A capivara de Bolsonaro (por Mary Zaidan)

Na manhã do dia 25 de março, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal realizará a primeira das três sessões deliberativas previstas sobre a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete expoentes de seu governo, entre eles cinco militares, três de alta patente. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, eles integram o núcleo central da tentativa de golpe. Se a denúncia for aceita, os envolvidos se tornarão réus, e o julgamento, com a devida audiência de testemunhas, será iniciado. Este é o trâmite. Mas, de antemão, já foi considerado rápido demais pelo ex e seus devotos, em uma inédita reclamação de celeridade da Justiça, normalmente criticada por ser tardia.

É irônico. Nos idos da Lava-Jato, o então deputado Bolsonaro, ainda no baixo-clero da Câmara, cobrava mais agilidade da Justiça para encarcerar o petista Luiz Inácio Lula da Silva, investigado por pouco mais de um ano, julgado, condenado e preso em abril de 2018, oito meses depois de ser denunciado.

No caso de Bolsonaro e os seus, o tempo de investigação foi mais elástico, batendo em quase dois anos. A denúncia ocorreu em fevereiro, ainda está na fase de aceite ou não, e um provável julgamento deve se estender, na pior das hipóteses, pelo menos até outubro.

Segundo a PGR, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado tiveram início em 2021, quando Bolsonaro abriu fogo contra as urnas eletrônicas e, no palanque da Avenida Paulista, desafiou a autoridade judicial afirmando que não cumpriria ordens do ministro do STF Alexandre de Moraes.

De lá até o fatídico 8 de janeiro de 2023, os arreganhos se multiplicaram. Envolveram a elaboração de documentos para justificar intervenções nas instituições, fraudes para “provar” que urnas teriam sido fraudadas, incentivo, apoio e financiamento de concentrações em frente a instalações militares, e até plano para assassinar o presidente eleito, Lula, e seu vice, Geraldo Alckmin, além do ministro Moraes. É o que consta nas quase 300 páginas de denúncia do PGR Paulo Gonet.

Na quinta-feira, Gonet despachou outras 24 páginas rejeitando os argumentos encaminhados pelos advogados dos réus, que pareciam peças pré-combinadas entre os defensores. Horas depois, o ministro Moraes, que constitucionalmente nada podia acrescentar, entregou a denúncia, as defesas e o parecer do PGR ao presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, que de pronto marcou a data para apreciação da peça. Tudo dentro do script.

Há quem assegure que o STF fará um baita esforço para que o julgamento não adentre o ano eleitoral, sob o risco de contaminar o pleito. Pode até ser. Na verdade, muda pouco ou quase nada. O caráter político-eleitoral do processo já está dado, e pouca diferença fará se o já inelegível Bolsonaro for declarado culpado ou inocente neste ano ou no próximo.

Os mais estridentes alardeiam o caos em caso de condenação do ex. Não por outro motivo, Bolsonaro iniciou o movimento de colocar gente sua nas ruas. A manifestação de hoje, em Copacabana, no Rio – convocada inicialmente para um “fora Lula” e rapidamente reorientada para se transformar em um clamor por anistia a golpistas -, nada mais é do que demonstração de força. Receita que ele pretende repetir em São Paulo. Nelas, mais uma vez, Bolsonaro se utiliza dos incautos para proteger suas costas, assim como ele e sua trupe fizeram com os acampados nos batalhões militares e com a “festa da Selma”, cognome para o 8 de janeiro.

Em outra frente, Bolsonaro tenta repetir o que Lula fez quando foi condenado, buscando organizações internacionais para denunciar a “perseguição” que sofre no Brasil. A missão confiada ao zero 2, deputado Eduardo, que não sai dos Estados Unidos, busca a mão forte de Donald Trump. A crença nele é tamanha que Bolsonaro chegou ao cúmulo de dizer que tem passado informações secretas ao presidente americano, citando acordos mirabolantes entre o governo Lula e a China.

O jornalista José Casado, de Veja, foi um dos poucos que percebeu a temeridade do dito do ex nas redes: “ao se confessar publicamente como informante da `equipe de Trump`, Bolsonaro se arrisca a eventual denúncia por delitos previstos na lei nº 14.197”. Trata-se de um dispositivo que ele mesmo assinou em setembro de 2021, tipificando crimes contra a soberania nacional e espionagem, com punições de até 15 anos de cadeia. Sobre o capitão pesa ainda a hipótese de ser denunciado no âmbito da Justiça Militar, correndo o risco de perder a patente se for denunciado e condenado no STM.

Como se diz no jargão policial, a capivara de Bolsonaro só aumenta.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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