África: bactérias tóxicas estão deixando água do Lago Vitória verde

*O artigo foi escrito pelos pesquisadores Lauren Hart, George S Bullerjahn, Gregory J. Dick e Kefa M. Otiso e publicado na plataforma The Conversation Brasil. 

Os lagos naturais e artificiais fornecem água, alimentos e habitats para a vida selvagem, além de apoiar as economias locais. No entanto, em todo o mundo, há uma ameaça crescente: bactérias tóxicas que tornam a água verde. Esse é o mesmo verde que você vê em lagos estagnados. Ele é causado por organismos minúsculos chamados cianobactérias e pode ser mortal.

As cianobactérias se desenvolvem em lagos e lagoas quentes e ensolarados que contêm excesso de nutrientes de nitrogênio e fósforo derivados de fertilizantes, esterco e esgoto. Quando as condições são favoráveis, as cianobactérias se multiplicam rapidamente e formam espumas verdes e malcheirosas na superfície da água.

Conhecidas pela ciência como cyanoHABs (cyanobacterial harmful algal blooms), as espumas são prejudiciais para o gado, a vida selvagem, os animais de estimação, as pessoas e os organismos aquáticos, como os peixes.

As toxinas tornam a água não tratada insegura para beber, nadar ou até mesmo tocar. Às vezes, elas podem ficar suspensas no ar e ser inaladas. As cianoHABs também prejudicam os ecossistemas ao esgotar o oxigênio, matando tudo o que vive na água e perturbando as cadeias alimentares e a pesca.

As cyanoHABs são uma ameaça global e recebem considerável atenção científica na América do Norte e Europa. As florações estão se tornando mais difundidas em todo o mundo porque o aumento das temperaturas promove o crescimento de cianobactérias e as chuvas mais intensas fornecem nutrientes da paisagem. Somente o gerenciamento eficaz dos nutrientes pode reverter essa tendência.

O problema é pouco estudado nos principais lagos da África, inclusive no maior deles, o Lago Vitória. Pesquisas anteriores sobre cianobactérias utilizaram principalmente a microscopia para estudar os tipos encontrados, mas a microscopia não consegue diferenciar entre células cianobacterianas tóxicas e não tóxicas.

Fazemos parte de uma grande equipe de projeto de cientistas que vem estudando os efeitos socioeconômicos e ambientais das cianobactérias na região do Golfo de Winam, no Lago Vitória, no sudoeste do Quênia.

Nosso último estudo identificou quais cianobactérias eram as mais abundantes no golfo e quais produziam a principal toxina de interesse.

Essas descobertas podem melhorar a segurança pública:

  • As autoridades locais podem monitorar a presença de cianobactérias específicas e alertar os moradores para que se mantenham afastados quando houver florações;
  • As práticas de prevenção de CyanoHABs (redução de nutrientes, práticas de uso da terra) podem ter como alvo as cianobactérias que causam o problema.

Ecologização de lagos

O Lago Vitória agora recebe grandes influxos de nutrientes devido ao crescimento da população à beira do lago e às mudanças no uso da terra. Os nutrientes da agricultura, da indústria e da urbanização alimentam o crescimento de cyanoHABs.

As cyanoHABs ocorrem em muitas bacias do Lago Vitória, mas estão altamente concentradas no Golfo de Winam/Nyanza, no Quênia, que é raso. As mudanças nas condições de nutrientes e temperatura também podem alterar os tipos de cianobactérias que dominam o golfo e os tipos e níveis de toxinas na água. As comunidades ribeirinhas que dependem do golfo para obter água potável e realizar tarefas domésticas correm o risco de serem expostas às toxinas das cianobactérias.

Pesquisas anteriores sobre cianobactérias têm usado principalmente a mais antiga das técnicas microbiológicas – microscopia – para classificar os tipos de cianobactérias no golfo. Esse método não consegue diferenciar entre células de cianobactérias tóxicas e não tóxicas.

As modernas tecnologias de sequenciamento do genoma podem identificar genes que codificam a produção de toxinas conhecidas e novas e outras moléculas de interesse, como aquelas com propriedades medicinais. Os dados genômicos dos Grandes Lagos africanos são escassos, de modo que as capacidades químicas das bactérias dessa região são amplamente inexploradas. Mas isso está começando a mudar.

Nosso último estudo se soma a um número crescente de estudos recentes que nossa equipe realizou no Lago Vitória e em seus arredores. Nesse estudo, nosso navio de pesquisa parou em mais de 31 locais para coletar amostras e dados científicos. Posteriormente, as amostras foram analisadas em busca de DNA, o “manual de instruções” biológico dentro de cada ser vivo.

O DNA informa a um organismo como crescer, funcionar, reproduzir-se e, no caso das cianobactérias, produzir toxinas mortais. Essa análise produziu sequências de genoma quase completas, ou seja, o conjunto de todos os genes no DNA, para organismos em cada local de amostragem.

Relatórios anteriores identificaram a Microcystis como a cianobactéria dominante no Golfo de Winam. Nossa pesquisa, no entanto, descobriu que a Dolichospermum era o tipo mais abundante nos principais eventos de cianoHAB no local. Essa descoberta pode ser devida a mudanças ambientais recentes na região.

Mas associamos a Microcystis à microcistina. Essa é uma toxina prejudicial ao fígado que pode matar animais de criação, animais selvagens e seres humanos, especialmente aqueles cujo sistema imunológico não está funcionando bem. No Golfo de Winam, ela é frequentemente mais abundante do que os limites de saúde estabelecidos pela OMS.

Nosso estudo também descobriu que a Microcystis ocorre principalmente em bocas de rios mais turvas, onde as espumas verdes não são visíveis, tornando o monitoramento científico e os alertas públicos ainda mais importantes.

As autoridades locais agora podem monitorar a presença dessas cianobactérias e alertar os residentes para que fiquem longe quando houver florações.

As descobertas também significam que as autoridades sabem quais cianobactérias devem ser alvo de esforços de prevenção, como a redução da quantidade de fósforo e outros nutrientes que entram no golfo.

Por fim, nosso estudo genômico revelou mais de 300 genes não caracterizados que podem produzir novas moléculas de cianobactérias. Essas moléculas podem ter efeitos tóxicos ou terapêuticos e oferecem uma oportunidade de exploração para futuros pesquisadores.

Um modelo para o que está por vir

O rápido crescimento da população humana e o assentamento em torno de lagos e suas bacias hidrográficas estão levando a altos níveis de nutrientes em lagos em todo o mundo. Isso resulta no crescimento excessivo de algas e plantas aquáticas. É provável que esse perigo aumente com o aquecimento global, pois as temperaturas quentes promovem a proliferação de algas.

Nossos dados fornecem uma base para remediar esse problema no Lago Victoria e, possivelmente, descobrir propriedades benéficas em cyanoHABs.

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