Notas aleatórias de carnaval

No pré-carnaval fui ao ensaio do Vai-Vai, tradicional escola de São Paulo. Na rua. Cadê a quadra? A construção do metrô devorou. Desalojada, a escola tem ensaiado na quadra do Sindicato dos Bancários. Foi o reencontro da escola com o bairro do Bixiga, as pessoas cantando o samba-enredo a plenos pulmões. É clichê da bolha de esquerda, mas é um carnaval de resistência.

O entrudo, parente distante de nosso Carnaval, data do período colonial e chegou ao Brasil junto com os portugueses. Tinha entrudo dentro de casa e nas ruas. No entrudo familiar, as pessoas atiravam-se bolinhas com água pura ou perfumada. O chefe da casa só os desatinados atacavam, já que se exalava respeito ao patriarca. Nas ruas, o bicho pegava: farinha, ovos, bolas com lama e até urina. As elites odiavam e não demorou muito para ser proibido, com a polícia ofertando confetes e serpentinas a quem desobedecesse.

Com o entrudo em baixa, blocos e cordões populares passaram a desfilar nas ruas dos bairros e favelas embalados pelos ritmos e danças africanas, fantasias e batalhas de confetes e serpentinas. Depois, no Rio, surgiram os ranchos, que são os pré-desfiles de escolas de samba. Tinha organização, fantasias temáticas, mestre-sala e porta-bandeira. A marcha-rancho é um pouco mais lenta do que o samba. Havia menos percussão.

Carnaval do povo em São Paulo? Se antes havia os bailes fechados para separar pobres dos ricos, brancos dos negros e pardos, hoje a própria geografia da cidade segrega. Basta ver os blocos na Vila Madalena, Perdizes, Santa Cecília. Pardos e negros estão vendendo cerveja para uma maioria branca que se diverte.

Vai querer sair da bolha de esquerda da zona oeste? Quem sabe possa conhecer o Bloco do Beco no Jardim São Luiz, zona sul da cidade, fundado há 23 anos. As mulheres dominam metade da bateria. Saiu no sábado de Carnaval e reuniu cerca de 30 mil pessoas. Comerciantes estimam que três milhões de reais são movimentados nesse dia.

A prefeitura do carnavalesco Ricardo Nunes (alguém viu?) divide R$ 2,5 milhões para 100 blocos – dez desfilam na periferia. A cidade tem 601 agrupações.

Os Unidos de Paraisópolis, por exemplo, dependem de doações para desfilar – aceitam até água. 80 instrumentistas levantam a terceira maior favela do Brasil nas terças de Carnaval.

Já os blocos mais famosos conseguem fazer do carnaval um negócio.  O carioca Monobloco contou à Folha que se divide em shows que acontecem durante o ano e os ensaios e desfiles no Carnaval. “Temos um modelo de negócios com duas frentes. O Monobloco Show, com 15 integrantes, faz uma média de oito shows por mês em diversas cidades, além de turnês internacionais. Já os ensaios e desfiles contam com a bateria formada pelos alunos das oficinas de percussão”, explicou Flávio Goulart, produtor do grupo, ao jornal.

Os ensaios pagos são uma realidade há alguns anos. A maioria aproveita janeiro para arrecadar o dinheiro do Carnaval. Quem sabe um dia teremos uma versão do entrudo com ingresso à venda?

E o carnavalesco Paulo Barros, da Vila Isabel, dizer que a temática africana deixa todos desfiles iguais e “ninguém entendia nada”? Com a chuva de críticas, Barros dobrou a aposta: ‘Qualquer imbecil’ sabe que a raiz da escola de samba é africana. Como já disse Guimarães Rosa: o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães.

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