Destruindo pontes no Atlântico Norte (por Marcos Magalhães)

Entre os sonhos mais acalentados pelos futurólogos está um túnel submarino onde trens de alta velocidade poderiam ligar Nova York a Londres em apenas uma hora, ao custo de US$ 20 trilhões. Enquanto a conexão física permanece nas pranchetas, a ponte política entre a América do Norte e a Europa ameaça ruir.

Agora chefe do Departamento de Eficiência Governamental do governo de Donald Trump, Elon Musk já disse que suas empresas poderiam construir o túnel sob o Atlântico Norte. Dentro de tubos a vácuo, imaginados pelo bilionário no projeto Hyperloop, os trens poderiam alcançar inimagináveis 4000 quilômetros por hora.

O sonho pode estar a décadas de distância. No momento, porém, Musk e seus aliados em Washington começam rapidamente a cavar um enorme fosso político entre os principais atores do Ocidente. A começar pela aposta na extrema-direita europeia.

Primeiro foi o bilionário quem demonstrou publicamente simpatia pela AfD, partido que atrai órfãos do nazismo na Alemanha. Depois foi a vez de o vice-presidente dos Estados Unidos, James Vance, avançar no movimento de aproximação com os neonazistas.

A poucos dias das eleições legislativas na Alemanha, Vance criticou o acordo entre os maiores partidos políticos do país para estabelecer uma proteção conjunta – conhecida como “firewall” – contra a ascensão da direita radical.

“A democracia repousa no princípio sagrado de que a voz do povo importa”, disse Vance na Conferência sobre Segurança de Munique. “Ou você defende o princípio ou não”.

Durante a conferência, o vice-presidente afirmou que os maiores riscos para a Europa não estão na Rússia ou na China, mas nos “inimigos internos”. Ele acusou ainda os “comissários” da União Europeia de “suprimir a liberdade de expressão”.

Tudo isso pouco antes de uma reunião entre autoridades de alto nível dos Estados Unidos e da Rússia nesta terça-feira (18), na Arábia Saudita, para discutir a possibilidade do fim da guerra na Ucrânia.

Ou seja, americanos e russos discutirão o maior conflito em solo europeu desde 1945. Mas sem a presença da União Europeia ou da Ucrânia, cujo território foi invadido há quase três anos por tropas russas.

Escanteada por Washington, a Europa procura unir-se em uma resposta. O presidente da França, Emmanuel Macron, tomou a iniciativa e propôs um encontro de emergência em Paris. Ao final da reunião, o chanceler alemão Olaf Scholz deu o tom ao considerar “inaceitável” um acordo de paz imposto à Ucrânia.

“Nós continuaremos a apoiar a Ucrânia”, assegurou Scholz diante do Palácio Eliseu. “A Ucrânia pode confiar em nós”.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky já percebeu que o mesmo não se aplica aos Estados Unidos, depois da posse de Trump. E, sem o apoio de Washington, ele dificilmente terá os meios de resistir a um acordo entre Trump e Vladimir Putin.

Da mesma forma, a Europa também se dá conta de que não poderá mais contar com o apoio americano à sua própria segurança.

“Entre os Estados Unidos e a Europa, a fratura é profunda, e a ruptura, histórica”, assinalou na segunda-feira o jornal francês Le Monde, em editorial intitulado “A Europa frente a um desafio histórico”.

Segundo o editorial, a perspectiva de perda de proteção militar americana é “potencialmente devastadora” para a unidade do Velho Continente. “A partir de agora, a segurança do continente depende essencialmente dos próprios europeus e de sua capacidade de manter a coesão”.

Em artigo publicado em Londres no mesmo dia, o principal comentarista internacional do jornal Financial Times, Gideon Rachman relata ter ouvido de um graduado diplomata europeu, na Conferência de Munique, o diagnóstico de que a Europa está só.

“Quando perguntei a ele se agora via os Estados Unidos como adversário”, escreveu o articulista, “ele respondeu: ‘Sim’”.

Para Rachman, está claro agora que os Estados Unidos não podem mais ser vistos como um aliado confiável da Europa. Ele concorda com a visão do diplomata ouvido em Munique.

“As ambições políticas da administração Trump para a Europa significam que, no momento, a América é também uma adversária – ameaçando a democracia na Europa e até o território europeu, no caso da Groenlândia”, observou.

O Ocidente, tal como se desenhou depois da 2ª Guerra Mundial, parece que tão cedo não será mais o mesmo.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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