Brasileiro gosta de ladrão

O brasileiro não está realmente preocupado com o fato de o Brasil ser apontado como um dos países mais corruptos pelo mundo pela Transparência Internacional, em fato medido, comprovado. Em 2012, estávamos no 69º lugar, entre 180 países. Hoje, estamos na 107ª posição.

Não era honroso, mas não era desastroso. Agora, estamos no nosso devido lugar: o do desastre permanente. Objetivos alcançados, missão cumprida.

Brasileiro gosta de ladrão. Vota em ladrão, tem simpatia por ladrão, solta ladrão. Admira ladrão, homenageia ladrão. As exceções confirmam a regra. O destino.

Estou falando de política, não do ladrão cotidiano, do assaltante, do falso entregador que mata por celular, do chefão da facção criminosa. Estranhamente, porém, o brasileiro não estabelece relação entre uma coisa e outra. Entre o ladrão da política e o ladrão que inferniza o nosso dia a dia. É como se o segundo não fosse o resultado do primeiro, não fosse o seu espelho.

Já presenciei olhinhos que pareciam honestos se revirarem de prazer quase carnal diante de notórios finórios. No fundo, quanto não dariam para ser como eles?

Certa vez, em uma roda em São Paulo, ouvi um sujeito dizer para o gáudio dos presentes: “Não preciso mais fazer política, já ganhei dinheiro suficiente”. Juro. Eu não sabia quem era o gajo, fui informado sob demanda, no privado, de que se tratava de um ex-suplente de senador de um estado do Centro-Oeste, como você não conhece, rapaz? Mas a casa do ex-suplente — espetacular, você precisa ver — era na capital paulista. É.

O destino do brasileiro teve um interregno durante a Lava Jato. Aquela operação que cometeu “erros”, como repetem os meus colegas de profissão no aposto obrigatório ao lamentar as condenações revogadas, o produto de roubo devolvido. Lamento profissional, bem entendido, e que até culpa os “erros” da Lava Jato por tudo ter voltado a ser como sempre foi ou até pior.

Vamos deixar de conversa mole e adentrar a conversa dura: o grande “erro” da operação foi ter investigado, processado e prendido ladrão graúdo, de empresário a político, aproximando-se perigosamente das togas. A Justiça brasileira tratou de consertar esse erro, de nos tirar do desvio, e de impedir que ele se repita. Era perigo da extrema direita, ameaça para a democracia, já passou.

O nosso destino: a cobiça. É a história, é a sociologia. Paulo Prado, Retrato do Brasil, está lá: “Corsários, flibusteiros, caçulas das antigas famílias nobres, jogadores arruinados, padres revoltados ou remissos, vagabundos dos portos do Mediterrâneo, anarquistas e insubmissos às peias sociais – toda a escuma turva das velhas civilizações, foi deles o Novo Mundo”.

O que resta? Paulo Mendes Campos, o Paulinho amigo, lá de 1961, em crônica: “Resta por fim como espantalho gritantemente brasileiro, vergonhosamente brasileiro, o pobre, nosso compatriota de  pé no chão, destroçado pelos parasitas, cegado pelo tracoma, morando em casebres de barro, palafitas, mocambos, favelas, cobertos de feridas, analfabeto, mal alimentado, vestido de farrapos, pobre criatura humana, pobre bicho humano, pobre coisa humana, pobre brasileiro humano”.

Mas vamos deixar de sentimentalismos. Se pudesse, o nosso compatriota de pé no chão roubaria também.

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