Cientistas revelam origem dos enxames de gafanhotos

Na primavera de 2020, o maior enxame de gafanhotos em 70 anos varreu dez países no Leste da África. Os danos às plantações foram estimados em US$ 8,5 bilhões (cerca de R$ 50 bilhões), atingindo uma região onde 23 milhões de pessoas enfrentam grave insegurança alimentar.

Durante essas invasões, os gafanhotos do deserto (Schistocerca gregaria) comem o equivalente a seu próprio peso todos os dias. A praga em escala bíblica consumiu 160 milhões de quilos de comida por dia – o suficiente para alimentar 800 mil pessoas durante um ano.

Há décadas os cientistas tentam entender como os gafanhotos individuais se reúnem em enxames. Essa compreensão pode ser vital para prever e gerenciar novos surtos.

Um novo modelo, publicado na semana passada na revista científica Science, começa a desvendar a mente coletiva dos gafanhotos. O estudo descreve como os gafanhotos individuais passam de se comportar como animais solitários para enxames gigantes com movimentação coletiva.

“Nosso trabalho fornece uma nova perspectiva para considerar a movimentação coletiva em animais e também na robótica”, explicou Iain Couzin, autor principal do estudo e neurobiólogo do Centro de Estudos Avançados do Comportamento Coletivo de Constança, na Alemanha.

“Uma aplicação é uma nova classe de modelos preditivos de como e para onde os enxames se movem. Pesquisas futuras sobre isso poderão impactar os meios de subsistência de 1 em cada 10 pessoas no planeta”, disse Couzin à DW.

Ajuda da realidade virtual

Os enxames de gafanhotos ameaçam a segurança alimentar há milênios e têm desempenhado seu papel na história – os gafanhotos foram uma das 10 pragas trazidas ao Egito segundo o Livro do Êxodo.

Cientistas vêm tentando entender como os gafanhotos individuais se movem em multidões coletivas quando enxameiam. Em 2006, Couzin desenvolveu um modelo explicando como os gafanhotos marchariam juntos em uma linha quando se organizam em enxames.

“Este modelo veio da física de partículas e sugeriu que os indivíduos colidem uns com os outros aleatoriamente, então fluem juntos todos na mesma direção se houver uma alta densidade de indivíduos”, disse Couzin.

O autor do estudo Sercan Sayin começou a testar esse modelo em gafanhotos usando um cenário de realidade virtual para esses insetos. Sayin fez os insetos se moverem em uma bola cercada por vistas panorâmicas em telas. Essas paisagens reconstruíram o mundo em 3D para fazer com que os gafanhotos pensassem que estavam em um enxame.

Ele, porém, não conseguiu replicar as descobertas de 2006 de que a densidade animal era responsável pela formação dos enxames de gafanhotos.

Visão indica comportamento de enxame

Experimentos de campo no Quênia durante o enorme enxame de 2020 mostraram que certas pistas visuais fizeram com que os gafanhotos se comportassem com movimentos coletivos ao enxamear.

“Anteriormente, pensávamos que esbarrar uns nos outros causava enxames, mas nossos experimentos mostraram que a visão é importante”, disse Couzin. “Descobrimos, em vez disso, que [os comportamentos de enxame] são desencadeados pelo tipo de informação sensorial ao redor deles, não por quantos gafanhotos os cercam”.

Jan Ache, neurobiólogo da Universidade de Würzburg, na Alemanha, que não estava envolvido no estudo, disse que a pesquisa expande um modelo matemático de enxames que reconhece a individualidade dos gafanhotos.

“Para que os gafanhotos tenham movimento coletivo, eles precisam de formas muito básicas de processamento cognitivo – onde os insetos integram sua própria posição em relação à posição daqueles ao seu redor e, em seguida, seguem ativamente outros gafanhotos”, disse ele.

Isso ocorre em gafanhotos individuais, mas quando eles se juntam em multidões, cria o efeito emergente de um enxame.

Como o cérebro toma decisões

Ache disse que os gafanhotos são fascinantes de estudar porque eles existem em dois estados diferentes: solitários ou em enxame. Normalmente evitativos, os insetos mudam para bandos em marcha após várias horas de aglomeração.

“Quando eles mudam de um tipo para outro, o cérebro está em dois estados diferentes. Em cada estado, os mesmos neurônios conduzem comportamentos muito diferentes, como ser atraído ou repelido por outros gafanhotos”, disse Ache.

Em última análise, as descobertas dizem respeito à tomada de decisões em sistemas neuronais, explicou Couzin. “No nível básico, há competição entre grupos de neurônios no cérebro. O cérebro deve chegar a um consenso e tomar uma decisão sobre o movimento”.

Em outras palavras, quando há um conflito no cérebro, as vias neuronais competem até que uma decisão seja tomada, no momento em que uma via “sai vencedora” sobre a outra.

Em seus experimentos, as pistas visuais de outros gafanhotos na frente acabam servindo como como um alvo, fazendo com que os sistemas de navegação puxem o organismo na mesma direção.

“Isso é muito semelhante à dinâmica de opinião em humanos, onde as pessoas adotam opiniões semelhantes às de outras e descartam opiniões diferentes”, disse Couzin.

Prever enxames e multidões?

Couzin disse que o novo modelo tem implicações importantes para prever enxames no mundo real.

“Se fomos capazes de criar um modelo prevendo como os enxames se movem, [isso significa que] anteriormente estávamos usando o modelo errado. O que está implicado são novas maneiras de prever como e onde os enxames se movem com base em uma compreensão biológica do movimento coletivo”, disse o pesquisador.

Também pode ajudar a entender como os peixes se movem em cardumes; os pássaros em bandos e, potencialmente, como os mamíferos se movem em rebanhos. Couzin também aplica sua pesquisa em robôs, criando movimento coletivo em veículos autônomos.

Ele disse que suas descobertas podem ser levadas em conta em multidões humanas também, talvez para ajudar a evitar aglomerações, mas ressaltou que “é muito cedo para fazer qualquer afirmação, pois esses experimentos não foram feitos”.

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