Galípolo diz ter “espaço” para falar com governo, sem “cruzar a linha”

O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, afirmou nesta quarta-feira (12/2) que tem “espaço e voz” para interagir com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e alertar as autoridades econômicas sobre as conjunturas interna e externa e eventuais riscos.

Galípolo participou de um seminário promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em parceria com o Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG), no Rio de Janeiro.

Após sua palestra durante o evento, o presidente do BC respondeu a perguntas da plateia, formada, em geral, por economistas e representantes de instituições financeiras. Ele foi questionado a respeito do grau de abertura que teria junto ao governo.

“Tenho tido espaço e voz para poder falar sobre o que eu imagino que vá acontecer com o mercado, tentar traduzir e explicar por que isso está acontecendo. Eu me sinto absolutamente contemplado para isso”, afirmou Galípolo.

“A segunda variável é onde para, institucionalmente, a função do BC. Faz parte do desafio para você não cruzar uma linha e não transcender o quadrado da autoridade monetária”, ponderou.

Nesta quarta-feira, mais cedo, em entrevista a uma emissora de rádio, Lula fez elogios a Galípolo e disse que o presidente do BC precisa de “tempo” para “consertar os juros” no país.

“Não é possível dar um cavalo de pau em um navio como o Brasil”, afirmou o presidente da República. “Precisamos ir ajustando as coisas e tenho certeza de que o Galípolo vai consertar os juros.”

Galípolo, que foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda no início do governo Lula (era o número 2 da pasta comandada por Fernando Haddad), foi indicado por Lula para a Diretoria de Política Monetária do BC e, em seguida, para a presidência da autarquia.

Inflação “desconfortável”

Gabriel Galípolo afirmou ainda que a inflação deve permanecer em patamar “desconfortável” no curto prazo, até que o aperto da política monetária faça efeito.

Durante sua participação no seminário, Galípolo disse que a autoridade monetária vem levando a cabo um movimento de manutenção da taxa básica de juros em um “patamar de segurança”. A elevação dos juros é o principal instrumento dos bancos centrais para controlar a inflação.

“A gente praticamente gabaritou todos os itens para iniciar um ciclo de alta de juros. Interrompemos um ciclo de flexibilização e começamos um ciclo de alta”, disse Galípolo.

“Demos um passo claro para quem está caminhando para colocar a taxa de juros em um patamar restritivo, com um patamar de segurança. Estamos caminhando para um patamar bastante elevado do ponto de vista de aperto monetário”, prosseguiu o chefe da autoridade monetária.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, a Selic foi elevada em 1 ponto percentual, para 13,25% ao ano, o quarto aumento consecutivo dos juros básicos.

Foi a primeira reunião do colegiado em 2025 e também a primeira desde a posse de Galípolo. Ele sucedeu a Roberto Campos Neto, que havia sido indicado por Jair Bolsonaro (PL).

Em 2024, a inflação no país foi de 4,83%. Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação para o ano passado era de 3%. Como havia um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, a meta seria cumprida se ficasse entre 1,75% e 4,75% – o que não ocorreu.

“Você deve passar por um momento desconfortável para a sociedade como um todo no curto prazo, com a inflação seguindo em um patamar desconfortável, fora da meta, e se espera que a política monetária faça efeito gradativamente, levando a um processo de desaceleração”, afirmou Galípolo.

O presidente do BC ressaltou ainda que a autoridade monetária “vai tomar o tempo necessário para ter a certeza de que os dados que estão chegando confirmam uma tendência, e não apenas volatilidade de dados de alta frequência”.

Em relação ao patamar elevado dos juros básicos no Brasil, Galípolo reconheceu que o nível da Selic está, de fato, historicamente alto, mas observou que esta não é a pergunta mais importante a ser feita.

“Nesses momentos, quando se esperava conviver com uma inflação fora da meta por um período, é normal que vão surgir discussões, como sempre, sobre o patamar da taxa de juros no Brasil. A pergunta sobre o patamar isolado da taxa de juros não coloca a questão nos termos corretos. Para mim, a pergunta é: como é possível conviver com uma taxa de juros que é elevada e, ainda assim, estar com a menor taxa de desemprego da série histórica?”, indagou.

“A minha sensação é que, ao longo dos anos, diversos setores da economia e da sociedade foram desenvolvendo vacinas para aprender a conviver com juros mais altos”, disse Galípolo.

Crescimento maior do que as projeções

Durante o seminário, Gabriel Galípolo observou que a maioria das estimativas do mercado sobre o desempenho da economia brasileira foram superadas pelos bons resultados de 2023 e 2024, especialmente no que diz respeito ao Produto Interno Bruto (PIB).

“Estamos indo para o quarto ano consecutivo de um crescimento superior do que se esperava e maior do que se estima ser o crescimento potencial do país. Uma das explicações é imaginar que as reformas que ocorreram nos últimos anos produziram ganhos. É lógico que todos nós temos carinho por essa interpretação, mas eu sou daqueles que pensam que essa hipótese depende de mais investigação e mais tempo”, ponderou o presidente do BC.

“É lógico imaginarmos que as reformas produziram esse tipo de ganho, mas é difícil encontrar evidências de ganho de produtividade além do setor do agro”, completou Galípolo.

“Ao olhar as projeções da pesquisa Focus, as revisões maiores foram em crescimento econômico, na taxa de juros e na inflação. Mas as revisões do ponto de vista do resultado primário não foram tão acentuadas.”

Cenário externo

O presidente do BC também falou brevemente sobre o cenário econômico externo, em meio às primeiras medidas de impacto anunciadas pelo governo do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos.

Trump anunciou que vai cobrar tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio para o país. Embora não tenha como principal alvo o Brasil, mas a China, o “tarifaço” de Trump deve atingir duramente a siderurgia nacional, que terá de vender o excedente do produto para outros países, sob pena de diminuir a produção, em meio ao risco de redução de empregos.

Para a economia brasileira, como um todo, as tarifas impostas pelos EUA têm o potencial de reduzir a circulação de dólares no país, com a redução das vendas, o que pode levar a uma forte desvalorização do real frente ao dólar.

“Temos um processo de dissipação de alguns choques externos que afetaram as diversas economias, desde o que aconteceu em 2008, passando por Covid e outros eventos. O esforço fiscal feito pelos países mais avançados foi maior do que o dos países emergentes e de baixa renda”, disse Galípolo.

“O rearranjo da cadeia global de valor acontece a partir da Covid e da guerra na Ucrânia. Esse processo aconteceu nos últimos anos, e o Brasil talvez não tenha conseguido aproveitar de maneira tão feliz essa realocação”, explicou.

“Em função do que tem acontecido após a vitória do presidente Trump, os receios em relação ao choque de tarifas mudam um pouco o que vimos sobre as cadeias globais de valor”, afirmou Galípolo. Para o presidente do BC, o momento atual ainda é de “muita indefinição” no ambiente externo.

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