Condomínio de alto padrão avança sobre área de proteção ambiental em Jacareí (SP)

Um condomínio de alto padrão construiu um espaço de lazer, do tamanho de meio campo de futebol, dentro de uma Área de Proteção Permanente (APP), em Jacareí, no interior de São Paulo. No local onde a mata protegia uma nascente foram construídos uma piscina, churrasqueira, academia e salão de festas. 

Desde 2021, o local tem sido alvo de multas e embargos judiciais por descumprimento das regras ambientais e ausência de plano de recuperação da área degradada. A empresa responsável pela construção do condomínio é a Mirante do Vale Empreendimentos Imobiliários e Construções Ltda., com sede em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Segundo apuração da Agência Pública, os lotes do condomínio são vendidos por até R$ 750 mil e casas já construídas custam até R$ 3 milhões. 

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) propôs uma ação civil pública sobre o caso. A área de lazer foi interditada sob pena de multa diária, mas o condomínio ainda pode recorrer da decisão. A construtora não é o alvo do procedimento, porque quem administra o local atualmente é a Associação dos Adquirentes de Lotes do Loteamento Parque Mirante do Vale, fundada em 1998 e presidida por Lairton Corrêa de Souza, que representa os proprietários de terrenos no local. 

Por que isso importa?

  • A área de lazer de um condomínio de alto padrão, construído em Jacareí, interior de São Paulo, virou alvo da Justiça por avançar sobre uma área de proteção ambiental.
  • Danos ameaçam a fauna e a flora do local, diz documento do MPSP.

No LinkedIn de Souza, consta que ele atuou na Petrobras como gerente de recursos humanos (RH) de uma refinaria de petróleo em São José dos Campos, entre janeiro de 1976 e 2004, quando ele mudou de cargo e passou a integrar a gerência do setor de recrutamento e seleção, até 2016. Pela petroleira, ele foi empossado também como responsável por articular as discussões sindicais de funcionários na Nigéria, entre 2010 e 2011.

Além da passagem pela Petrobras, a Pública apurou que ele era o sócio-administrador de uma empresa de vendas que levava o seu nome, cujo capital social declarado era de R$ 5 mil, com sede no condomínio Mirante do Vale. A empresa foi firmada em 2019 e declarada inapta em 2022, por “omissão de declarações”. Outro quadro societário de Lairton de Souza é a clínica médica ambulatorial Oliveira Beltrão, com sede em São José dos Campos. 

Atualmente, além de administrar o condomínio Mirante do Vale, Souza é diretor de relações com os associados da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) da seccional de São Paulo, com sede na capital paulista, desde outubro de 2017. 

Em 1999, o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais (Graprohab), da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SDUH), autorizou a construção de edificações no lote. No entanto, a Secretaria do Meio Ambiente, Licenciamento e Infraestrutura (Semil) do Estado de São Paulo disse, por meio de nota, que “após denúncias e demandas do MP de Jacareí, sobre irregularidades no condomínio, como intervenções em Área de Preservação Permanente para construção de um muro de divisa e a instalação de clube social em APP de nascente, a CETESB realizou vistoria e constatou as irregularidades”.

Durante as investigações do MPSP, o Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx) do órgão constatou que a área de preservação invadida pelo condomínio é de 3,2 mil metros quadrados, o equivalente a meio campo de futebol. 

De acordo com a avaliação do CAEx, os prejuízos para o ambiente abrangem a fauna e a flora locais, além de impactar questões climáticas. A restauração do bioma é possível, mas para isso é preciso desfazer as construções e a pavimentação de acesso ao condomínio, assim como retirar os resíduos, descompactar o solo e ainda elaborar um “projeto de restauração florestal e sua execução/implantação”, diz o documento. 

“O quadro atual, em face das intervenções e usos constatados, é de degradação ambiental (Art. 3º da Lei Federal n° 6.938/81) e caracteriza prejuízo ao devido cumprimento das funções ambientais dessas áreas protegidas, inclusive dificultando e impedindo a regeneração natural da vegetação”, descreveu o MPSP na ação. 

Além da degradação da flora, o MPSP apontou que as construções feitas na APP trazem também prejuízo à fauna, “uma vez que sem vegetação os animais não poderão se alimentar e conviver em seu habitat natural – ecossistema. Com certeza o avanço da intervenção antrópica é a principal causa da extinção de diversas espécies da fauna nacional”.

“[A ação civil pública] vai muito mais além do que é apenas a recuperação da área, ela abrange a questão climática, a preservação da vida de animais silvestres e toda a fauna”, disse à reportagem o promotor de justiça do MPSP Fábio Moraes, que conduz a ação. 

Área de lazer embargada

O embargo da área de lazer proposto pelo MPSP também proíbe o condomínio de realizar novas construções na área ou manutenção de espaços existentes que estejam na área de preservação permanente. A sentença foi assinada pela juíza Luciene de Oliveira Ribeiro, da 3ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), da comarca de Jacareí. 

Na defesa de sua sentença, publicada em janeiro de 2025, a juíza estabeleceu que o não cumprimento das medidas poderia incorrer em multa diária de R$ 500, “cuja incidência fica, num primeiro momento, limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”. 

A Justiça também exigiu que a associação que representa o condomínio apresentasse uma proposta de recuperação da área degradada, que atenda aos pedidos da Cetesb, ou pagamento de indenização pelos danos irrecuperáveis. Nenhum desses planos foi apresentado ainda. 

O condomínio já havia sido multado em maio de 2021, quando passou por uma vistoria da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Nela foram constatadas irregularidades na construção do espaço de lazer em área de preservação ambiental. Na ocasião, a Cetesb multou a administração do condomínio em R$ 138 mil, por “impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa em área especialmente protegida”.

Em janeiro de 2024, a Cetesb voltou a advertir a administração do condomínio, por não ter apresentado uma proposta de recompor a APP. Segundo a companhia ambiental paulista, o plano deveria compor “minimamente a retirada das ocupações não autorizadas da APP, o reafeiçoamento [atividades para melhorar as condições da área] do terreno, e a recomposição vegetal do local, com o plantio de espécies nativas”. 

Quatro meses depois, a Cetesb voltou a multar a associação de moradores, dessa vez em R$ 500 mil. Segundo a ação do MPSP, o motivo foi porque nas ocupações na área de preservação permaneceu “não sendo atendida a exigência técnica que consiste na apresentação de um plano, com cronograma de execução, para recomposição da referida APP (prevendo a retirada das ocupações não autorizadas, o reafeiçoamento do terreno e a recomposição da vegetação com plantio de espécies nativas)”.  

Após a aplicação das multas, a administração do condomínio apresentou um plano de recuperação que não atendia aos apontamentos feitos pelo MPSP e a companhia ambiental paulista. De acordo com o promotor Fábio Moraes, a associação “praticamente queria manter [0 clube]” e alegou que “que haveria uma poluição sonora [no condomínio]”. 

Por nota, a Semil informou que, até o dia 12 de março de 2025, a administradora do condomínio ainda não havia atendido às exigências técnicas contidas nas autuações mencionadas e que, consequentemente, “dará continuidade às sanções administrativas legais cabíveis”.

A Pública procurou a associação que representa o condomínio, mas até a publicação desta reportagem não houve resposta. 

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