Reunião sobre escola cívico-militar tem pais confusos e sem “oposição”

São Paulo – “Acho que o policial militar fica nas redondezas da escola, como ronda, né?”, afirmou uma mãe, nesta quarta-feira (5/3), quando o Metrópoles a questionou sobre como funcionaria o programa Escola Cívico-militar na rede estadual de São Paulo.

Ao ouvi-la, outra mãe retrucou: “Não, o policial fica dentro da escola para evitar uma briga entre eles [alunos]”. Uma terceira disse, na sequência, que os policiais ficariam armados para proteger os estudantes. “Eles não podem porque já são aposentados”, disse a segunda.

As três tinham acabado de sair de uma reunião sobre a implantação do modelo cívico-militar na Escola Estadual Bartholomeu de Carlos, em Guarulhos, Grande São Paulo, e se diziam favoráveis ao modelo, mas não sabiam detalhes sobre o funcionamento do projeto.

A reunião foi anunciada pela direção da unidade no Instagram da escola, na sexta-feira (28/3), antes do Carnaval. Na publicação, a gestão convidava os responsáveis dos 6º anos e os pais que tivessem dúvidas sobre o programa para o encontro, marcado para a tarde da Quarta-Feira de Cinzas.

As aulas para o ensino fundamental tinham sido canceladas nesta quarta e a escola estava praticamente vazia quando o Metrópoles chegou ao local. Pouco mais de 20 pais participaram do encontro. Toda a reunião durou menos de meia hora.

A diretora da unidade leu uma resolução sobre o programa e passou a palavra para uma professora, que se apresentou como favorável ao modelo por ter estudado em uma escola cívico-militar.

“Eu não fui em nenhum momento moldada por ninguém”, disse ela, afirmando logo depois que os policiais não influenciariam na parte pedagógica. “Ele estará aqui como um apoio, na ideia de orientar, de observar o nosso ambiente, verificar onde é que ele pode orientar o estudante”.

A professora também afirmou que os educadores serão responsáveis pelas aulas de civismo, e que os PMs farão apenas o apoio. Veja:

 

Sem debate

Durante o evento, uma mãe questionou se professores contrários ao projeto também teriam espaço para se posicionarem. A diretora disse que convidou todos para participar, mas ninguém se manifestou.

Depois do encontro, o Metrópoles conversou com a mãe que fez a pergunta. Contrária ao programa, Patrícia Sales, de 40 anos, disse que alguns professores estão com receio de se posicionarem.

“Dos professores que estavam lá, eu sei que alguns que são contra o projeto, só que eles não quiseram falar para não se indispor com a gestão”.

Ela criticou a escolha da data para a reunião. “Acabei de encontrar a minha tia, que tem uma neta na escola, e ela não sabia”. Para a professora, a falta de informações sobre o tema pode influenciar na votação.

“O pessoal tá achando que depois que foi aprovado pode voltar atrás, mas não volta”. Durante a reunião, um pai chegou a perguntar se, caso a escola não “se adaptasse”, haveria possibilidade de retirar o modelo. A direção disse não ter a resposta para isso.

Do lado de fora, estudantes que conversaram com a reportagem se disseram incomodados com a ideia de militarização da unidade. “Eu tenho cabelo grande, vou ter que cortar?”, disse um aluno no 1º ano. Em outros estados, os alunos têm que seguir regras de vestimenta em escolas cívico-militares. O governo de São Paulo ainda não divulgou as regras para o modelo paulista.


Como funcionará o programa?

  • PMs aposentados vão trabalhar como monitores e serão responsáveis por atividades extracurriculares;
  • Entre os conteúdos que os PMs poderão oferecer, estão atividades sobre o funcionamento dos Três Poderes, “valores cidadãos”; “habilidades para o exercício da cidadania” e “direitos e deveres do cidadão”;
  • Os policiais não ficarão armados, segundo Tarcísio;
  • Uso de uniforme será obrigatório.

Para Catarina Almeida Santos, coordenadora da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (REPME) e professora da Universidade de Brasília (UnB), a falta de opiniões contrárias ao modelo em reuniões sobre o projeto é prejudicial.

“Em qualquer processo democrático e republicano sério, não há como fazer sem o contraditório”, afirma.

A especialista diz, ainda, que o fato da reunião ter sido divulgada apenas como um espaço de apresentação do programa, também não atrai a atenção aqueles que são contrários.

“Se eu chamo uma assembleia, uma reunião, para debater o tema, para discutir se a escola entra ou não, aí você tem uma mobilização. Se você chama para comunicar como vai ser, o ânimo das pessoas, da comunidade, de se disporem para ir é muito menor”.

Cronograma de implantação

As reuniões de apresentação fazem parte do cronograma da Secretaria da Educação para a implantação do programa escola cívico-militar. Todas as escolas cujos diretores tenham manifestado interesse em aderir ao modelo terão que apresentar o projeto à comunidade até o dia 7 de março.

Na próxima segunda-feira (10/3) serão abertas as consultas públicas para que responsáveis, alunos maiores de 16 anos, professores e funcionários possam votar se querem ou não que a escola se torne cívico-militar. O processo de votação, online, vai até o dia 24 de março.

A mudança de modelo só acontece com a aprovação da maioria da comunidade escolar. As unidades que optarem pela adesão ao projeto passarão pela militarização já no segundo semestre deste ano.

O programa escola cívico-militar em São Paulo é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).

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