Opinião: “A ignorância fingida dos presidentes”

“Em política, a versão é mais importante que o fato”. Essa frase é creditada a uma das maiores raposas do cenário político brasileiro, o ex-deputado e ex-vice-presidente José Maria Alkmin. Ele era conhecido por se movimentar com habilidade por todas as matizes ideológicas do país. Tanto que foi ministro da Fazenda de Juscelino Kubistchek e, anos depois, vice de Humberto Castello Branco, o primeiro presidente da ditadura militar. Como se sabe, as Forças Armadas nunca toleraram JK, que teve seu mandato de senador cassado em 1964.

Alkmin foi um dos primeiros a entender como funcionava o fenômeno que hoje é chamado “guerra de narrativas”. Sabia como poucos distorcer a realidade para criar uma versão que era favorável ao seus correligionários. Mas ele e outros com essa habilidade sempre orbitaram em torno dos mandatários.

A guerra de narrativas, recentemente, produziu outro fenômeno: os presidentes que manipulam descaradamente a realidade e produzem versões para incitar a militância política. Neste quesito, Jair Bolsonaro era (e ainda é) um craque. Neste ano, porém, vimos que essa habilidade também sobra nos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Donald Trump.

A diferença é que tanto Lula como Trump fingem uma ignorância que não têm, com o intuito de sensibilizar apoiadores e simpatizantes.

Trump, por exemplo, já disse que o tarifaço iria render muito dinheiro ao Tesouro americano. Só que os produtos sobretaxados perdem sua competitividade e dificilmente seriam comprados pelos importadores – ou seja, na maioria dos casos, não haveria receita de tarifas porque os produtos não seriam mais importados. Recentemente, também Trump afirmou que os produtores agrícolas não deveriam vender sua mercadoria ao exterior e sim ao mercado interno. No entanto, boa parte dessa produção é de soja ou de excedentes que os clientes americanos não iriam adquirir de qualquer maneira.

Lula vai no mesmo caminho, ao tentar convencer os brasileiros de que existem empresários que estariam inflacionando o custo dos alimentos por pura maldade. “Nós estamos em uma tarefa muito grande, o presidente da República, o ministro da Fazenda, porque nós queremos encontrar quem é o pilantra que aumentou o ovo tanto. Não é possível”, afirmou o presidente em Sorocaba, há poucos dias.

Ocorre que há fatores muito claros para a disparada do preço do ovo. Um deles é climático: calor diminui a produção nas granjas. Além disso, o preço do milho, principal item de alimentação das galinhas, cresceu muito nos últimos meses. Por fim, a alta do dólar tornou a exportação do produto um grande negócio, reduzindo a oferta local.

Mas o fato, neste caso, não é importante para o presidente e sim a sua versão, a do “pilantra”.

Os políticos sempre manipularam a verdade para ter vantagens. Mas ultimamente a ignorância fingida tem ganhado espaço para mobilizar a militância. Lula pode não ter diploma universitário, mas sua experiência como presidente é suficiente para que ele saiba que, em uma economia de mercado, uma andorinha (mesmo que pilantra) não faz verão.

Voltando a José Maria Alkmin. Certa vez, ele voltou da Europa e foi parado na Alfândega. Em sua bagagem, havia cinco garrafas enroladas em panos. O agente alfandegário, retirou as embalagens e perguntou ao político o que era aquele líquido. A resposta:

– Água milagrosa de Fátima.

O oficial quis saber o porquê de tantas garrafas.

– É que o pessoal de Minas acredita muito nos milagres de Fátima.

O rapaz, então, abriu um invólucro e o cheirou:

– Mas, deputado, isso é uísque.

Alkmin não se fez de rogado:

– Ué, não é que já se deu o milagre?

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