Ora pro Papa

Sei que pode parecer cruel, mas quem disse que o jornalismo não é cruel? Em todas as grandes redações do mundo, o obituário do Papa Francisco está pronto. Será revisado diariamente de acordo com a evolução do seu estado de saúde. A morte é a única coisa previsível da vida. Nem todos merecemos um obituário, mas o Papa, sim, como líder de uma das poucas religiões universais.

Sou católico, sobrinho de um arcebispo que já morreu, e fiz a primeira comunhão com cinco anos. Acompanho com atenção o fim dos pontificados desde que Pio XII morreu em outubro de 1958. Eu tinha 9 anos, e uma tia carola, Zezinha, que queria que eu fosse padre. Com ela ia às missas do domingo. Tia Zezinha vivia com um terço na mão e um inseparável relógio despertador.

Quando não estava costurando, rezava. E gostava de ver a hora apesar de não ter muito o que fazer, ou de fazer as mesmas coisas todo santo dia: levantar-se cedo, forrar a cama, rezar diante do santuário do seu quarto, tomar café, ler o jornal, costurar, almoçar, tirar um cochilo, voltar a costurar, passar algumas horas no terraço da casa lendo um livro ou rezando, jantar, rezar e ir dormir.

Ela mal dormiu durante a agonia de Pio XII e chorou muito. O Papa seguinte foi João XXIII, de idade avançada, e que governaria a Igreja por cinco anos; um Papa de transição, como tantos eleitos para suceder pontífices longevos. Depois de São Pedro, o pontificados mais longos da história foram o de Pio IX (31 anos) e João Paulo II (26 anos). O de Francisco tem 11 anos.

Não ouvi tia Zezinha chorando nem rezando muito enquanto João XXIII morria, o Papa que convocou o Concílio Vaticano II e revolucionou a história da Igreja. À época, não se falava ainda em Igreja conservadora e progressista. Começou-se a falar com o Papa Paulo VI, que sucedeu a João XXIII. Por isso não digo que tia Zezinha era conservadora. Era apenas uma mulher de fé.

E provou mais uma vez sua fé quando lhe perguntei, curioso, por que chorou e rezou para que Pio XII não morresse, e, no caso de João XXIII, parecia não estar nem aí para a sorte dele.  Ela me respondeu:

– Porque ele não vai morrer.

– Como a senhora sabe? – insisti, curioso.

– Fiz um acordo com Deus. Em troca da vida do Papa, eu disse a Deus que ele poderia tirar a minha vida, a de Maria Laurinda e…

– E o quê, tia?

– E a sua vida – ela completou.

– A minha? – perguntei incrédulo e nervoso.

– Eu já estou com mais de 65 anos, Maria Laurinda, que vive numa cadeira de rodas, com mais de 50. Você, meu filho, nem completou 15 anos. Se Deus o levar, você irá direto para o céu.

– Mas eu não quero ir para o céu agora.

– O céu é um lugar muito bonito, Ricardo José. Você vai gostar de lá – ela respondeu.

Confesso: foi a única vez que torci para que Deus abreviasse a vida de um Papa, e respirei aliviado quando aconteceu. Só tia Zezinha e minha mãe Eunice me chamavam de Ricardo José.

Hoje, de Francisco, os conservadores dizem que ele é um Papa de esquerda. O ídolo deles continua sendo João Paulo II, o Papa polonês que combateu o comunismo às claras e, em segredo, com a ajuda de Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos, e da CIA. João Paulo II visitou o Chile e não se acanhou em posar para fotos ao lado do ditador sanguinário Augusto Pinochet.

O argentino Jorge Mario Bergoglio, 88 anos, é o pontífice mais velho desde Leão XIII, que morreu aos 93 anos. Está internado em estado crítico no hospital Gemelli, em Roma. Ele renunciará ao cargo caso não se sinta capaz. Desde a renúncia do Papa alemão Joseph Ratzinger, que adotou o nome de Bento XVI, essa é uma possibilidade real. Francisco já assinou sua carta de renúncia.

Não cabe a nenhuma instância da Igreja aceitá-la ou rejeitá-la, somente cumprir o que está escrito. Além de Bento XVI, mais três Papas renunciaram: Gregório XII, em 1415; Celestino V, em 1294; e Ponciano, em 235. Oro para que Francisco não morra tão cedo e nem precise renunciar. E convido a todos a rezarem por ele. Amém.

 

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