Planos de saúde: por que ações contra empresas cresceram 73% em 2 anos

O número de processos contra os planos de saúde aumentou 73,5% em dois anos, entre 2022 e 2024. No ano passado, o total de ações contra as empresas do setor chegou a 298.755. Em 2023, o número havia ficado em 233.707 e, em 2022, em 172.179.

Considerada a elevação ano a ano, houve um crescimento de 35,7% entre 2022 e 2023. No caso de 2023 para 2024, o avanço foi de 27,8%. Os dados fazem parte de um relatório anual preparado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em 2024, segundo o CNJ, os principais motivos que levaram os clientes a processar planos de saúde foram litígios sobre tratamento médico-hospitalar (154.857 casos, mais da metade do total). Em segundo lugar, ficaram as brigas pelo fornecimento de medicamentos (47.810). As pendências por causa dos reajustes contratuais (47.720) vieram a seguir, na terceira posição.

Ainda segundo o CNJ, existiam em 31 de dezembro de 2024 um total de 353.677 ações desse tipo pendentes nos tribunais. Elas tinham um tempo médio de espera para julgamento de 636 dias, o equivalente a um ano e sete meses.

O porquê da judicialização

Na avaliação de Marina Paullelli, advogada do Programa de Saúde do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), a judicialização, embora crescente, não deve ser vista como um problema. Para ela, o alto número de ações judiciais contra operadoras é reflexo de duas questões.

“A primeira delas é a baixa aderência da regulação do setor ao Código de Defesa do Consumidor (CDC)”, diz a advogada. “O CDC é a lei que orienta o funcionamento de todos os produtos e serviços. Em muitos temas, as regras do planos de saúde não alcançam o mesmo grau de proteção conferido pela lei.”

Além disso, observa Marina, o Poder Judiciário tem endereçado adequadamente a solução desses conflitos, “justamente porque os consumidores não conseguem resolvê-los extrajudicialmente”. “Problemas com reajustes excessivos, negativas de cobertura e cancelamentos indevidos são revertidos, via de regra, somente após uma ação judicial”, afirma a técnica do Idec.

Migração dos clientes

O médico Carlos Lobbé, professor dos MBAs de gestão de saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio, observa que algumas mudanças registradas nesse mercado também têm contribuído para acentuar as disputas judiciais entre empresas e consumidores.

Uma dessas alterações é a migração de pessoas para planos mais baratos. “Esses contratos mais em conta têm uma cobertura limitada”, diz Lobbé. “Muitas vezes, na hora de usar o serviço, essa restrição vira uma fonte de problemas que acaba nos tribunais.”

Verticalização

Outra modificação em curso no mercado, acrescenta Lobbé, é a crescente verticalização das empresas do setor. Ou seja, para reduzir ou controlar melhor os custos, elas têm utilizado redes próprias de hospitais e prontos-socorros para atender a clientela (é isso o que os técnicos chamam de “verticalização dos serviços”).

“Como resultado, as operadoras passam a ter um maior controle na autorização de alguns procedimentos”, afirma o especialista. “E isso também pode levar a litígios com os clientes.”

De acordo com o médico, são exemplos de planos verticalizados (ou em processo de verticalização) a Hapvida, a Amil e a Sul América-Rede D’Or. “Esse tipo de estrutura das companhias também faz com que as equipes médicas estejam mais alinhadas com os modelos das operadoras”, afirma. “Essa pode ser outra fonte de desavenças.”

Reajustes

Há ainda, a questão dos aumentos de preços, a terceira maior fonte de ações. Para planos individuais, as elevações são definidas pela ANS. No caso dos planos coletivos, são as operadoras que decidem os percentuais de reajuste. “Há muitas disputas em planos para pequenas e micro empresas, com até 29 vidas”, diz Lobbé. “Existe até um projeto na ANS para que a própria agência comece a também definir os aumentos desses planos.”

Pode piorar

Na avaliação de Harold Takahashi, analista do setor e sócio da Fortezza Partners, assessoria de investimentos especializada em fusões e aquisições, o “conjunto regulatório do setor é muito confuso”. E isso pode piorar.

“Depois de muita pressão, a ANS está tentando regular a venda de planos só de cobertura ambulatorial, para fazer frente aos chamados cartões de desconto, que já existem no mercado (estimativas apontam que eles podem ter até 60 milhões de clientes)”, diz. “Esses novos planos seriam mais baratos, porque não dariam acesso a cirurgias ou a procedimentos mais caros. O problema é que, se não regular direito, vai haver nova chuva de processos, movidos pelas pessoas que terão esses planos básicos. Vai ser uma bola de neve.”

Justiça

Para Takahashi, há outro problema. “Por vezes, o Judiciário toma partido, na linha David versus Golias, não respeitando necessariamente os contratos, sob o argumento do desequilíbrio de forças”, diz o analista.

Em relação a esse ponto, a advogada Marina Paullelli, do Idec, tem opinião diferente. “O Poder Judiciário tem organizado fluxos e normas para tramitação de processos de saúde”, diz. “É fundamental que o acesso à Justiça não seja repreendido ou diminuído e que os usuários continuem exercendo a possibilidade de buscá-la quando não conseguem resolver conflitos diretamente com as empresas.”

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