Filho de brasileira morta em atentado na França emociona tribunal

Os familiares das vítimas foram ouvidos nessa quarta-feira (19/2) no 8° dia do julgamento do atentado de 2020 na Catedral de Nice, na França. Entre eles estão os dois filhos de Simone Barreto, a franco-brasileira morta no ataque. As irmãs da vítima, Solange e Bárbara, também prestaram depoimento dizendo que esperam que “seja feita justiça”. O réu, o tunisiano Brahim Aouissaoui, de 25 anos, responde por homicídio e tentativa de homicídio em conexão com organização terrorista.

O depoimento dos filhos de Simone era um dos momentos mais aguardados do julgamento do ataque de Nice. Entre os familiares das vítimas, eles eram os únicos menores de idade na época do atentado. Seus nomes não serão revelados a pedido de seus advogados.

Muito emocionado e aos prantos, o filho mais novo da brasileira, que tinha dez anos na época do ataque, comoveu o tribunal ao contar como soube da morte da mãe.

“Eu pensei que era um dia como os outros. Minha tia Bárbara tentou falar com minha mãe. E algumas horas depois ela me disse que houve um atentado em Nice, na igreja. Mas na minha cabeça eu não sabia que era minha mãe que estava lá”, contou diante do tribunal.

“À noite minha mãe não chegava. Minha tia Bárbara estava preocupada. Ela me disse para eu me vestir e comecei a ver a família chegando. A polícia chegou e nos explicou que minha mãe tinha morrido, mas pouco antes eu já tinha entendido que minha mãe tinha morrido”, relembrou, chorando.

O menino, que agora tem 15 anos, disse que logo após o atentado, começou a apresentar dificuldades na escola. “Ainda é complicado hoje, mas tenho orgulho de mim mesmo por tentar ficar concentrado”, disse.

“Eu choro todo dia na minha casa sem que minha irmã e minha tia saibam. Fora de casa eu tento ser corajoso e diante da minha família, mas eu não consigo”, disse com a voz embargada, sem conseguir terminar a frase. O jovem foi confortado pelo juiz, que afirmou que ele “era corajoso por ir ao tribunal” e que “muitos adultos não fariam isso”.

“Minha irmã vai bem na escola, ela tem boas notas. Quando ela sai da escola eu tento protegê-la. Eu tenho medo que aconteça alguma coisa com ela. Eu pratico muito esporte, capoeira, piscina, piano, break e boxe. Treino muito em casa, porque, se por acaso acontecer algum problema com minha família, com minha irmã, eu posso defendê-los em caso de problema”, disse enxugando as lágrimas com as mãos.

Simone tinha 44 anos e três filhos. A mais nova, que na época do atentado tinha 4 anos, não quis participar do julgamento.

Imperdoável

O filho mais velho de Simone tem, atualmente, 20 anos, trabalha em um restaurante em Nice e vive com os avós paternos. Durante seu depoimento, ele se dirigiu a Aouissaoui, dizendo que o que ele fez foi “imperdoável”.

“Tudo que eu sei é que ele veio a Nice porque queria atingir aos ‘ímpios e cães’. Mas para nós, para nossa família, ela representava uma amiga, uma irmã, uma prima, um pai, uma mãe. Hoje ela não está mais aqui”, disse olhando para o acusado do atentado.

“Aouissaoui você nos levou muito, nos traumatizou, nos despedaçou, nos enfraqueceu, mas seja eu, minha família ou outras famílias, a gente vai se recuperar. Vai ser duro, mas vamos nos recuperar. Aouissaoui eu te insultei, mas hoje eu olho para você e sorrio”, disse.

Durante toda audiência, o tunisiano ouviu os relatos, traduzidos por uma intérprete em árabe, com a cabeça baixa, mas parecia atento.

Além dos filhos, também foram ouvidas as duas irmãs de Simone, Solange e Bárbara, que descreveram a brasileira como uma pessoa dinâmica e batalhadora. “Não esperávamos essa tragédia em nossa família. Era uma pessoa solar, uma mãe perfeita para seus filhos, cheia de alegria, uma mãe que lutava para criar seus filhos sozinha”, disse Solange lembrando as últimas palavras da irmã, “diga a meus filhos que eu os amo”.

Ela explicou que Simone tinha o hábito de passar pela Catedral de Nice a caminho do trabalho e acender uma vela.

Dificuldades de cuidar de família numerosa

Desde sua morte, as duas irmãs se encarregam dos três filhos de Simone. “Eu não desejo isso para ninguém. Se coloquem em nosso lugar. Eu estou aqui para trazer uma palavra de paz porque temos necessidade hoje de paz, independente de nossa religião, somos humanos. Por que se destruir dessa maneira? Tudo que queríamos era estarmos tranquilos, em família”, disse Solange. “Como brasileira que sou, eu busco só isso, a alegria de viver, mas está muito difícil ter uma vida em paz hoje”, lamentou.

Solange também agradeceu as ajudas da cidade de Nice e de associações. “Felizmente existem pessoas de boa vontade nessa terra. A cidade de Nice sempre esteve presente por nós, as associações, recebemos mensagens do mundo inteiro, estivemos bem apoiados e isso nos deu força”, disse.

Mas ela também lembrou as dificuldades de cuidar de uma família numerosa. “Passei de uma família de um filho a três e trabalho como cuidadora. Não vivemos como antes, temos sempre medo. Nada vai mudar isso”, lamentou.

Na saída do julgamento, Solange Barreto disse à RFI, parceiro do Metrópoles, que espera que o acusado seja condenado à pena máxima, que neste caso é a prisão perpétua.

Além de Simone Barreto, Aouissaoui é acusado de ter matado a facadas, em 29 de outubro de 2020, Nadine Devillers, de 60 anos e o sacristão Vincent Loquès, de 55 anos, cujas famílias também foram ouvidas nesta quarta-feira.

Gravemente ferido pela polícia durante o ataque, o tunisiano se recuperou, mas afirma não se lembrar do que aconteceu. No entanto, segundo médicos que o examinaram, os ferimentos que sofreu não poderiam ter causado uma amnésia. Ele não quis se pronunciar nessa quarta-feira quando o juiz perguntou se ele tinha algo a declarar.

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