O que o Oscar de Ainda Estou Aqui significa para o cinema nacional

Na noite de domingo (2/3), o Brasil fez história no Oscar. Indicado a três categorias, Ainda Estou Aqui conquistou a estatueta de Melhor Filme Internacional — um feito inédito para o país. Especialistas são unânimes ao afirmar que a visibilidade alcançada pelo longa reflete a crescente projeção do país no cinema internacional, com promissores desdobramentos para o futuro.

Para o cineasta Iberê Carvalho, as indicações ao Oscar foram fundamentais para “quebrar estereótipos ultrapassados sobre o cinema brasileiro”, especialmente em um país onde o mercado cinematográfico é amplamente dominado por produções estrangeiras.

Crítica de cinema e votante no Globo de Ouro, Fabiana Lima complementa, destacando a importância de valorizar ainda mais os filmes nacionais, especialmente após o “sucateamento” da indústria cultural e audiovisual nos últimos anos.

Já a professora da UnB, Rose May, ressalta que essa visibilidade não apenas coloca os olhos do mundo sobre o Brasil, mas também abre portas para novos investimentos em profissionais do cinema, como roteiristas e diretores, o que é “essencial para continuar produzindo um cinema nacional de qualidade”.

Márcio Sallem destacou que o cinema brasileiro não depende de validações externas, pois produz obras de alta qualidade. Além do reconhecimento no Oscar, as produções do país são frequentemente premiadas em importantes festivais como Berlim, Veneza e muitos outros.

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O livro Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubes Paiva, inspirou o filme homônimo com Fernanda Torres e Selton Mello. A obra foi lançada pela editora Alfaguara.

Fernanda Torres no filme Ainda Estou Aqui
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O livro Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubes Paiva, inspirou o filme homônimo com Fernanda Torres e Selton Mello. A obra foi lançada pela editora Alfaguara.

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Resgate do cinema nacional

No Brasil, Ainda Estou Aqui arrecadou R$ 104,6 milhões, consolidando-se como a terceira maior bilheteria do país desde 2018, ano de início da série histórica da Ancine. Com mais de 5,1 milhões de espectadores no território nacional, o filme também tem se destacado no exterior, somando um total de US$ 27,4 milhões (aproximadamente R$ 159 milhões).

O filme alcançou um marco histórico ao ser exibido em 420 das 439 cidades brasileiras, maior número de cidades para um filme nos últimos sete anos. Em termos proporcionais, o recorde de maior audiência por número de salas pertence a Minha Mãe É uma Peça 3, estrelado por Paulo Gustavo.

No mercado internacional, o sucesso é igualmente notável: Ainda Estou Aqui arrecadou US$ 4,26 milhões (cerca de R$ 24,8 milhões) desde sua estreia nos cinemas dos Estados Unidos e Canadá, em janeiro. Após as indicações ao Oscar – Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres – o longa atingiu seu pico de exibição em 704 cinemas nos EUA.

Na avaliação de Iberê Carvalho, as indicações ao Oscar ajudaram a atrair ainda mais público para as salas de cinema, “gerando um interesse renovado pelo cinema brasileiro”. Para o cineasta, esse movimento indica o “aquecimento do mercado interno”, que pode ser sustentável se o país aproveitar o momento para fortalecer os mecanismos de fomento à produção nacional.

Com uma projeção para o futuro, ele classifica como essencial que políticas públicas, como a Cota Tela, continuem a apoiar o cinema brasileiro, pois, sem investimentos consistentes, será “difícil repetir o ciclo virtuoso” de Ainda Estou Aqui.

“Os filmes brasileiros enfrentam dificuldades de distribuição no próprio Brasil”, observa Ivana Bentes. Ela acrescenta que é fundamental dar mais visibilidade às produções nacionais, fazendo um paralelo com o futebol.

Para a professora, assim como no esporte, a arte brasileira possui muitos talentos escondidos em “campinhos culturais”, e as oportunidades para um artista que fala português não são as mesmas que para um europeu ou um anglófono.

Engajamento

Quando se fala sobre a campanha de Ainda Estou Aqui até o Oscar, é impossível não mencionar a importância das redes sociais. A jornada do filme, que ganhou destaque mundial, principalmente nos Estados Unidos — onde ocorre o evento e reside a maior indústria cinematográfica do planeta —, foi amplamente impulsionada por essas plataformas.

Desde a indicação de Fernanda Torres ao Globo de Ouro, passando pela vitória e sua entrevista no programa de Jimmy Kimmel, até as polêmicas envolvendo Karla Sofía Gascón, de Emilia Pérez, que era uma das favoritas à estatueta, o público brasileiro mostrou sua força e engajamento nas redes sociais.

“O filme alcançou um nível de reconhecimento e mobilização que poucas produções brasileiras conseguiram. O orgulho e o envolvimento do público são evidentes, e isso demonstra o imenso potencial do cinema nacional”, afirmou Iberê Carvalho.

Isabella Faria complementou que, nos dias de hoje, comentar e celebrar nas redes sociais é uma das formas mais eficazes de divulgação. “Quando o público brasileiro se engaja com as produções, é um sinal claro de que, apesar de todas as dificuldades, ainda há uma luta fervorosa pelo cinema nacional. Esse apoio é crucial para mostrar aos brasileiros e ao mundo que nosso audiovisual tem muito valor”, destacou.

Fabiana também apontou que muitos votantes do Oscar estão ativos nas redes sociais e acredita que, ao ver esse movimento, muitos devem ter ficado surpresos e, possivelmente, “se sentiram motivados a assistir ao filme”.

Mais estatuetas no futuro

Os especialistas também apontam que, desta vez, impulsionado pelo sucesso de Ainda Estou Aqui e pela Oscar de Melhor Filme Internacional, o Brasil pode não demorar tanto para voltar ao evento da Academia. Em comparação com os 25 anos entre Central do Brasil e o novo filme de Walter Salles, a expectativa é de que o intervalo de tempo seja significativamente menor.

Esse otimismo é alimentado pelo fato de que, independentemente do resultado da premiação, o Oscar é uma vitrine global que atrai olhares cada vez mais curiosos sobre o cinema brasileiro e o que está sendo produzido no país.

Entre as expectativas para o futuro, destacam-se o aguardado O Último Azul, de Gabriel Mascaro, que venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim, e o novo filme de Kleber Mendonça Filho, que será lançado em maio no Festival de Cannes, um dos maiores e mais prestigiados do mundo.

Além do cinema

Para além do cinema, Ivana Bentes destaca que a campanha de Ainda Estou Aqui carrega uma mensagem pedagógica essencial para muitos jovens que “não têm noção do que foi a ditadura militar”.

“Em um momento de negacionismo histórico por parte de grupos conservadores e extremistas que minimizam ou fazem apologia à ditadura e aos torturadores, o filme mostra, de forma inequívoca, os crimes cometidos pelo regime contra uma família brasileira comum”, afirmou, ressaltando que Ainda Estou Aqui é uma prova de que o Brasil tem “personagens comoventes, como Eunice Paiva, e histórias impactantes a serem contadas.

De fato, o  impacto do longa refletiu até mesmo em questões jurídicas atuais. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, está prestes a decidir se a Lei da Anistia se aplica a crimes como sequestro e cárcere privado cometidos durante a ditadura militar.

O tema foi reconhecido como de repercussão geral pelo Plenário Virtual e está vinculado a processos que investigam a morte do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado em 1971.

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