Expulsão, honra, pensões: o que acontece com militares se condenados pelo golpe?

O início do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe revela diferenças no tratamento a civis e a militares envolvidos no caso.

Além do risco de prisão, os oficiais das Forças Armadas denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) podem ter de enfrentar um tribunal de honra militar que os penaliza à chamada “morte ficta”, uma “morte fictícia” dos militares que os exclui das Forças Armadas. Até aqui, 24 oficiais da ativa e da reserva do Exército e da Marinha foram denunciados por suposto envolvimento na trama.

Mas, mesmo em caso da imposição da “morte ficta”, familiares dos militares ainda receberão pensões do governo – calculadas com base nos vencimentos de cada oficial condenado e considerado “indigno” para as Forças.

Atualmente, as pensões nos casos de “morte ficta” se restringem a 70% do valor integral recebido pelo militar antes de sua expulsão das Forças Armadas – dinheiro esse a ser repassado aos familiares.

Tome como exemplo o caso do general Estevam Cals Theophilo, ex-comandante de Operações Terrestres e ex-membro do Alto Comando, um dos “kids pretos” denunciados na trama do golpe: segundo o portal da Transparência, ele recebeu R$24,7 mil de salário após deduções em janeiro passado. Se condenado à “morte ficta”, seus familiares receberiam R$17,3 mil de pensão.

Obtida pela Agência Pública, uma representação do Subprocurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, aponta que as Forças Armadas gastam R$43 milhões por ano com pensões desse tipo para familiares de militares. O gasto foi revelado inicialmente em dezembro de 2024 pelo portal Metrópoles.

Expulsão de militares depende do Procurador-Geral da Justiça Militar

Cabe apenas à Justiça Militar, por meio do Superior Tribunal Militar (STM), julgar a exclusão de oficiais dos quadros das Forças Armadas. Em recente entrevista à Pública, a presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha, explicou como funciona esse tipo de processo.

“Se a pena à qual o oficial for condenado superar dois anos, cabe uma representação de indignidade para com o oficialato. Se for inferior a dois anos, cabe a instalação de um Conselho de Justificação. São tribunais de honra. Ao fim, decidem se o oficial tem condições de permanecer nas fileiras do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. Caso decida-se que não, o oficial é excluído da Força, perde seu posto e a sua patente”, disse a presidente do STM.

No caso dos oficiais ligados à trama golpista, são esperadas representações de indignidade contra os que forem condenados, pois as penas dos crimes em julgamento no STF superam dois anos de prisão.

Tais ações devem ser propostas pela Procuradoria-Geral da Justiça Militar (PGJM), atualmente sob o comando do procurador-geral Clauro Roberto de Bortolli. A PGJM não tem investigado crimes militares ligados à trama golpista, aguardando o resultado dos julgamentos no STF – como já destacado pela reportagem anteriormente.

À Pública, a PGJM disse que “toma ciência das condenações dos oficiais por notificações dos tribunais ou mesmo pelas próprias Forças”, sendo um “pressuposto constitucional dessa medida a existência de condenação a pena privativa de liberdade superior a dois anos transitada em julgado”.

A PGJM também afirmou que toda representação de indignidade deve ser instaurada em menos de seis anos após o trânsito em julgado. Caso contrário, o processo de exclusão do oficial das Forças Armadas perde sua validade, segundo decisão do próprio STM em 2021. 

Tribunal de honra

Por outro lado, se houver militares condenados com penas inferiores a dois anos, serão abertos Conselhos de Justificação para avaliar sua expulsão das Forças Armadas. Regulamentados desde 1972, os conselhos são uma espécie de “tribunal de honra e corte moral”, como define o ministro do STM Péricles Aurélio Lima de Queiroz.

Os comandantes das Forças às quais os condenados pertencem são responsáveis por nomearem os conselhos de justificação, que são formados por três militares de patente superior à de quem está sendo julgado.

No caso de generais da ativa, a lei ordena que devem ser nomeados outros oficiais-generais, “da ativa ou na inatividade, mais antigos” que aquele sob julgamento.

Já nos casos de oficiais “da reserva remunerada ou reformado”, como o general da reserva Augusto Heleno, o ex-presidente e capitão da reserva Jair Bolsonaro e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, ao menos “um dos membros do conselho de Justificação também pode ser da reserva” da respectiva Força.

Ou seja: nos casos em que as penas forem menores que dois anos de prisão, caberá ao general Tomás Miné Paiva nomear os membros de conselhos de justificação para analisar os casos de militares do Exército. No caso do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, se ele for condenado a uma pena menor que dois anos, sua expulsão deve ser analisada por um conselho nomeado pelo atual comandante da Força, o almirante Marcos Sampaio Olsen.

Julgamento no STF em andamento 

A 1ª Turma do STF formada por 5 ministros do colegiado — Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino — vão analisar os argumentos preliminares das defesas sobre o recebimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) para decidir se há indícios de crime para justificar o início de uma ação penal contra 33 pessoas — 24 são oficiais da ativa e da reserva do Exército e da Marinha foram denunciados pela PGR. 

A denúncia envolve os crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, liderança de organização criminosa armada; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, essas duas últimas relacionadas à invasão de Brasília de 8 de janeiro. Ela é baseada na investigação da Polícia Federal (PF) que apontou uma trama golpista envolvendo o ex-presidente e militares após a vitória de Lula nas eleições de 2022. 

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