De herói a anti-herói: marcas trocam a perfeição por autenticidade

Lembro bem de uma das minhas primeiras aulas na faculdade de Publicidade, 18 anos atrás. O professor disse: A Publicidade é um conto de fadas. É um mundo mágico em que tudo dá certo. O trabalho do publicitário é fazer o público acreditar que o produto ou serviço anunciado garante uma vida perfeita.

Aquele clássico discurso do herói.

Corta a cena, quase 20 anos depois, temos uma geração ansiosa, em crise com o mercado de trabalho, grandes desafios sociais, instabilidade democrática, tensões diplomáticas e a crise climática. Alguém cai no conto do cowboy fumante e seu cavalo? Alguém ainda acredita em vida perfeita?

Em tempos de hiperconectividade e relações superficiais, o desejo por mais humanidade, vínculo emocional e intimidade dá o tom dessa transição nas estratégias de comunicação das marcas.

Afinal, já sabemos que pessoas confiam mais em pessoas do que em marcas.

Estudo da Nielsen de 2023 revelou que 92% dos consumidores confiam mais em recomendações pessoais do que em publicidade. Já a McKinsey identificou que o marketing boca a boca influencia entre 20% e 50% das decisões de compra, sendo mais efetivo que a publicidade paga.

Então temos marcas querendo se comunicar cada vez mais como pessoas. Gosto de vê-las não se levando tanto a sério, descendo um pouco do pedestal pra conversar com o público como gente de verdade, que faz parte de um mundo de verdade: com imperfeições.

Por exemplo, sou fã da campanha “pode ser Pepsi”, que apesar de ser da época da minha faculdade, foi ousada em reconhecer publicamente sua fama de ser a segunda opção na categoria refrigerante.

E a B3, a bolsa do Brasil, que abraçou o próprio estereótipo do mercado financeiro trazendo o personagem Jorginho pra perto: paulistano, faria limer, coletinho puff e fã de beach tênis.

Quem não segue o Duolingo nas redes, não sabe o show de narrativa autêntica e construção de love brand que está perdendo. Até no LinkedIn, talvez a rede mais quadrada que exista, a marca é fora da caixinha.

Para fechar, este ano fui surpreendida com a campanha de Natal do Chester Perdigão, que abandonou o tradicional padrão de família feliz. E não estou falando só de representatividade de famílias diversas em raça, gênero e formações parentais.

Isso é ótimo e importantíssimo, mas até quando as marcas começaram a trazer diversidade para a mesa, todos sempre apareciam plenamente e utopicamente felizes. A Perdigão trouxe a vida como ela é numa campanha que tem discurso chato, presente que a gente fala que gostou, mas na verdade vai trocar e conversas que queremos fugir.

Ao abandonar mensagens confortáveis e arriscar narrativas mais genuínas, as marcas têm a oportunidade de tangibilizar características muito específicas da brand persona, que às vezes ficam apenas nos documentos do time de branding.

Em um mercado saturado e com grande disputa por atenção, essa abordagem sincerona, que pode ser interpretada como um “anti-heroísmo”, surge como uma estratégia para se destacar, estabelecendo uma conexão profunda, mais valiosa e duradoura com o público.

Marcelly Alberto é diretora de branding e conteúdo no Estúdio Capim.

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