Por que o sauim-de-coleira não terá tapete verde na COP-30 de Belém?

Eis o drama do sauim, um dândi da floresta, que insiste em habitar uma Manaus que não cabe mais nos mapas dos empreiteiros

Juscelino Taketomi – jornalista

Primeiro, a pergunta que não quer calar: o que poderia ousar o “Saguinus bicolor” — vulgo sauim-de-coleira — durante o espetáculo burocrático da COP30? Para que serviria sua presença num salão climatizado, entre ternos engomados e discursos de gala, se sua existência já foi arquivada como “dano colateral” nos relatórios do progresso?

Sim, eis o drama do sauim, um dândi da floresta, de fraque branco e olhos arregalados, que insiste em habitar uma Manaus que não cabe mais nos mapas dos empreiteiros. Um dândi sem eira nem beira, diga-se, pois suas árvores viraram vigas de shopping, e seus igarapés, canais de esgoto a céu aberto. Mas que importa? O progresso, esse cavalheiro de botas sujas de lama e concreto, não espera por macacos.

Dizem que o sauim teve a audácia de nascer antes das placas de “Vende-se”, antes dos guindastes, antes do asfalto que engole a terra como uma serpente faminta.

Invasor em sua casa

Dizem que quando Manaus dormia sob o véu da floresta, o sauim já dançava entre copas, ignorante de que um dia seria tratado como um invasor em sua própria casa. Agora, restam-lhe migalhas de mata: ilhas verdes onde salta de telhado em telhado, equilibrista sem plateia, vendo os primos caírem eletrocutados ou virarem mancha no asfalto.

Mas, alguém dirá que este cronista é exagerado já que existe a APA Sauim-de-Manaus, uma sigla pomposa, uma moldura dourada para um quadro que ninguém quer ver. Debaixo do título “Área de Proteção Ambiental” esconde-se o truque preferido da política: batiza-se de “reserva” o que já está condenado, como dar um nome de batismo a um defunto.

Na realidade cotidiana, os tratores mastigam as bordas da Reserva Ducke, essa senhora de 1963 que resiste, orgulhosa, mas já cercada por muros de condomínios com nomes bucólicos — “Villa Verde”, “Paraíso dos Ipês” —, ironias de um marketing que vende criminosamente a natureza que destrói.

Um baile de máscaras

E a COP30? Ora, a COP30 será um baile de máscaras. Lá, conforme o andar da carruagem da organização, os delegados se refestelarão no evento com água de coco tipo carbono neutro, e o sauim assistirá tudo de longe, quem sabe pendurado num fio de alta tensão, estupefato com o teatro daqueles que decidirão o destino da Amazônia sem pisar em folha seca.

Os delegados perguntarão: “Como salvar a floresta?”. Dirão: “É preciso audácia!”. E audaciosamente ignorarão o macaco que, aliás, nem foi convidado — afinal, que credencial teria um bicho que não assina cheques, não compra votos e, pior, não se adequa ao charmoso marketing da sustentabilidade?

Imaginem, por um delírio, o sauim no pódio da COP. Que diria ele? Balbuciaria sobre corredores ecológicos que são becos sem saída, sobre licenças de desmate que caem como folhas no outono, ou sobre a Reserva Ducke, agora ilha de verde num mar de caixas de concreto. Mas calaria, claro. Saberia que, em conferências globais, a voz dos condenados é estática no microfone.

Estatísticas mórbidas

Por tudo isso, talvez seja melhor assim, talvez seja mais aconselhável o querido macaquinho não sair de Manaus para ir a Belém. Porque o sauim-de-coleira não pertence à COP30. Ele pertence às estatísticas mórbidas de “espécies quase extintas”, aos folders turísticos que enfeitam aeroportos, ao silêncio cúmplice de quem prefere não ter olhos para ver.

Ao mesmo tempo, nas bordas de Manaus, as motosserras cantarolam seu hino ao desenvolvimento, e o sauim, um poeta sem leitores, escreve — com seus saltos desesperados — uma crônica que ninguém lerá.

P.S.: Se um dia encontrarem seu esqueleto sob um prédio de 30 andares, não se surpreendam. Até na morte, o sauim será um emblema, emblema de um Brasil que protege o futuro com discursos e enterra o presente com escavadeiras, exatamente como está enterrando nosso pequeno macaco manauara.

Com sua carinha de espanto e o corpo pintado de branco e castanho, o sauim é considerado um estorvo para a cidade cujo crescimento urbano segue a passos largos de concreto, asfalto e falácias ecológicas com alto padrão de cinismo politiqueiro.

  • Juscelino Taketomi é jornalista e servidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam)

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