A doutrina Trump e o colapso financeiro dos impérios

Desde sua ascensão ao poder, as decisões de Donald Trump têm causado impactos globais imediatos. Seus decretos, anúncios e posicionamentos reverberam em escala internacional, tornando inevitável a reflexão sobre as diretrizes que moldam sua política. Em meio a esse cenário, paradigmas históricos ajudam a compreender a lógica por trás da nova Doutrina Trump.

O Isolacionismo e a Nova Ordem Global: o termo “isolacionismo” poderia descrever o primeiro governo Trump, mas se mostra inadequado para definir sua abordagem atual. As mudanças abruptas em alianças estratégicas alimentam especulações sobre um modelo de governança que se aproxima da ideia de um “G3”, sugerindo uma divisão de esferas de influência entre os Estados Unidos, a Rússia e a China. Essa configuração permitiria a Vladimir Putin sonhar com uma nova Yalta e, no Oriente, inspirou a metáfora dos Três Reinos. A visão do presidente Joe Biden de uma cruzada do mundo livre contra regimes autocráticos parece, assim, ceder lugar a uma lógica de grandes acordos históricos.

Dois renomados historiadores oferecem interpretações sobre essa mudança: enquanto um aponta para uma ruptura drástica com o passado, explicada pela teoria da dívida, o outro argumenta que o que Trump faz não é novidade na história americana, mas sim um ciclo recorrente com diferentes desfechos. Hoje analisamos o que diz o primeiro e, no próximo artigo da semana que vem, a narrativa do segundo.

O Peso da Dívida e a Lei de Ferguson

Niall Ferguson, historiador escocês e professor da Universidade de Stanford, revisita a tese do britânico Paul Kennedy sobre a queda dos impérios por excesso de gastos militares, o chamado “overstretching”. Ferguson, no entanto, adiciona um novo elemento: a relação entre dívida pública e segurança nacional. Segundo ele, impérios entram em colapso quando os custos da dívida (juros e amortizações) superam os investimentos em defesa. Esse marco histórico, que ele chama de “Lei de Ferguson”, teria sido ultrapassado pelos Estados Unidos no último ano.

De acordo com dados do Bureau of Economic Analysis (BEA), em 2024, os gastos federais com pagamento de juros atingiram US$ 1,124 trilhão, superando os gastos com defesa, que foram de US$ 1,107 trilhão. Em termos percentuais, os pagamentos de juros representaram 3,1% do PIB, enquanto as despesas com defesa ficaram em 2,9%, segundo o Congressional Budget Office (CBO). A última vez que os EUA enfrentaram um cenário semelhante foi no período isolacionista anterior à Segunda Guerra Mundial.

A comparação com outros momentos históricos reforça a tese de Ferguson: no auge da Guerra Fria (1962-1989), os gastos com defesa representavam, em média, 6,4% do PIB, enquanto o serviço da dívida era de apenas 1,8%. Mesmo após o colapso da União Soviética, o orçamento militar continuou superior ao custo da dívida. Agora, no entanto, os números se inverteram, evidenciando restrições fiscais inéditas que podem comprometer a influência global americana.

As Implicações para a Geopolítica Global

Se a tendência se mantiver, o CBO estima que, até 2049, os pagamentos de juros representarão 4,9% do PIB, enquanto os gastos com defesa podem cair para menos da metade desse valor. Como os custos com defesa dependem da aprovação do Congresso, ao contrário dos pagamentos da dívida e dos programas sociais, é provável que as restrições orçamentárias levem a cortes ainda maiores nessa área.

Para Ferguson, esse fenômeno ecoa os declínios de impérios como a monarquia Bourbon, os Habsburgo da Espanha, o Império Otomano e a Áustria-Hungria, todos enfraquecidos por dívidas insustentáveis. Essa leitura pode ajudar a explicar a pressão de Trump sobre os aliados da OTAN para aumentarem seus orçamentos militares. Com isso, ele buscaria reduzir os gastos diretos dos EUA com defesa, amenizando as restrições fiscais sem comprometer a segurança nacional.

A estratégia, no entanto, levanta questionamentos sobre a sustentabilidade do poder americano no longo prazo. Estaria a nova Doutrina Trump efetivamente garantindo a segurança dos Estados Unidos ou apenas adiando um inevitável declínio geopolítico? O futuro dirá se essa guinada será suficiente para evitar que a “Lei de Ferguson” se torne o epitáfio da hegemonia americana.

*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam

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