“Carta aberta ao Secretário Mário Hildebrandt”, por Lauro Bacca

Caro novo Secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil, Mário Hildebrandt.

Em primeiro lugar recebas os parabéns pela correta nomeação a esse importante cargo, justo num dos estados mais vulneráveis do Brasil no que diz respeito aos chamados desastres naturais.

De teus pensamentos, a respeito das tuas novas funções, ouvi uma recente entrevista que concedeste ao repórter Rodrigo Vieira, da Rádio Menina.

Fiquei admirado com o conhecimento que tens do assunto, considerando estares, no dia da entrevista, há apenas sete dias no cargo, auxiliado pela experiência como prefeito de Blumenau: detalhes da situação de manutenção das barragens de contenção de cheias no Vale do Itajaí (o maior sistema com esta finalidade do Brasil, estou certo?), implementação de projetos, custos etc. etc.

Comentaste, aparentemente, de cor e salteado, os 6 milhões de reais já gastos em dragagens como a de Rio do Sul, a previsão de 20 milhões de reais para, pelo que entendi, uma rede de pluviômetros que se espalhará por todo o Estado, fôramos vultosos investimentos que estão previstos para serem aplicados na construção de barragens menores que vão, em tese, ajudar a proteger as cidades do Alto Vale, incluindo Rio do Sul, a maior da região e muitos milhões a serem gastos em diques que já protegem alguns bairros de Blumenau e outros que ainda irão ser protegidos das enchentes.

Parece claro, como afirmaste, que a filosofia da Defesa Civil Estadual, no caso de enchentes e enxurradas é fazer as águas “irem o mais rápido possível embora”, assunto sobre o qual, como dizia aquele antigo humorista num quadro de TV, “há controvérsias!”

Por outro lado, admirei teu comentário de que, se evitarmos que enchentes alaguem alguns bairros, temos que ter compensações, outras áreas baixas que sirvam para acumular águas que deixam de se acumular em áreas habitadas desses bairros. Não sei não, mas, parece que foi a primeira vez que ouço uma autoridade lembrando deste detalhe, tão importante.

Também foi muito importante tua afirmação de que jamais iremos conseguir evitar enchentes, mas, que teremos que aprender sempre a conviver com elas, no que acrescentaria, minimizando seus impactos sobre a sociedade, a economia e o meio ambiente. Parabéns!

Tomara, ainda, que tudo o que falaste sobre a maior das três barragens, a de José Boiteux, se concretize, que se atinja finalmente o acordo final e a convivência em harmonia e cooperação com os indígenas da Reserva Laklaño-Xokleng, no mesmo município e que se aproveite o pequeno, mas importante potencial hidrelétrico propiciado pelo volume morto dessa barragem, portanto, sem prejudicar sua função como maior retentora de águas do sistema e a mais importante para aliviar um pouco as enchentes de Blumenau.

Não quero me alongar muito, mas, preciso mencionar uns assuntos cruciais, bem conhecidos nos países mais adiantados, mas que, parece, aqui no Brasil se desconhece, ou se finge desconhecer, ou que se ignora deliberadamente. Por exemplo, posso ter me distraído em algum pequeno momento da tua entrevista ao Rodrigo, mas, não ouvi nenhuma referência aos tempos atuais de mudanças climáticas, que as coisas já estão piorando e que tendem a piorar ainda mais, aqui e no mundo todo.

Mas, o que mais fez falta na entrevista, dentre os assuntos cruciais mencionados – e acho importantíssimo que todas as Defesas Civis adotem esse discurso aqui no Brasil, sendo que na tua atual posição, poderias ser um dos baluartes a defender isso: por que tanto enfoque apenas em OBRAS ESTRUTURAIS, com seus tantos milhões de reais para lá e para cá? Por que, quando se fala em enchentes, só se fala em barragens de contenção, diques, retificações, dragagens e derivações?

Que tal, a partir de agora, Secretário Mário (gostei dessa rima!), a Defesa Civil passar a adotar o discurso da necessidade também de MEDIDAS NÃO ESTRUTURAIS, dentre as quais, a proibição total de todo e qualquer aterro em baixadas alagáveis no Estado inteiro, como forma de minimizar as enchentes, incluindo, como bem lembraste, para podermos compensar, com armazenamento de águas alhures as águas que deixarão de ser armazenadas por não mais alagarem bairros inteiros?

Que tal a Defesa Civil também reforçar o discurso da prevenção através da PROTEÇÃO AMBIENTAL, sem a qual não há controle de cheias que seja de fato eficaz? Por exemplo, por que não tomar medidas duras e eficazes contra toda e qualquer erosão de solos, de onde se origina o lodo, as areias e os pedregulhos que tanto assoreiam nossos rios e demais cursos d’água?

