum lugar.”

Para Felipe Jordy, da Biond Agro, “o setor acompanha esse cenário com atenção”. “Um fator relevante é que, após o feriado do Ano Novo Chinês, que durou mais de uma semana, a China retornou ao mercado com estoques baixos e uma demanda urgente de importação, estimada em cerca de 3 milhões de toneladas dos Estados Unidos”, afirma.

“Diante da colheita atrasada no Brasil e dos desafios logísticos, a China dificilmente abriria mão das cargas americanas neste momento. Com isso, podemos esperar uma leve pressão nos preços internos a curto prazo. Ainda que os impactos imediatos sejam limitados, o Brasil pode se beneficiar no médio prazo, especialmente se a China ajustar suas compras futuras em resposta às tarifas americanas”, completa Jordy.

Indústria

Até o momento, as principais representantes do setor industrial brasileiro adotam cautela em relação às tarifas anunciadas pelo governo norte-americano.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por meio de nota, afirma que o “Brasil não é ameaça comercial para os Estados Unidos”.

A entidade “lamenta a decisão dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 25% sobre as importações de aço e alumínio” e diz que “a medida afeta diretamente os exportadores brasileiros, que forneceram 15% do valor importado em produtos siderúrgicos daquele país em 2024”.

“As relações diplomáticas entre os países recém completaram 200 anos, período em que o comércio e os investimentos se fortaleceram e a confiança mútua se estreitou. O Brasil está longe de ser uma ameaça comercial para os Estados Unidos: nas últimas duas décadas, os norte-americanos registraram superávits comerciais com o Brasil em 16 oportunidades”, afirma a Fiesp.

“Na atual discussão tarifária, é importante destacar que muitos produtos de origem norte-americana importados pelo Brasil, como máquinas e equipamentos, utilizam-se de regimes especiais de redução tarifária, que facilitam o acesso do exportador ao nosso mercado por meio de alíquotas zero ou próximas disso”, prossegue a entidade.

A Fiesp afirma, ainda, que “confia que as bases deste relacionamento histórico sejam suficientes para que uma solução rápida seja encontrada, com base nas regras internacionais de comércio, e em benefício das indústrias tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos”.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, informou que não vai se posicionar por enquanto. Associações setoriais, como a Aço Brasil e a Associação Brasileira do Alumínio (Abal), também não comentaram.

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