Aliás, faz décadas que se discute e se aplica enfoques como esses na tão falada Europa, da qual tanto nos orgulhamos, a ponto de chamarmos nossa região de “Vale Europeu”.
Por que não, Secretário, na tua gestão, fazer também a Defesa Civil levantar a bandeira da implementação de nossas Unidades de Conservação? Por que não aproveitar o acordo com os indígenas de José Boiteux para que eles também respeitem e ajudem a proteger a Reserva Biológica Estadual do Sassafrás? Ou, que tal a Defesa Civil adotar também o discurso de defesa do Parque Nacional da Serra do Itajaí, com sua efetiva implementação, só para mencionar esses dois exemplos?

Por que insistimos nisso, Secretário Mario? Simples: só as matas protegidas por esse Parque Nacional já são responsáveis por uma retenção de água das chuvas equivalente a mais que o volume das barragens, atuais de José Boiteux, Ituporanga e Taió mais as barragens menores previstas somadas, a um custo que praticamente se resume às indenizações que os proprietários tanto esperam!

Claro, essa indenização deve ser federal, mas, não custa as forças políticas estaduais pressionarem por isso. Mas, o mais importante, em termos financeiros, vem agora: depois de totalmente implementado, o custo de manutenção de “barragens verdes!” como essa, fica praticamente em zero. Isso mesmo, repito: quase ZERO, Secretário Mário!

O mais importante, porém, vem agora: todas as águas que fizermos “ir o mais rápido embora” – claro, na “hora agá” isso será preciso, irão fazer falta em períodos de estiagens e secas. Não é isso que acontece com as “barragens verdes” de nossas florestas, principalmente as nativas. Elas não apenas ajudam a segurar as encostas e águas em épocas de enchentes e enxurradas, mas, também, garantem que boa parte dessas águas fiquem armazenadas no solo, liberando-as, depois, lentamente em forma de nascentes que nunca secam.

Isso me faz lembrar uma frase notável, deixada pelo saudoso grande botânico Dr. Roberto Miguel Klein, parceiro fundamental do Padre Raulino Reitz, que dizia: “um rio de floresta primitiva tem flutuações suaves em sua vazão, raras vezes se torna turvo e nunca seca”. Observa a sutileza da palavra “turvo”, secretário Mário: significa que dali não sai erosão significativa o suficiente para causar assoreamento de nossos rios!

A erosão no Vale do Itajaí é tão violenta, tão gritante, que não precisa ser técnico, doutor ou especialista para entender isso. Basta observar a cor extremamente barrenta do nosso rio maior, o Itajaí, ante qualquer chuvinha mais forte, nem precisa ser enchente!

O problema de erosão aqui no Vale é tão sério, que a barragem de Botuverá prestes a ser construída sob seu comando, Secretário, tem previsão de estar com o volume morto totalmente assoreado, sabes em quantos anos? Trinta anos, ou seja, praticamente nada para uma barragem!!! Sabes quantos anos os japoneses preveem de vida útil numa barragem? Novecentos anos, Secretário, novecentos anos!

E olha que o Japão é um país muitíssimo mais montanhoso que o Brasil, mais montanhoso que o Vale do Itajaí e Santa Catarina e pior, com setenta por cento de suas encostas constituídas por solos vulcânicos, altamente suscetíveis à erosão.

Claro que lá, eles investem em obras estruturais, porém essas mesmas obras, para eles, têm tanta importância quanto as medidas não estruturais. Eles sabem cuidar do meio ambiente também. Não é à toa que não tem alagamentos em Tóquio, por exemplo. Mas isso não acontece só no Japão. Em muitos outros países já se faz o mesmo. Na Alemanha de muitos dos nossos ancestrais, por exemplo.

Já me alonguei demais, apesar da sensação de eu ter apenas começado. Mais um pouco e essa carta vira um livro. Por isso, despeço-me por aqui, desejando sucesso em tua gestão, muita sabedoria e, especificamente, a luta por um enfoque holístico, sistêmico na gestão de proteção do cidadão e defesa civil, não apenas centrado em obras estruturais.
Um baitabraço e sucesso neste teu novo desafio, prezado Secretário Mário!

Leia também:

1. TriVale Cap: apostas de Blumenau e Indaial levam o prêmio principal de R$ 10 mil
2. Banana Bowl: Gaspar sediará um dos maiores torneios de tênis juvenil do mundo
3. Homem é ameaçado e roubado por suspeito armado com foice em Blumenau
4. Pró-Família oferece oficinas gratuitas para crianças e adolescentes em Blumenau
5. Luto em Gaspar: criadora do hino oficial do município morre aos 81 anos


Veja agora mesmo!

Casarão de Willy Sievert conta com detalhes projetados a mão pelo empresário blumenauense:

Siga-nos no Instagram
Entre no canal do Telegram
Siga-nos no Google Notícias

The post “Carta aberta ao Secretário Mário Hildebrandt”, por Lauro Bacca appeared first on O Município.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.